O Estado de S. Paulo

PF faz ação; Bolsonaro pede impeachment de Moraes

Solicitação ao Senado foi feita no dia em que aliados do Planalto foram alvo de mandados por ordem do ministro do STF; Pacheco reitera disposição de não acatar pedido

André Shalders Wesley Galzo

O presidente Jair Bolsonaro apresentou ontem ao Senado um pedido de impeachment do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. A solicitação foi feita no mesmo dia em que a Polícia Federal cumpriu mandados de busca e apreensão contra apoiadores do presidente – como o cantor Sérgio Reis e o deputado Otoni de Paula (PSC-RJ) –, atendendo a uma determinação do ministro do STF. O texto foi protocolado digitalmente pela Presidência no gabinete do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e é assinado apenas por Bolsonaro. Pacheco reiterou ontem a disposição de não acatar o pedido.

Com a atitude, o presidente ignorou apelos para a pacificação do País e agravou ainda mais a crise entre os poderes. Bolsonaro pediu a destituição de Moraes do cargo e o afastamento do ministro das funções públicas por oito anos. “Nos próximos dias apresentaremos o segundo pedido”, afirmou ele depois, em entrevista, ao destacar que também pedirá a deposição do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luis Roberto Barroso. “Ou seguimos as leis ou cada um começa a interpretar de maneira que melhor interessa”.

Bolsonaro é alvo de cinco inquéritos no STF, entre os quais os das fake news, conduzido por Moraes, por disseminar notícias falsas contra urnas eletrônicas. Na avaliação do presidente há uma “ditadura da toga no País”.

Pacheco estava em São Paulo quando soube do pedido protocolado em seu gabinete e repudiou a medida. "Não antevejo fundamentos para impeachment de ministro do Supremo como também não antevejo em relação a impeachment de presidente da República", afirmou o senador. “Não vamos nos render a nenhum tipo de investida que seja para desunir o País, destacou o presidente do Senado.

Em resposta à ofensiva de Bolsonaro, o Supremo divulgou na noite de ontem uma dura nota, condenando a ofensiva do Palácio do Planalto. No texto, referendado por todos os ministros, o STF diz repudiar “o ato do Excelentíssimo Senhor Presidente da República, de oferecer denúncia contra um de seus integrantes por conta de decisões” em inquérito chancelado pelo plenário da Corte.

“O Estado Democrático de Direito não tolera que um magistrado seja acusado por suas decisões, uma vez que devem ser questionadas nas vias recursais próprias, obedecido o devido processo legal”, diz a nota do STF.

Ao pedir o impeachment de Moraes, Bolsonaro abriu um novo capítulo da crise, que dificultará muito a tramitação da indicação do ex-ministro André Mendonça para uma vaga na Corte. O presidente da Comissão e Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), afirmou que a investida contra o Supremo é uma “grave afronta” e não pautará a sabatina de Mendonça.

No Twitter, Luiz Roberto Barroso publicou a tradicional dicas que dá às sextas-feiras. “Um pensamento: ‘O que mais preocupa não é o grito dos violentos, dos corruptos e dos sem ética, mas o silêncio dos bons’”, escreveu ele, numa referência à frase de Martin Luther King. A música recomendada por ele foi “Vai passar”, de Chico Buarque.

No Supremo, os ministros trabalhavam para retomar o diálogo com o Planalto após apelos de Pacheco e do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira. Na última segunda-feira, por exemplo, o presidente da Corte, Luiz Fux, abriu a sessão de julgamento com um aceno à pacificação. No início do mês, ele tinha anunciado o cancelamento da reunião entre os três poderes, alegando que Bolsonaro não estaria disposto a conversar. O magistrado afirmou que os ataques contra Moraes e Barroso também atingiam os demais ministros da Corte.

A escalada da crise começou com a polêmica do voto impresso porque Bolsonaro sempre achou que Barroso interferiu para derrubar a proposta na Câmara. Além disso, o presidente é alvo de vários inquéritos no STF, entre eles o das fake news, que também investiga aliados do presidente e um de seus filhos, o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-rj).

O pedido de impeachment apresentado ontem reúne 17 páginas, mas o arquivo protocolado no Senado é bem maior, pois inclui cópias de documentos pessoais de Bolsonaro e alguns despachos de Moraes.

Para deputados e senadores de partidos da oposição, Bolsonaro tentou desviar o foco da crise. O presidente destacou na epígrafe do texto enviado a Pacheco, ainda, um trecho do depoimento de Moraes em sua sabatina no Senado, em 21 de fevereiro de 2017, quando o ministro disse reafirmar sua “devoção com as liberdades individuais” – as quais, no entender do presidente, ele desrespeitou. Um desses ataques seria a decisão de Moraes, na semana passada, de mandar para a prisão o presidente nacional do PTB, o ex-deputado Roberto Jefferson.

Aliado de Bolsonaro, Jefferson foi preso por integrar o “núcleo político” de uma rede que age para “desestabilizar as instituições republicanas”, segundo a fundamentação do ministro. Para isto, o deputado utilizaria uma “rede virtual de apoiadores” devotados a espalhar mensagens que pedem a “derrubada da estrutura democrática e o Estado de Direito no Brasil”.

Bolsonaro anunciou que pediria o impeachment de Moraes e também de Barroso por meio de uma sequência de tuítes, no último sábado. “De há muito os ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso (...) extrapolam com atos os limites constitucionais. Na próxima semana, levarei ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, um pedido para que instaure um processo sobre ambos”, escreveu o presidente da República na rede social. Até o momento, porém, o presidente não pediu a destituição de Luís Roberto Barroso, apenas a de Moraes.

No texto, Bolsonaro argumenta que o Judiciário passou a agir como um ator político. Por isso, deveria tolerar ataques similares aos que ele diz sofrer enquanto presidente.

“Ou seguimos as leis ou cada um começa a interpretar de maneira que melhor interessa.” Jair Bolsonaro

PRESIDENTE DA REPÚBLICA

“O estado democrático de direito não tolera que um magistrado seja acusado por suas decisões.”

Supremo Tribunal Federal

EM NOTA

Uma decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), desarticulou um grupo de dez pessoas que preparava um suposto protesto para o dia 7 de setembro, em Brasília, com ameaças de “quebrar tudo”, “invadir o STF” e “forçar” governo e Senado a agir no sentido de destituir todos os ministros da Suprema Corte. Ao todo, 13 mandados de busca e apreensão foram autorizados pelo ministro, inclusive em endereços ligados ao deputado Otoni de Paula (PSC-RJ) e ao cantor Sérgio Reis, ex-parlamentar bolsonarista. A Polícia Federal esteve na Câmara recolhendo documentos.

Os pedidos de busca foram feitos pela subprocuradora Lindora Araújo. Ela argumentou que a articulação do grupo não se resumia à “mera retórica política”. A manifestação poderia “atentar contra a democracia”. Seria, de acordo com a Procuradoria-geral da República (PGR), um “levante” com “atos violentos de protesto”.

“O objetivo dos investigados, conforme se vê da manifestação da PGR, é ‘dar um ultimato no presidente do Senado’, ‘invadir o prédio do STF’, ‘quebrar tudo’ e retirar os magistrados dos respectivos cargos na ‘marra’”, relatou o ministro do Supremo, na decisão.

Moraes também determinou o bloqueio do Pix usado pelo movimento para financiar o protesto e proibiu que o evento aconteça em ruas e monumentos do Distrito Federal. O ministro ainda impediu que os investigados se aproximem da Praça dos Três Poderes “para evitar a prática de infrações penais e preservação da integridade física e psicológica” de autoridades, servidores e do público que transita nas imediações. A medida não vale para o deputado do PSC, em virtude do exercício das atividades parlamentares.

A operação lançou luz sobre a organização de um movimento que pretendia se estabelecer no entorno da Esplanada dos Ministérios e das sedes do Legislativo e do Judiciário. Segundo os organizadores, o grupo tinha financiamento para permanecer pelo menos um mês acampado.

De acordo com a PGR, o movimento começou a tomar forma em 25 de julho, em um evento com cerca de 20 pessoas. Entre elas, os alvos da operação de ontem, como Marcos Antônio Pereira Gomes (Zé Trovão), Alexandre Petersen, Turíbio Torres, Juliano Martins, Bruno Semczeszm, Sérgio Reis e Eduardo Araújo. Também foram alvo da decisão Wellington Macedo de Souza e Antônio Galvan, presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja). Era pelas redes sociais que o movimento se organizava em busca de recursos e de adeptos. O caminhoneiro Zé Trovão, um dos mais populares do grupo, já gravou vídeos pedindo “intervenção militar com Bolsonaro no poder”, o que é inconstitucional.

A PGR classificou Otoni de Paula como integrante do núcleo político do movimento. Na manifestação enviada a Moraes, menciona um tuíte do parlamentar no qual ele cita o ato previsto para o Dia da Independência sugerindo que os manifestantes deveriam “forçar o Senado” a abrir impeachment contra os ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso. Além dos pedidos que culminaram nas buscas, a PGR solicitou ao STF a abertura de inquérito contra os envolvidos.

‘Processo legal’. A defesa de Otoni de Paula afirmou que “o devido processo legal vem sendo ignorado por um ou dois membros” do STF. A Aprosoja disse que “sempre defendeu de forma peremptória o estado democrático de direito”. “A associação não possui qualquer ligação com atos que defendam ‘invadir’ ou ‘quebrar’ o STF, não responde institucionalmente pela organização de nenhum movimento e repudia qualquer publicação que a vincule a movimentos violentos ou ilegais.” As defesas dos outros citados não se manifestaram até a conclusão desta edição.

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2021-08-21T07:00:00.0000000Z

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