O Estado de S. Paulo

Governistas manobram e evitam derrota do voto impresso

Em sessão tumultuada, governistas conseguem impedir votação no último dia antes do recesso parlamentar; tendência era que proposta fosse rejeitada na comissão

Anne Warth Camila Turtelli

Na última sessão antes do recesso parlamentar, deputados governistas manobraram na comissão especial da Câmara e conseguiram adiar a votação da adoção do voto impresso, principal bandeira política do governo de Jair Bolsonaro. A previsão era que a proposta seria rejeitada. O parecer será apreciado em 5 de agosto, na volta dos trabalhos legislativos.

Depois de uma sessão tumultuada, marcada por alegações de falhas tecnológicas no sistema de votação remota e bate-boca entre deputados, a base do governo teve sucesso em sua manobra para evitar a derrota sobre aquele que é, há tempos, a principal luta política do governo Bolsonaro: a adoção do voto impresso. Ao perceber que a proposta seria rejeitada pela maioria na comissão especial da Câmara que analisa o assunto, os governistas agiram como puderam em conseguiram adiar a votação no último dia antes do recesso parlamentar.

Depois de anunciar a decisão, o presidente do colegiado, Paulo Eduardo Martins (PSCPR), afirmou que o parecer será apreciado no dia 5 de agosto, com a volta dos trabalhos no Legislativo federal.

Houve confusão. Após reclamações sobre o funcionamento do sistema de votação, a justificativa oficial para o adiamento foi um pedido do relator, Filipe Barros (PSL-PR), que cobrou mais tempo para fazer alterações em seu parecer. “Foi uma aberração, uma absoluta desonestidade”, disse o deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP). “A comissão foi vítima de um bando”, afirmou o petista, que se referiu a Paulo Eduardo Martins como “picareta”.

A deputada Fernanda Melchiona (PSOL-RS) disse que a sessão foi interrompida sem nenhum amparo legal. Por algumas horas, ela ainda tentou retomar a votação. “Deu um golpe. Vamos ficar aqui na comissão tentando organizar um requerimento de autoconvocação daqui uma hora meia ou duas horas”, disse, ao Estadão/broadcast. Ela, porém, não teve sucesso na tentativa de retomada dos trabalhos da comissão.

A reunião frustrada foi articulada por um conjunto de 18 deputados titulares e um suplente do colegiado, todos resistentes à ideia de mudar o atual sistema da urna eletrônica. O autor do requerimento foi o deputado Hildo Rocha (MDB-MA). A PEC do voto impresso é de autoria da deputada Bia Kicis (PSLDF), aliada de primeira ordem de Bolsonaro.

O tema é, certamente, o mais sensível na agenda do presidente. Na semana passada, Bolsonaro ameaçou a não realização das eleições do ano que vem, caso seu projeto de voto impresso seja rejeitado. “Ou fazemos eleições limpas no Brasil ou não temos eleições”, disse o presidente a apoiadores, durante uma de suas paradas de rotina em frente ao Palácio da Alvorada.

Bolsonaro, que nunca apresentou provas das falhas e fraudes que atribui às urnas eletrônicas, transformou o assunto em um cabo de guerra com o Congresso e, principalmente, com o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso, que também é presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Costuma dizer frequentemente que a disputa de 2018, quando se elegeu, foi fraudada; caso contrário, teria vencido no primeiro turno.

Barroso é um ferrenho defensor do sistema atual de votação sob o argumento de que nunca houve qualquer caso de fraude comprovada na urna eletrônica desde que foi adotada, em 1996.

No mês passado o Estadão/broadcast revelou que havia maioria da comissão para aprovar o retorno do voto impresso (mais informações nesta página). Dias depois, 11 partidos se articularam para impedir o avanço da proposta, com apoio de ministros do STF, que são contra a mudança. A partir dessa mobilização, houve substituição de vários membros e a comissão mudou de lado. O deputado Aécio Neves (PSDB-MG), por exemplo, foi substituído pelo ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (sem partido-rj).

Ontem, enquanto o presidente permanecia internado no Hospital Vila Nova Star, em São Paulo, onde passa por exames e tratamento médico por causa de uma obstrução intestinal, o governo colocou sua tropa de choque em campo para evitar a derrota na comissão especial da Câmara. O líder do governo, deputado Ricardo Barros (PPPR), se mobilizou para orientar a base a votar a favor da retirada de pauta do tema. Seu requerimento foi derrotado. Por isso, o relator, Filipe Barros recorreu a outra manobra e disse que queria fazer “ajustes” no texto. Martins acatou o pedido.

A aprovação no colegiado é o passo mais importante para a proposta, sem a qual a discussão não poderá avançar para os plenários da Câmara e do Senado.

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2021-07-17T07:00:00.0000000Z

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