General tentou convencer o chefe do Exército nomeado por Lula a dar o golpe
Mário Fernandes, indiciado pela PF, procurou no fim de 2022 o oficial Júlio César de Arruda, que assumiria o Comando da Força dias depois; sua proposta foi rechaçada
MARCELO GODOY
O general de brigada Mário Fernandes, ex-comandante de Operações Especiais do Exército e então número 2 da Secretaria-Geral da Presidência, procurou o general de Exército Júlio César de Arruda, em seu gabinete, no Bloco B do QuartelGeneral da Força Terrestre em Brasília, no fim de 2022, para pressionar o amigo a impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e dar um golpe de Estado. O objetivo era garantir a permanência de seu grupo político no poder.
Era dia 28 de dezembro. Arruda chefiava o Departamento de Engenharia e Construção (DEC) do Exército. Fernandes chegou à sala do general acompanhado por dois coronéis da reserva, ambos também oriundos das Forças Especiais (FE), assim como ele e Arruda – que assumiria o comando do Exército no dia 30. O futuro comandante e Fernandes eram amigos. Arruda chamava o colega de farda de “32” ,uma referência ao número do subordinado
Reação Após ouvir demanda de Fernandes, general Arruda expulsou de seu gabinete ele e dois coronéis
no curso de operações especiais. Depois de criticar o então comandante do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes, que não embarcara, dias antes, na ideia de golpe defendida por alguns militares – e que, segundo investigações da Polícia Federal (PF), incluía ainda um plano para matar o então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, seu vice Geraldo Alckmin e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes – Fernandes tratou diretamente do assunto com Arruda: “O senhor vai assumir o comando depois de amanhã. O senhor tem de fazer alguma coisa!”.
Queria barrar a posse de Lula. Arruda expulsou, imediatamente, Fernandes e os dois coronéis de seu gabinete e deu uma ordem: que não voltassem mais ali enquanto ele fosse o comandante.
A presença dos personagens no QG do Exército pode ser verificada pelo localização dos sinais dos telefones celulares dos envolvidos, registrados na Estação Rádio-Base (ERB). O ministro Alexandre de Moraes determinou o afastamento do sigilo e o monitoramento em tempo real de ERB e conexão de dados dos telefones cadastrados em nome de Fernandes e de quatro coronéis. O objetivo é reconstituir os passos dos suspeitos. Duas fontes ouvidas pela reportagem confirmaram a cena.
A tentativa de convencer o futuro comandante do Exército a embarcar no plano golpista e as pressões sobre Freire Gomes revelariam que, mesmo entre os “kids pretos”, como são conhecidos os militares com o curso de forças especiais, o apoio à aventura golpista era limitado. Seria um pequeno grupo – dizem oficiais militares.
Às vésperas de desencadear a ação que pretendia, segundo a PF, matar Moraes, no dia 15 de dezembro de 2022, Fernandes enviou uma carta ao general Freire Gomes e, depois, a compartilhou em grupos de WhatsApp de militares. O texto da chamada “carta maldita” dizia: “Precisamos tomar as rédeas da situação, COMANDANTE! O respaldo popular está aí e se prosseguirmos na atual passividade, corremos o risco de perder tanto o apoio como a histórica confiança de nossa Sociedade!”.
E prosseguia, afirmando: “Com o atual Governo, existem, além do Sr, diversos Oficiais Generais e competentes Civis, todos indiscutivelmente PATRIOTAS, dedicados a um futuro digno para esta Nação. Com LULA, quantos serão? Não seremos mais ouvidos! (...) Nós nos conhecemos, COMANDANTE, não admitiremos o que está por vir... E reagiremos! Então, por que não reagir agora?”, escreveu o general, que concluiu: “É agora ou nunca mais, COMANDANTE, temos que agir! E não existe motivação maior do que a proteção e o futuro desta Grande Nação e de seus filhos… Os nossos filhos!”.
‘INTERVENÇÃO’. De acordo com testemunhas ouvidas pelo Estadão, a ação do Fernandes enfureceu o comandante do Exército. Freire Gomes cogitou
“uma pronta intervenção” para prendê-lo. Depois, desistiu, por temer uma reação do ainda presidente Jair Bolsonaro (PL). Pelo mesmo motivo, Freire Gomes desfez a ordem dada em 29 de dezembro pelo general Gustavo Henrique Dutra de Menezes, então comandante militar do Palácio do Planalto, de desmontar as barracas dos bolsonaristas acampados em frente ao QG da Força em Brasília.
Freire Gomes chegou a chamar Dutra de “maluco”. A resistência do general Dutra ao acampamento ficou registrada na troca de mensagens de 9 de dezembro apreendida pela PF entre Fernandes e o ativista Rodrigo Yassuo Faria Ikezili, que pedia apoio ao general para instalar uma tenda no acampamento
“O senhor vai assumir o comando depois de amanhã. O senhor tem de fazer alguma coisa!” Mário Fernandes General da reserva
em frente ao QG.
OPERAÇÕES ESPECIAIS. Diante da resistência de Dutra e de Freire Gomes ao golpe – além de outros generais do Alto-Comando –, os militares dispostos a uma ruptura tentaram aliciar para a investida o general Carlos Alberto Rodrigues Pimentel, chefe do Comando de Operações Especiais (COpEsp). Pimentel acabaria passando para a reserva em 2023, após ser preterido na promoção para general de divisão.
De acordo com pessoas ouvidas pela reportagem, ele foi traído pelos subordinados, aliciados por Fernandes, que usaram viaturas do COpEsp para executar ações do plano Punhal Verde e Amarelo, que previa as execuções de Lula, Alckmin e Moraes. Mesmo assim, seu comando acabou criticado pelos pares, segundo a lógica de que o comandante é responsável por tudo o que acontece em sua unidade, pelo que sabe e pelo que não sabe.
O grupo de militares do COpEsp que estava sendo investigado pela PF – parte deles da turma de 2000 da Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), a mesma do tenente-coronel Mauro César Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro – teria praticado uma série de crimes a fim de manter a execução do plano: usaram identidades falsas, inseriram dados falsos em bancos de dados, apropriaram-se de viaturas e fundos públicos para fins privados, além de terem constituído uma organização para praticá-los, na qual cada um tinha tarefas determinadas.
Agiam em unidade de desígnios para executar o golpe de Estado e traçaram um plano, como se aprende nas escolas militares. Mas deixaram um rastro de pistas que levou a PF a identificá-los, depois que estiveram muito perto de iniciar a execução do golpe, em 15 de dezembro. Naquela noite, o chefe deu a ordem aos agentes que estavam em campo para abortar a operação.
Para generais ouvidos pelo
Estadão, há duas hipóteses para essa decisão. A primeira é que teria faltado coragem ao grupo para “apertar o gatilho”. A outra é que a operação foi montada como forma de emparedar os superiores. Queriam mostrar que estavam a postos, esperando a ordem para que tudo fosse feito. Mas a ordem não veio, e a ação acabou abortada. Para a PF, a explicação é outra: a sessão do STF terminara antes do esperado.
‘CINCO CARAS’. Mensagens apreendidas pelos investigadores confirmam a contrariedade de Fernandes e colegas com as resistências no Comando do Exército ao golpe e com a indefinição de Bolsonaro. “Cinco caras (generais) não iam interferir tanto assim. (...) Cara, porra, o presidente tem que decidir e assinar.” Em resposta, seu chefe de gabinete, o coronel Reginaldo Vieira de Abreu, chega a sugerir que os golpistas deviam acabar com o Alto Comando do Exército.
A reportagem procurou tanto Freire Gomes quanto Arruda, que foi demitido por Lula em 21 de janeiro de 2023, na esteira dos ataques do dia 8 de janeiro de 2023 às sedes dos três Poderes em Brasília. Os ex-comandantes se dispôs a falar. A reportagem não conseguiu localizar a defesa de Fernandes. Ao depor, em 22 de fevereiro, o militar afirmou que iria usar “o direito constitucional de se manter em silêncio”. •
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2024-11-26T08:00:00.0000000Z
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