Justiça age contra infiltração do PCC em empresas de ônibus
Concessionárias Transwolff e UPBus sofreram intervenção em SP
MARCELO GODOY
Investigação de quatro anos feita pelo Ministério Público de SP, pela Receita Federal e pelo Cade resultou na maior operação contra o crime organizado no poder público municipal no País. Os alvos foram as empresas de ônibus urbanos Transwolff e a UPBus, suspeitas de terem sido criadas com dinheiro do PCC. Quatro pessoas foram presas. Por decisão da Justiça, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) determinou intervenção nas empresas, mas sem paralisação dos serviços. Um alvo dos mandados de busca e apreensão, ontem, foi o contador João Muniz Leite. Ele teria auxiliado na montagem do esquema de lavagem de dinheiro. Leite ficou conhecido como o “contador do Lulinha” por ter trabalhado para Fábio Luis Lula da Silva, filho do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Duas das maiores empresas de ônibus de São Paulo, suspeitas de terem sido criadas com dinheiro do Primeiro Comando da Capital (PCC), foram alvo ontem da Operação Fim da Linha, a maior já feita até agora contra a infiltração do crime organizado no poder público municipal no País. Trata-se do resultado de uma investigação de quatro anos feita pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público de São Paulo, pela Receita Federal e pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Quatro pessoas foram presas. Há indícios de que empresas foram usadas pelo PCC para lavagem de dinheiro. A movimentação investigada na Operação Fim da Linha chega a R$ 732 milhões.
Em 19 fevereiro deste ano, o Estadão revelou documentos oriundos de investigações em vários Estados que apontavam na direção da operação de ontem: mostravam como integrantes do PCC e do Comando Vermelho (CV) estavam se infiltrando na política municipal para se beneficiar de contratos milionários com prefeituras. A partir dali, uma série de reportagens indicou como o crime organizado procura gestões municipais e Câmaras Municipais como intermediárias para controlar contratos do setor de transporte público.
OFENSIVA. Na ação de ontem, os promotores cumpriram 52 mandados de busca e apreensão no Estado, com o auxílio de 340 policiais de cinco batalhões da Tropa de Choque da Polícia Militar. A Justiça decretou a prisão de três acionistas das empresas e de um contador, e determinou medidas cautelares contra outros cinco investigados. Também foi decretado o bloqueio de R$ 684 milhões em bens dos investigados para o ressarcimento das vítimas e em razão de danos coletivos provocados pela atuação das empresas.
Por decisão da Justiça, o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), determinou intervenção nas empresas de ônibus Transwolff e UPBus, alvos da operação. Elas serão geridas por comitês da gestão municipal. Nunes disse que o serviço não será paralisado. “Não haverá nenhuma paralisação no transporte público de São Paulo. Os fornecedores vão receber, e os funcionários, também. Nada muda para os passageiros. O que muda é só a gestão das empresas”, disse o prefeito de São Paulo (mais informações na página ao lado). As duas empresas, juntas, transportam, em média, 16,68 milhões de passageiros por mês em São Paulo.
O Estadão não conseguiu localizar as defesa das empresas Transwolff e UPBus, bem como a dos diretores que tiveram suas prisões decretadas ou foram alvo de medidas cautelares alternativas. Também não conseguiu encontrar as defesas dos que tiveram seus bens bloqueados,
Em relação ao grupo Transwolff foram expedidos dez mandados de buscas contra empresas e dez outros nas casas de diretores das companhias, de contadores e advogados. Um dos suspeitos foi preso em flagrante porque, durante as buscas, forma encontradas armas em seu imóvel.
Entre os diretores de empresas que tiveram a prisão decretada estão o presidente da Transwolff, Luiz Carlos Efigênio Pacheco, o Pandora. Ele foi
detido em casa. Trata-se de um personagem conhecido da polícia e da política paulistana. Atua no setor há quase três décadas, desde o aparecimento dos perueiros clandestinos na capital, em meados dos anos 1990. Ele teria como aliado na empresa Róbson Flares Lopes Pontes, que também teve a prisão decretada. O contador Joelson Santos da Silva também foi alvo de mandado de prisão e foi detido em casa.
Em outra frente, a Receita abriu 21 fiscalizações contra empresários e firmas investigados na Fim da Linha. De acordo com auditores do Fisco, os alvos das fiscalizações têm patrimônio total de R$ 148 milhões e movimentaram, entre os anos de 2020 e 2022, R$ 732 milhões. Os auditores da Receita apontaram que as empresas sob investigação distribuíam dividendos milionários a seus sócios, mesmo quando as companhias registravam prejuízos (mais informações na pág. A8).
CONTADOR. Um outro personagem chamou atenção dos investigadores. O contador João Muniz Leite foi um dos alvos de busca e apreensão, ontem – ele é suspeito de ser um dos personagens centrais na montagem do esquema de lavagem de dinheiro do PCC por meio de uma das empresas de ônibus sob investigação.
Muniz já prestou serviços para Fábio Luis Lula da Silva, o Lulinha, filho do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O contador chegou a ser ouvido como testemunha durante a Operação Lava Jato, no processo do caso do triplex do Guarujá, pelo então juiz Sérgio Moro. A defesa de Lulinha sustenta que o filho do presidente nunca foi atingido pelas apurações que miram Muniz (mais informações nesta página).
MOVIMENTAÇÕES. O objetivo da organização criminosa montada por meio das empresas do setor de transporte público seria a lavagem do dinheiro do tráfico de drogas e de grandes roubos, como o de 770 quilos de ouro, ocorrido em 2021, no Aeroporto de Guarulhos. A análise das movimentações financeiras dos investigados feita pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) levantou ainda a suspeita de sonegações fiscais em compras e vendas de imóveis, daí a inclusão de fiscais da Receita Federal na operação.
Os promotores obtiveram o bloqueio de bens até o limite de R$ 596 milhões para garantir o ressarcimento de prejuízos causados pela organização – valor equivalente ao faturamento da Transwolff em 2021. O sequestro atingiu bens de 28 empresas e 16 pessoas, além de 43 imóveis, uma aeronave, três lanchas e duas motonáuticas, tudo registrado no nome dos investigados.
Elas fariam, de acordo com a operação, parte de um cartel montado pelo crime organizado para se apossar do chamado Grupo Local de Distribuição, do sistema municipal de transportes, onde estão as empresas que atuam nos bairros da capital. Por isso, fiscais do Cade (que investiga cartéis) participaram da operação.
Esse é o caso do lote 4, na zona leste da capital paulista, concedido à mais polêmica das empresas investigadas: a UPBus, controlada por integrantes da cúpula do PCC e seus parentes, segundo investigações. O mesmo aconteceu com os lotes 10 e 11, controlados pela Transwolff, a terceira maior empresa do setor na cidade, com 1.111 veículos rodando pelas ruas.
De acordo com as investigações, a Transwolff só conseguiu participar da licitação feita pela Prefeitura em 2015 em razão do aporte de R$ 54 milhões feito pela MJS participações Ltda., sob a forma de integralização do capital, dinheiro proveniente do tráfico de drogas. Ao colocar o dinheiro na empresa, o PCC, segundo os promotores, além de consolidar sua posição no setor, ainda lavava os recursos do crime.
NA MIRA. Ao todo, sete companhias estão na mira das investigações da polícia e do Ministério Público, conforme revelou o Estadão em fevereiro. Juntas, elas são responsáveis pelo transporte de 27,5% dos passageiros de ônibus da capital e receberam R$ 2 bilhões da Prefeitura só em 2023, sendo que três delas assinaram oito novos contratos e embolsaram R$ 860 milhões em repasses do sistema depois da abertura dos mais recentes inquéritos sobre a ação do PCC no setor. Esse é praticamente o mesmo valor pago pela Prefeitura só para a maior das sete investigadas, a Transwolff, em 2023: R$ 748 milhões.
AQUÁRIO. No caso da Transwolff, ela também foi escolhida pela Secretaria de Transportes para começar o programa do município que pretende substituir a frota de ônibus a diesel da cidade por veículos elétricos para cumprir a meta de redução de emissões de gases de efeito estufa.
Em outubro, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) aprovou financiamento de R$ 2,5 bilhões para o projeto de São Paulo. A empresa também é responsável por outro projeto da Prefeitura, o transporte hidroviário na represa Billings.
O início das operações chegou a ser anunciado, mas a Justiça proibiu, no fim do mês passado, que o prefeito Ricardo Nunes inaugurasse o ônibus aquático, após o Ministério Público do Estado apontar falta de estudos que garantam a segurança ambiental do projeto.
VÍTIMAS. Ao todo, os promotores do Gaeco reuniram 27 casos de vítimas do esquema que denunciaram à Justiça achaques, trapaças e ameaças, e sete ex-diretores expulsos das empresas nos últimos anos.
Segundo eles, seus companheiros impunham condições extremamente desfavoráveis aos antigos cooperados, que continuam na empresa, cobrando taxas extorsivas, apropriando-se dos repasses da Prefeitura aos donos de ônibus e pagando remunerações miseráveis a fim de forçá-los a entregar sua participação na empresa aos diretores, isto é, ao PCC. Para tanto, a facção usaria parentes e laranjas como acionistas. •
Laranjas Investigação mostra que dinheiro passou por ‘laranjas’ e familiares de integrantes do PCC
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