Com receio de traições, Lula vai pedir votos para Dino às vésperas de sabatina
Governo tem ‘planilha’ de indecisos, estimados em cerca de 20 senadores; presidente diz a aliados que telefonará para eles; oposição promete ser mais dura agora do que com Zanin
VERA ROSA
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai pedir votos para o ministro da Justiça, Flávio Dino, indicado por ele para ocupar uma cadeira no Supremo Tribunal Federal (STF). O movimento de bastidores ocorrerá às vésperas da sabatina no Senado, marcada para o próximo dia 13. Embora o Palácio do Planalto avalie que o ministro terá o nome aprovado, Lula não quer dar “sopa para o azar”, como costuma dizer, e tentará atrair os indecisos, um contingente que hoje alcança quase 20 senadores.
Dino enfrenta a resistência de aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), com quem travou ruidosos embates desde a invasão das sedes do Planalto, do Congresso e do Supremo, em 8 de janeiro. A oposição quer revanche e promete ser agora mais dura do que em junho, quando Cristiano Zanin – o primeiro escolhido por Lula para o STF – teve o nome aprovado em sabatina na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado.
A votação é secreta, abrindo caminho para traições. Mesmo assim, pelas contas do governo, Dino receberá no mínimo 50 votos. Para ter a nomeação avalizada, ele precisa do apoio de pelo menos 41 dos 81 senadores.
Lula chegaria ao Brasil na noite de ontem e na quinta participará da Cúpula do Mercosul, no
Rio, após um périplo que incluiu a Conferência das Nações Unidas para Mudanças Climáticas (COP-28), nos Emirados Árabes, e uma passagem pela Alemanha.
A aliados, o presidente disse que vai telefonar para os parlamentares a fim de garantir a aprovação de Dino, que é senador licenciado, com o máximo de votos. Lula foi aconselhado a nomear o sucessor do ministro da Justiça antes da sabatina no Senado, mas até agora não deu sinal de que fará isso.
A sabatina na CCJ poderá ocorrer de forma simultânea à de Paulo Gonet, indicado pelo presidente para comandar a Procuradoria-Geral da República (PGR). O modelo sugerido pelo presidente da CCJ, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), provocou a ira da oposição, para quem esse formato tem o único objetivo de facilitar a aprovação do nome de Dino.
NEGOCIAÇÕES. Um ano depois de ser eleito para o terceiro mandato, Lula ainda precisa negociar a cada votação no Congresso. Embora em tese o governo tenha maioria na Câmara e no Senado, na prática o apoio está quase sempre ligado à cobrança de faturas e há rachas na base de sustentação do Planalto.
Foi com esse diagnóstico que o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), procurou se aproximar cada vez mais da oposição. “Eu não posso fazer o jogo do ‘eu sozinho’”, disse
“Quem teve o terreno invadido fomos nós. Estamos apenas empurrando a cerquinha de volta para o lugar dela” Senador Efraim Filho Líder do União Brasil
Wagner ao Estadão, após votar, no último dia 22, a favor da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita poderes do STF.
Wagner provocou a revolta de ministros do Supremo, como Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes. Na véspera, os dois haviam sido informados pelo líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (sem partidoAP), de que a PEC seria derrotada. Não foi o que aconteceu.
Irritado, Gilmar não apenas telefonou para Wagner, cobrando uma contrapartida do governo a tudo o que a Corte fez para defender a democracia, como reclamou com o próprio Lula, em jantar no Palácio da Alvorada.
Ministros do Supremo se movimentam agora para que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), segure a votação da PEC na Casa. No seu lugar, defendem a votação de um projeto de lei bem mais ameno, que contou com a colaboração de uma comissão de juristas, em 2020, presidida pelo próprio Gilmar. Ao Estadão, um magistrado disse, sob reserva, que tem feito articulações no Congresso porque a interlocução política do governo “para ser ruim, precisa melhorar muito”.
O líder do União Brasil no Senado, Efraim Filho (PB), afirmou que nem ele nem os colegas vão se intimidar com a reação do Supremo. “Quem teve o terreno invadido fomos nós”, argumentou Efraim, numa referência ao chamado “ativismo judicial” do tribunal. “Estamos apenas empurrando a cerquinha de volta para o lugar dela.”
O episódio ganhou contornos de crise institucional e, para não agravar ainda mais o problema, Lula decidiu indicar Dino ao Supremo e Gonet à PGR. Os nomes eram defendidos há tempos por Gilmar e Moraes. O presidente sempre quis nomear alguém com experiência política para o STF, sob o argumento de que a Corte precisava de um ministro com esse perfil.
‘RECADO’. A indicação demorou, porém, porque Lula ficou com receio de Dino ser rejeitado, principalmente após o veto do Senado a Igor Roque para a Defensoria Pública da União (DPU), interpretado como um “recado político” dos conservadores ao governo. Além disso, o petista tinha dúvidas sobre a conveniência de mexer agora no Ministério da Justiça, uma área sensível por abrigar também a segurança pública.
Pressionado, Lula decidiu indicar Dino após ter a garantia de Alcolumbre de que o nome dele será aprovado. Candidato à sucessão de Rodrigo Pacheco (PSD-MG) ao comando do Senado, Alcolumbre criou problemas para o Planalto quando segurou votações na CCJ, mas destravou tudo, recentemente, após obter acenos de possível apoio à sua eleição, em 2025. Pacheco, por sua vez, está cada vez mais confiante no aval de Lula à sua campanha ao governo de Minas, em 2026.
No domingo passado, antes da viagem do presidente para o Oriente Médio, Pacheco – que integrou a comitiva – e Alcolumbre ligaram para ele, que estava no Alvorada. Na conversa, avisaram que, se não indicasse Dino e Gonet no dia seguinte, não haveria tempo hábil para que os nomes passassem pelo crivo do Senado ainda neste ano. Lula planejava anunciar suas escolhas somente depois da viagem, mas se rendeu ao calendário ali apresentado.
A pressão sobre o governo ocorre sem cerimônia no Congresso e vem aumentando neste terceiro mandato do petista. Na Câmara, o toma lá, dá cá é cada vez mais explícito. Além de criar todo tipo de manobra para aumentar o valor das emendas parlamentares e liberar verbas destinadas a seus redutos em 2024, ano de eleições municipais, o Centrão também reivindica mais cargos. •
POLÍTICA
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2023-12-06T08:00:00.0000000Z
2023-12-06T08:00:00.0000000Z
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