Trump e o nocaute identitário
Carlos Alberto Di Franco JORNALISTA E-MAIL: DIFRANCO@ISE.ORG.BR
Odiscurso de Donald Trump na cerimônia de posse despertou algumas reações fortemente emocionais e carregadas de frustração ideológica. Os qualificativos rolaram com a força das tempestades tropicais: fascista, supremacista, antidemocrático, etc. Mas Trump obteve uma grande vitória. É preciso respeitar o fato de que os eleitores dos EUA elegeram Donald Trump. A imprensa não pode brigar com esse fato. Seu discurso, para o bem ou para o mal, representa o sentimento profundo da sociedade norte-americana. Houve, por óbvio, retórica de impacto e uma certa dose de teatralidade. Mas, a meu ver, reflete o cansaço com a agenda identitária, a fadiga de material de uma ideologia que, lá como cá, em nome da democracia, impõe a interdição de um debate aberto e civilizado. A cultura do cancelamento e as recorrentes tentativas de coibir a liberdade de expressão foram fortemente questionadas.
É preciso aguardar para fazer uma avaliação equilibrada do segundo mandato de Donald Trump. Suas consequências na economia e na geopolítica mundial. A diplomacia brasileira, apoiada na sua tradicional competência, precisa trilhar um caminho prudente e pragmático.
Mas não é disso que quero tratar nesta coluna. Desejo aprofundar no impacto cultural de uma América reformatada. O que está claro é que o mundo está dando uma guinada liberal e conservadora. E é disso que quero conversar com você, amigo leitor.
O conservadorismo, frequentemente maltratado e incompreendido, é um fenômeno em ascensão. E não pode ser jogado na catacumba das nossas coberturas ou tratado de modo caricato. Merece uma análise serena. É o que tentarei fazer neste espaço opinativo, saudavelmente aberto e plural.
Impõe-se analisar o fato. O conservadorismo está presente num contingente expressivo da sociedade brasileira, inclusive entre os jovens. É preciso admitir a realidade e entender a razão dos outros, mesmo quando não coincida com a nossa.
A imensa maioria da população brasileira não se alinha com a história, a ideologia, as práticas e a agenda identitária. Trata-se de um fato. Boa parte dos brasileiros descobriu e se identificou com valores, pensamentos e práticas que podem ser chamados de conservadores. O advento das redes sociais, rompendo a hegemonia da agenda pública e cultural, gerou o fenômeno da desintermediação disruptiva. Novos personagens ocuparam o espaço das discussões e das reflexões, disseminando essa perspectiva que se ancora em valores tradicionais e enaltece a vida, o indivíduo e a liberdade responsável.
Na tentativa de desqualificar os anseios e aspirações conservadores e liberais, partidários da agenda identitária rotulam de bolsonaristas todos os que não se alinhem com seu campo, tentando reduzir a ascensão dos conservadores a um personagem controverso e conflitivo. O fenômeno do conservadorismo é maior, ultrapassa e independe de Jair Bolsonaro.
Além disso, também se esforçam para que o conservadorismo não seja devidamente difundido e conhecido em suas propostas basilares, pois percebem que a ocupação do espaço político por uma cultura conservadora é o maior e mais poderoso obstáculo às suas pretensões hegemônicas. No entanto, o conservadorismo não apenas tem o direito de existir, como tem se mostrado muito representativo de boa parcela da sociedade brasileira.
O mundo experimenta esta tendência. Até pouco tempo atrás, a leitura e a repercussão dos acontecimentos estavam sempre, ou quase sempre, moduladas e filtradas por um olhar iluminista e marxista. No entanto, as pessoas estão descobrindo a força e o brilho da liberdade.
A reação dos caudilhos do espaço cultural, agressiva e desproporcionada, indica que se tocou em um ponto sensível. A percepção da mudança do pêndulo da História, cada vez mais clara e patente, gerou a estratégia clássica da desqualificação da opinião alheia, dos cancelamentos e da demonização de quem se atreve a pensar fora dos limites impostos pelo totalitarismo ideológico.
O pensamento conservador e liberal – profundo, sério e bem fundamentado – assusta e desestabiliza os detentores de uma hegemonia que começa a experimentar o sabor do ocaso. O conservadorismo busca a primazia da vida, do indivíduo, da liberdade de expressão, da igualdade de condições perante leis e direitos, de uma educação sem doutrinação, da limitação da ingerência abusiva do Estado e da defesa da família.
Vivemos tempos surpreendentes. A pandemia sacudiu o mundo. Rompeu esquemas, derrubou projetos, ceifou vidas, apagou sonhos. Pobres e ricos, governantes democráticos e ditatoriais, poderosos e desvalidos – todos – foram algemados pela impotência. O globalismo foi sacudido. Imagens de praças, ruas e avenidas fantasmas e de um mundo vestido de vazio reforçaram a percepção da fragilidade. A Terra ficou de joelhos diante do imponderável. Prenunciouse o resgate do transcendente, dos valores e o ocaso da arrogância racionalista. É neste caldo de cultura, imerso em uma profunda nostalgia de valores e de liberdade, que o conservadorismo aflorou com vigor.
O jornalismo não pode ficar de costas para o fenômeno conservador. Caso contrário, corre o risco de perder relevância ao não falar adequadamente de temas e assuntos de interesse dos leitores. •
Discurso do presidente norte-americano reflete fadiga de uma ideologia que, lá como cá, em nome da democracia, impõe a interdição do debate aberto e civilizado
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2025-02-03T08:00:00.0000000Z
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