Estudo mostra as funções indesejadas pelos brasileiros
A pedido do ‘Estadão’, economista elabora lista com profissões menos desejadas com base nas contratações nos últimos 5 anos; motorista de ônibus é a mais desprezada
MÁRCIA DE CHIARA
Após 15 anos dirigindo ônibus na linha Jardim Itápolis – Estação Bresser, na zona leste da capital paulista, Rosimar Pereira, de 51 anos, decidiu virar motorista de aplicativo. Além do ganho adicional de 20% em relação ao que recebia no transporte público, ele foi atraído pela flexibilidade na jornada e pelo menor desgaste emocional no trabalho.
No ônibus, quando estava escalado para o turno da manhã, tinha de sair de casa às 2h30 da madrugada para pegar o carro na garagem. Nos horários de pico, mais de cem pessoas entravam no ônibus com capacidade para 60. “Os passageiros reclamavam e até me xingavam”, conta o profissional. “O ônibus é muito pesado.”
Pereira não está sozinho ao trocar de ocupação. Nos últimos cinco anos, entre julho de 2019 e julho deste ano, houve mais desligamentos que admissões de motoristas de ônibus urbano. O saldo de trabalhadores ocupados na função nesse período ficou negativo em mais de 20 mil vagas e o estoque total de motoristas de ônibus urbano encolheu 7,5%.
A profissão de motorista de ônibus urbano liderou o ranking das ocupações, com carteira assinada, indesejadas nos últimos cinco anos, aponta
estudo feito a pedido do Estadão, pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).
O que boa parte das profissões indesejadas tem em comum é salário baixo (apesar dos aumentos registrados nos últimos anos), pouca qualificação (exceto o professor) e uso
limitado de tecnologia no desempenho das funções.
Para identificar as ocupações “desprezadas” pelos brasileiros, o economista da CNC Fabio
Bentes, autor do estudo, passou um pente-fino nas 2.612 ocupações que constam no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).
Com base nas 231 profissões que respondem por 80% dos empregos formais, o economista identificou um grupo de 29 ocupações que são indesejadas pelos brasileiros, ou seja, um pouco mais de 10%. Essas profissões apresentam um aumento nominal no salário de admissão superior à média do mercado de trabalho formal no período (22,6%). Mesmo assim, o saldo de admissões foi negativo. Ou seja: houve mais desligamentos que contratações.
“É como se o sujeito estivesse se recusando a trabalhar ou não tivesse interesse de ocupar a vaga, mesmo diante de um aumento significativo do salário médio de admissão”, diz Bentes. O economista explica que esse foi o critério usado pelo estudo para chegar à lista das profissões “indesejadas”. •
“Os passageiros reclamavam e até me xingavam. O ônibus é muito pesado”
Rosimar Pereira, motorista, que trocou vaga em empresa de ônibus por aplicativo de viagens
Um dos pontos cruciais que afastam, especialmente os jovens, das profissões consideradas no estudo da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) como indesejadas pelos trabalhadores é o baixo emprego de tecnologia, observa o economista Fabio Bentes, autor do levantamento.
Um exemplo está no ofício de costureira. Apesar de usar máquinas, a tecnologia embarcada nos equipamentos é baixa em geral quando comparada a outras ocupações.
A função de costureira aparece duas vezes no ranking das profissões indesejadas, tanto na categoria de profissionais que trabalham com máquinas de confecção em série como em máquinas de acabamento (overlock). Nos últimos cinco anos, o saldo de postos de trabalho para costureiras nessas duas funções foi negativo em 18,3 mil, número próximo ao dos motoristas de ônibus urbano (-20,2 mil), apesar dos ganhos salariais superiores a 30% no período, aponta o estudo da CNC.
No Grupo Betilha, confecção de roupa feminina, que fabrica itens de vestuário de marca própria para Renner, C&A, Grupo Soma e Marisa, uma estratégia foi investir mais de R$ 1 milhão em máquinas de costura importadas da China, com telas touch screen. Segundo Luciano Felix, diretor da empresa, localizada no bairro paulistano do Brás, o objetivo é ter máquinas modernas também para atrair os trabalhadores mais jovens. “Mas não temos tido êxito”, diz o diretor da empresa.
Há mais de seis meses a empresa está com 40 vagas de costureira à espera de candidatas. Nas suas contas, a falta de mão de obra corresponde a cerca de 70 máquinas de costura paradas, que poderiam ampliar entre 20% e 30% a produção.
Felix diz que pela primeira vez, em 42 anos de operação, a confecção não vai conseguir admitir as 40 costureiras que pretendia para a produção de fim de ano. Normalmente, esses trabalhadores temporários acabam se tornando fixos, como ocorreu na virada de 2023 para 2024.
A confecção tem hoje 250 funcionários, a maioria mulheres acima de 40 anos. Para atrair mão de obra, o empresário tem oferecido piso salarial para 44 horas semanais de R$ 2.050, acima da concorrência, além de R$ 300 em benefícios. “Dou R$ 100 a título de assiduidade para quem não falta nem chega atrasado”, diz. Por ora, a saída tem sido contratar estrangeiros. “Os brasileiros são raros”, afirma Felix.
PRÉ-PANDEMIA. Bentes diz que parte das profissões que constam na lista de ocupações indesejadas pelos trabalhadores remete a uma demanda de serviços por parte das empresas ao período prépandemia. “É como se tivesse surgido uma nova economia depois da pandemia e, em muitas dessas profissões, houve queda da empregabilidade por conta de avanços de tecnologia, principalmente”, afirma o economista.
Outras profissões que aparecem nesse ranking, como telefonista, escrevente, técnico de secretariado, por exemplo, além da remuneração baixa, já estavam condenadas à extinção por obsolescência antes mesmo da crise sanitária, acrescenta o economista. •
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2024-11-03T07:00:00.0000000Z
2024-11-03T07:00:00.0000000Z
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