A chave para entender por que a doença atinge mais mulheres
Aquelas com declínio cognitivo têm no sangue níveis mais baixos de 2 moléculas
LEON FERRARI
Pesquisadores brasileiros e americanos descobriram que mulheres com declínio cognitivo, desde casos mais leves até aqueles em que a pessoa recebe um diagnóstico de demência causada por doenças como Alzheimer e demência de corpos de Lewy, apresentam no sangue níveis mais baixos de duas moléculas: a acetil-L-carnitina e, especialmente, a carnitina livre, em comparação com pacientes saudáveis.
Além disso, também observaram que, entre aquelas com o problema, quão mais grave ele fosse, mais baixos eram os níveis das duas moléculas no sangue. Para a pesquisa, eles analisaram amostras de liquor (um líquido transparente que envolve o cérebro e a medula espinhal, e é coletado por meio de punção lombar) e sangue de 125 pacientes, coletadas no Brasil e nos Estados Unidos.
O estudo, com apoio do Instituto Serrapilheira e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), envolveu cientistas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR), da Universidade de Nova York, da Universidade Duke e da Universidade da Califórnia em Irvine, e foi publicado na revista científica Molecular Psychiatry, do prestigioso grupo de publicações Nature.
Ao propor um novo alvo terapêutico, a descoberta pode abrir caminhos para o desenvolvimento de novos tratamentos e também aperfeiçoar técnicas de diagnóstico menos invasivas. Isso porque os cientistas também encontraram uma forte correlação entre a carnitina e os marcadores liquoricos de beta-amiloide e tau (hoje os indicadores-chave da doença de Alzheimer).
Como a mesma relação não foi observada entre homens, que, segundo os cientistas, parecem naturalmente ter níveis mais baixos de carnitina, ela também dá uma pista para entender por que mulheres enfrentam um risco maior de desenvolver Alzheimer – a incidência é duas vezes maior no sexo feminino do que no masculino.
“Foi surpreendente”, fala Mychael Lourenço, professor do Instituto de Bioquímica Médica da UFRJ, cientista apoiado pelo Serrapilheira e um dos líderes do estudo. “Nossa hipótese era de que ela ( a carnitina) estaria reduzida no sangue de todo o mundo, inclusive de homens. Mas não foi o que observamos.”
PROTEÇÃO AO CÉREBRO. A hipótese dos pesquisadores, diz Lourenço, é de que a carnitina protege o cérebro. “Quando ela cai, a pessoa fica mais vulnerável. E, por alguma razão, ela decai mais em mulheres.”
A pesquisa foi inspirada em estudos anteriores feitos em camundongos. Em um deles, por exemplo, os cientistas observaram melhorias na função cognitiva dos roedores depois da administração de acetil-L-carnitina.
“Nossos achados são robustos, mas é um estudo inicial. Não dá para dizer ainda que essa redução é causal. Então, não dá para supor ou inferir quetomar comprimidos ou suplemento de carnitina vai melhoraram e mória ”, alerta. Também nãoé para aumentar o consumo de carne (uma das fontes alimentares da substância) indiscriminada
mente, pensando que seja uma solução. Até porque o consumo exagerado desse alimento está ligado a problemas de saúde, como doenças cardíacas, diabete do tipo 2 e até câncer.
Atualmente, a prevenção da demência neurodegenerativa é principalmente baseada em 14 fatores de risco modificáveis. De acordo com relatório de um comitê da respeitada revista científica The Lancet, lançado no ano passado, 45% dos casos da doença no mundo poderiam ser evitados se esses fatores fossem mudados.
A geriatra Claudia Kimie Suemoto, professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), não envolvida no trabalho, ressalta que se trata de um estudo de “excelente qualidade”, conduzido por grupos de pesquisadores experientes. Segundo ela, os resultados são importantes para ajudar a entender e a projetar pesquisas futuras sobre a diferença de risco de Alzheimer entre homens e mulheres.
Além disso, a correlação da carnitina com os marcadores tradicionais dá ainda mais força para a hipótese de que a carnitina tem um papel-chave na origem do Alzheimer.
A professora destaca, porém, que o estudo tem limitações. Ela gostaria de que esses achados, agora, fossem replicados em amostras maiores e mais diversas.
O QUE É CARNITINA E POR QUE É IMPORTANTE? Segundo Lourenço, a carnitina foi identificada pela primeira vez no século 20 e descrita como uma molécula derivada de carne bovina estragada. “De fato, de 95% a 97% da carnitina que temos no corpo vem da nossa alimentação, principalmente de carne animal”, conta.
A carnitina é uma molécula muito importante para nossas células, especialmente para aquelas dos músculos e do fígado, e para a queima de gordura, conforme explica o professor da UFRJ.
Quando nos alimentamos, usamos açúcar como nossa fonte principal de energia. No entanto, quando não conseguimos comer, precisamos usar a gordura armazenada em diferentes níveis e partes do corpo como fonte energética.
Para isso, entra em cena a carnitina, que ajuda a gordura a chegar dentro das mitocôndrias, onde vai ser utilizada como fonte energética, explica Lourenço.
“Eu brinco que é como se a carnitina, dentro da célula, fosse uma espécie de ‘promoter’. Imagina quando você vai numa festa, tem uma fila gran
Maior risco Incidência da doença de Alzheimer é duas vezes maior no sexo feminino do que no masculino, observam cientistas
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2025-02-05T08:00:00.0000000Z
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