O Estado de S. Paulo

‘O Sequestro do Voo 375’ faz retrato do Brasil de 1988

Filme, que será exibido na Mostra Internacional de São Paulo, recupera história real do desempregado armado que queria derrubar avião no Palácio do Planalto

LUIZ CARLOS MERTEN

Emsetembro de 1988, o voo 375 da Vasp, que partira de Rondônia e acabara de fazer uma escala em Belo Horizonte, antes de seguir para o Rio, foi sequestrado. O diretor Marcus Baldini tinha então 14 anos. “Não lembro de ter acompanhado pela TV a cobertura do caso, mas me lembro bem do Brasil da época.” E é esse retrato que ele quis pintar em O Sequestro do Voo 375, que será exibido na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo – de quebra, ingressando o cinema brasileiro com estilo na era dos disaster movies.

Raimundo Nonato Alves da Conceição sequestrou o avião da Vasp. Armado, exigiu que o piloto Fernando Murilo de Lima e Silva desviasse da rota e voasse para Brasília. Seu plano: lançar o Boeing contra o Palácio do Planalto.

Em 1970, George Seaton iniciou a série Aeroporto. Mais recentemente, Robert Zemeckis fez Decisão de Risco/The Flight . O Sequestro do Voo 375, que tem previsão de estreia para 7 de dezembro, percorre esse caminho. Baldini viu todos aqueles mamutes de Hollywood. Queria entender os códigos narrativos, as convenções, para recriá-los.

A produtora Joana Henning, do Estúdio Escarlate, conta as dificuldades envolvidas na produção: “Filmamos nos estúdios da Vera Cruz, com aviões de verdade”. Ela percorreu o Brasil procurando carcaças de aviões. Conseguiu comprar – em consignação – três aviões e montar dois. “Descobri locais que vendiam talheres de bordo, até o papel higiênico com o timbre da Vasp.”

Houve grande cuidado com os detalhes, e não apenas isso. A Aeronáutica brasileira contribuiu para garantir a autenticidade dos termos e protocolos. “Foram solidários, não censores”, resume Joana. Diversas traquitanas tiveram de ser montadas para criar algumas das cenas mais impressionantes do filme. O giro do avião, e a inversão com os passageiros de cabeça para baixo, que Zemeckis já utilizou em The Flight. O avião em queda livre, na vertical. Tudo isso exige técnica, e dinheiro. “Precisamos repensar a questão do orçamento se quisermos ser competitivos no mercado internacional”, diz Joana.

DRAMATURGIA. O filme cria duas personagens femininas fortes – a chefe de cabine e a controladora de voo. Na realidade, era um controlador, um homem, que Joana transformou em mulher. “Não é possível fazer um filme grande assim sem atentar a questões de gênero, que são decisivas hoje”, explica.

Baldini reconhece que houve preocupação, não apenas com o funcionamento da aeronave e a dinâmica do voo, mas também com a construção dramatúrgica do quadro político. O Brasil pré-Constituinte. Os resquícios da ditadura. O militar que controla o tráfego aéreo, invocando a pátria, quer a autorização do presidente (José Sarney) para derrubar o avião. O que são 100 civis indefesos ante a segurança nacional? Os (policiais) federais parecem mais humanos, mas são atrapalhados demais para ser heróis. Sobram o piloto, Murilo, interpretado por Danilo Grangheia, e as mulheres, a aeromoça e a negociadora.

Murilo, ligado ao sindicato da categoria, sente-se injustiçado pela companhia. Ele entende o desespero de Nonato/Jorge Paz, mas seu compromisso é com a tripulação e os passageiros. Como herói que foi – morreu em 2020 –, Murilo fará tudo para que o voo chegue a bom termo. Atores e atrizes servem aos personagens, à dramaturgia. •

Investimento

Produção comprou 3 aviões e buscou soluções para criar cenas como a da aeronave em queda livre

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2023-10-18T07:00:00.0000000Z

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