O Estado de S. Paulo

‘Visitando Mr. Green’ ganha nova montagem

Comédia ‘Visitando o Sr. Green’ ganha nova montagem

DIRCEU ALVES JR.

O ator Elias Andreato, de 69 anos, mora sozinho há mais de três décadas. Ele mesmo faxina o apartamento, cozinha a sua comida e, às vezes, atravessa semanas sem receber uma visita. No meio da sala, repassa em voz alta os textos das peças e, no escritório, inventa, inventa sem parar projetos que alimentam a sua criatividade. “Tudo na vida é escolha, e minha solidão tem mais prazer que sofrimento”, afirma. “Não quero ninguém transformando a minha rotina até porque eu convivo com muita gente, o teatro me leva para a rua e vivo em constante movimento.”

O cotidiano de Andreato pode ser associado ao do seu novo personagem, um dos protagonistas da comédia dramática Visitando o Sr. Green, que estreia neste sábado, 18, no Teatro Renaissance. Na peça do norteamericano Jeff Baron, dirigida por Guilherme Piva, o ator é um velho judeu ortodoxo que se envolve em um acidente de trânsito causado pelo jovem executivo Ross (Johnny Massaro). Sentenciado pela Justiça, o rapaz realiza visitas semanais à vítima, tem sua tolerância desafiada e, aos poucos, os dois percebem a possibilidade de compartilhar um afeto perdido em suas relações familiares. “O texto tem essa natureza de tocar em questões humanas essenciais, como religião, sexualidade, solidão e diferenças geracionais, de uma forma simpática e inteligente”, afirma Massaro.

Nos meses de ensaios, Massaro confessa que brincava com a faceta Sr. Green verificada no colega. Retraído, Andreato se mostrava resistente a baixar a guarda diante da possibilidade de uma nova amizade. “Aceita um pouco de afeto, vai...”, disse o jovem ao perceber a timidez de Andreato. O veterano reconhece que o puxão de orelhas pode ser merecido, mas defende-se sob a alegação de que, nos últimos anos, a ranzinzice deixou de ser um defeito geracional e atinge boa parte da população. “Depois da pandemia, as pessoas vivem ansiosas, na defensiva.” Assim que leu a peça, Massaro se encantou com a dramaturgia que, de 1995, permanece atual e provocativa. A parceria com Andreato, entretanto, foi decisiva para o projeto ganhar a sua adesão. “Eu vi o Elias uma única vez, no monólogo Doi d o , em 2010, e saí muito impactado com a sua presença”, conta. Para ele, é uma rara oportunidade de conviver com um artista forjado nos palcos. “Na agitação da vida e dos outros trabalhos no audiovisual, não temos a chance de estudar e nos aprofundar no nosso ofício.”

DI F E RENÇA. Visitando o Sr. Green tem um significado especial na história profissional de Andreato. Foi ele quem dirigiu a primeira montagem brasileira da peça, em 2000, protagonizada por Paulo Autran e Cassio Scapin. “Eu nunca pensei em fazer esse papel, achei inusitado receber o convite dos produtores e, na hora, pensei: ‘Nossa, vou ter de mudar toda a minha vida, ensaiar no Rio, ficar longe de casa’”, confessa. “Ao mesmo tempo, eu me enxergo como o Sr. Green porque tenho esse lado chato, impaciente, sem perder o humor, e acho que estou fechando um ciclo.”

O ator descarta, porém, qualquer comparação com a performance de Paulo Autran, que, segundo ele, era um intérprete avesso à emoção e muito mais técnico, contrário ao drama. “Esqueci completamente da composição do Paulo para criar. O Paulo explorava o humor nos conflitos do jovem, o que eu jamais faria porque seria descabido nos dias atuais.”

Nestes 25 anos que separam as duas encenações, Andreato enxerga que o mundo se agravou, e a intolerância crescente chegou a minimizar as conquistas, principalmente no terreno da homossexualidade, que é abordado por intermédio do personagem Ross. “Em 2000, tudo era velado, até porque Paulo fugia de polêmicas e Cassio era o ídolo infantil do programa Castelo Rá-TimBum, mas, agora, mesmo com discussões escancaradas, a peça deve parecer incômoda para algumas bolhas. O velho, por exemplo, sofre uma série de discriminações e não se dá conta de que ele é preconceituoso em relação ao rapaz.”

Massaro, que vem de trabalhos que abordam a homossexualidade, como o filme Os Primeiros Soldados e a série Máscaras de Oxigênio (não) Cairão Automaticamente, acredita que Visitando o Sr. Green deve funcionar como uma espécie de “luz nas trevas” para plateias heterogêneas. “Gosto de, por meio dos personagens, fortalecer a ideia de que as pessoas podem viver a sexualidade de diferentes maneiras”, diz. “Há 25 anos, era impensável um ator assumidamente gay como galã de novela ou uma Erika Hilton na Câmara de Deputados, então, mesmo entre retrocessos, há uma evolução.”

Visitando o Sr. Green

Teatro Renaissance.

Al. Santos, 2.233. Sábado, 21h; domingo, 19h30. R$ 150. Até 20/4

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2025-01-17T08:00:00.0000000Z

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