O Estado de S. Paulo

Pessoas estão expostas a 50 dias a mais de calor perigoso à saúde

Mortalidade relacionada ao calor entre pessoas com mais de 65 anos atingiu novo recorde em 2023

LEON FERRARI

No ano passado, as pessoas foram expostas, em média, a 50 dias a mais de “calor perigoso à saúde” do que seria esperado sem as mudanças climáticas, de acordo com o 8.º relatório anual de indicadores do Lancet Countdown on Health and Climate Change, lançado na noite de anteontem.

A referência considera os dias nos quais a temperatura ultrapassou um “limite ideal” e, com isso, há aumento no risco de eventos adversos em saúde e mortes. O documento revela ainda que a mortalidade relacionada ao calor entre pessoas com mais de 65 anos atingiu novo recorde.

Financiado pela Wellcome Trust, instituição filantrópica britânica, e desenvolvido em estreita colaboração com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o relatório ganha uma edição a cada ano desde que o Acordo de Paris de 2015 foi firmado – um compromisso global para evitar o aquecimento de 1,5°C em relação aos níveis pré-industriais até 2100.

De acordo com os pesquisadores, esta edição “revela os achados mais preocupantes até agora nos oito anos de monitoramento da colaboração”. “As políticas e ações atuais, se mantidas, colocam o mundo em um caminho para um aquecimento de 2,7°C até 2100. Portanto, os impactos vistos até agora podem ser apenas o começo de um futuro cada vez mais perigoso”, diz.

Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS, disse que a análise mostra que “as mudanças climáticas não são perigo distante, mas risco imediato à saúde”. “Nenhum indivíduo ou economia no planeta está imune às ameaças à saúde provenientes das mudanças climáticas”, disse Marina Romanello, diretora executiva da Lancet Countdown, da University College London.

“Apesar dessa ameaça, vemos que os recursos financeiros continuam sendo investidos em coisas que prejudicam nossa saúde”, afirma ela. Os pesquisadores defendem que os trilhões de dólares que são direcionados à indústria de combustíveis fósseis todos os anos sejam usados para “promover uma transição justa e equitativa para a energia limpa e eficiência energética”.

“Pessoas em todas as partes do mundo estão sofrendo cada vez mais com os efeitos financeiros e de saúde das mudanças climáticas, e as comunidades desfavorecidas em nações com recursos limitados são muitas vezes as mais afetadas, mas recebem as menores proteções financeiras e tecnológicas”, frisou Wenjia Cai, copresidente do grupo de trabalho 4 do Lancet Countdown, da Universidade de Tsinghua.

DETALHAMENTO. Em 2023, a temperatura média global da superfície ultrapassou todos os recordes, alcançando 1,45 °C acima dos níveis pré-industriais, diz o relatório. E novos recordes foram registrados ao longo de 2024: entre maio de 2023 e abril deste ano, a temperatura ficou em 1,61 °C.

Com isso, o relatório aponta que a mortalidade por calor de pessoas com 65 anos ou mais aumentou 167%, um recorde em comparação com o registrado na década de 1990. O índice é mais do que o dobro do que a taxa esperada de 65% se as temperaturas não estivessem subido desse jeito. Por ora, no mundo, morre-se mais no frio do que no calor. No entanto, os pesquisadores acreditam que isso vai mudar.

Além dos idosos, outro grupo particularmente suscetível aos prejuízos de temperaturas extremas é o de bebês com menos de 1 ano. O relatório também calcula quantos dias por ano, em média, essa parcela mais vulnerável foi exposta a ondas de calor. Em 2023, elas experimentaram uma média recorde de 13,8 dias de ondas de calor por pessoa. Se a incidência tivesse permanecido constante desde o período 1986-2005, o esperado seria média de 4,7 dias, ou seja, 45% menos.

Especificamente no Brasil, no período de 2014 a 2023, os bebês com menos de 1 ano e pessoas com 65 anos ou mais experimentaram, em média, um aumento de 250% e 234%, respectivamente, no número de dias de ondas de calor por ano, em comparação com o período de 1986 a 2005.

ADAPTAÇÃO. O cenário pede ações de mitigação e adaptação. As primeiras têm a ver com a redução da emissão de gases de efeito estufa, a fim de descontinuar a tendência de elevação das temperaturas acima dos 1,5°C pré-industriais. Já as demais consideram alterações irreversíveis que já ocorreram e, por isso, é preciso investir em medidas que ajudem as cidades a evitar perdas humanas e a interrupção de serviços básicos para a população.

“É importante ressaltar que os indicadores que capturam resultados de saúde sugerem que a adaptação não está acompanhando os crescentes perigos. À medida que os riscos climáticos aumentam, os países precisarão dedicar cada vez mais esforços e recursos para evitar os piores impactos à saúde”, diz o relatório. •

Longe de 1,5°C

Lancet Countdown aponta avanço de 2,7°C até 2100, bem acima do limite do Acordo de Paris

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2024-10-31T07:00:00.0000000Z

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