Rock bom, comida ruim
Lusa Silvestre
Eu tenho uma tese: quanto melhor for a culinária de um país, pior o seu rock-and-roll. Tenho certeza de que você, leitor ou leitora, esperava mais de mim – mas é o que temos.
Pra começar a argumentação, vamos destrinchar os Estados Unidos. Sem dúvida, um país impressionante, riquíssimo, vetor da cultura mundial. Dos States vieram o jazz, o blues, o rock. Vamos ficar só no rock, senão é covardia. Metallica, Red Hot, Nirvana, Ramones – uma lista enorme. Agora, a comida é pobre: donuts, fastfood, feijão em lata, coxas de peru suadas em óleo Lubrax – e por aí vai. O hot-dog e o burguer, apesar de deliciosos, são altamente engordativos, colesteroicos e aziáticos – queimam as entranhas feito incêndio em Malibu. Nada saudável.
Na Inglaterra, mesma coisa. Um país que trouxe ao mundo Beatles, Stones, Led e Queen merecia comida melhor. Lá, é fish and chips ou chicken marsala. O rosbife eu respeito – por causa do nosso bauru. A Escócia inventou o Franz Ferdinand e me serviram orelhas de coelho torradas em Edimburgo. Nem se fossem as do Pernalonga. Austrália também não escapa: nos deu AC/DC – e também aquela cebola nuclear do Outback. Irlanda tem o U2, e a culinária deles é basicamente cozido de batata.
O oposto também funciona. Países com gastronomia incrí
O sujeito come mal, aí quer se vingar da sociedade e escreve algo como ‘Born to Be Wild’
vel são ruins de rock. Pense na França. Ou na Itália. Ou na Espanha. Ou Japão, China, Vietnã, Líbano – qualquer um com boa comida. Não têm rock bom. Quem é nerd pode até resgatar alguma banda underground da Bélgica, mas aí não vale – porque a tese é minha, eu que faço as regras e porque busco o popular (não o item raro).
Teses pedem uma conclusão, um arremate. Assim sendo, qual a minha explicação para essa relação entre comida ruim e rock bom? Fácil: rock é atitude; homem contra o sistema – a revolta sendo o combustível para a criação. Sujeito come mal, aí quer se vingar da sociedade e escreve Born to Be Wild. Um feijão em lata vai causar ódio (entre outros efeitos explosivos). Todo dia fish and chips? É pra sair quebrando geral mesmo.
Não pinta muita rebeldia depois de um sushi. No máximo, dá vontade de ouvir Ravel na voz de rouxinóis.
Porém, existe uma exceção que confirma a tese: a América Latina. Argentina tem comida e rock incríveis. México então, madre mia, quesadillas e Café Tacuba. O Brasil? Titãs, Legião, Mutantes, Paralamas; caipirinha, feijoada, moqueca e caldo de cana. Som do bom e culinária-delícia. É que a gente aqui, do Sul da América, não precisa comer mal pra se revoltar. Basta ler o jornal.
ROTEIRISTA DE FILMES COMO 'ESTÔMAGO', 'MEDIDA PROVISÓRIA' E 'SEQUESTRO DO VOO 375'.
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O Estado
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