Mapa 3D busca decifrar Universo e sua expansão
Com atuação de brasileiros, projeto promete uma nova perspectiva para estudar o Cosmos
MARCIO DOLZAN
Com a participação de pesquisadores brasileiros, a construção do maior mapa tridimensional sobre o Universo já começou e promete ajudar a desvendar um mistério cuja resposta ninguém com precisão: por que o Universo está se expandindo de forma tão acelerada? Ao longo dos anos, muitos tentaram responder a essa e outras questões a partir de imagens captadas por telescópios, mas ninguém contou com uma ferramenta como esta que começou a usada.
A grande, e essencial, diferença do projeto “Javalambre Physics of the Accelerating Universe Astrophysical Survey” (J-PAS), feito em parceria por Brasil e Espanha, está no fato de que a tecnologia empregada permitirá que os estudiosos vejam o universo a partir de três dimensões, algo que não era possível até hoje e que trazia muitas limitações.
“Atualmente, temos dois tipos de mapas na literatura científica. Um é basicamente feito a partir de uma foto do céu. O problema é que você não sabe o que tem na frente ou atrás. Não dá para saber as distâncias, é uma imagem muito vaga. É como se você estivesse dirigindo com um olho só; não consegue saber se está perto ou longe”, explica Raul Abramo, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) e um dos envolvidos no projeto. “É como ter um quadro do Leonardo da Vinci, com várias perspectivas, e uma imagem chapada de um ícone de uma igreja ortodoxa russa”, diz. “O outro tipo de mapa tem uma perspectiva muito precisa. Você pega uma imagem, seleciona um pontinho aqui, outro ali, pega um telescópio poderoso e identifica onde cada um está. Só que, nesse caso, você não tem a visão do todo; é como pegar um mapa de São Paulo e conseguir fotografar apenas os arranhacéus”, acrescenta.
PRECISÃO. Com o J-PAS, os cientistas poderão oferecer um mapa preciso e completo. Para isso, foram necessários 14 anos de pesquisa e desenvolvimento de equipamentos. O telescópio JST250 foi desenvolvido pelos espanhóis e instalado no Observatório Astrofísico de Javalambre (OAJ), próximo à cidade espanhola de Teruel. Ele possui um espelho de 2,5 m de diâmetro e uma visão “grande angular” do céu.
O equipamento conta também com uma câmera panorâmica JPCam, de 1,2 milhão de pixels, a segunda maior câmera astronômica do mundo na atualidade. Ela possui um sistema inovador, com 56 filtros ópticos desenhados por pes
quisadores brasileiros especialmente para o J-PAS.
Juntos, telescópio e câmera podem captar imagens em múltiplas cores de grandes áreas do céu, o que permite que se estude o Universo a partir de uma nova perspectiva. “Nos últimos 20 anos, os mapas foram essencialmente mais do mesmo: ou eram completos e imprecisos, ou precisos e incompletos”, afirma o professor da USP.
Agora, toda noite milhares de dados são captados pelo observatório espanhol e armazenados em um centro de computação de alta performance. Eles passam por processos de refinamento e, depois, ficam à disposição dos pesquisadores. Com o tempo, o acesso a esses dados será liberado a qualquer pessoa no mundo. “Vamos ter um olhar completamente novo sobre o Universo”, comemora Abramo.
UM TELESCÓPIO NO SERTÃO.
Enquanto o J-PAS é desenvolvido, com participação de brasileiros, na Espanha, a região da cidade de Aguiar, na Serra do Urubu, sertão da Paraíba, abriga hoje um dos mais promissores projetos de cosmologia do mundo. A cerca de 330 km da capital João Pessoa, será instalado o Bingo, o maior radiotelescópio da América Latina. O equipamento terá a missão de desvendar mais detalhes do setor escuro do espaço, que carrega a energia responsável pela aceleração da expansão do Universo e cuja misteriosa composição ainda não foi revelada pela ciência.
Ao custo de aproximadamente R$ 36 milhões, o projeto é liderado pela USP e tocado em parceria com a Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) e com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Apesar de contar com a colaboração de outros países, como China, Reino Unido, França, África do Sul, Alemanha e Estados Unidos, trata-se de um trabalho brasileiro feito com recursos nacionais.
O Bingo já começou a ser construído e tem previsão de ter a suas operações iniciadas no segundo semestre de 2024. A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), a Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado da Paraíba (Fapesq) e a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), órgão que pertence ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, são as principais fontes de financiamento do radiotelescópio.
“A matéria que interage com a luz, chamada de matéria bariônica; a radiação; a matéria escura, e a energia escura são os quatro componentes que, basicamente, formam o nosso Universo. A nossa curiosidade é saber como o Universo se expande, e qual é o destino do Universo”, explica Amílcar Rabelo de Queiroz, professor da Unidade Acadêmica de Física da UFCG. “Para isso, a gente precisa conhecer melhor quais são esses componentes.”
O termo Bingo vem de Baryon Acoustic Oscillation from Integrated Neutral Gas Observations, que pode ser traduzido para Oscilação Acústica de Bárion em Observações Integradas de Gás Neutro. As Oscilações Acústicas de Bárions (BAO, na sigla em inglês) são ondas gravadas na distribuição de matéria bariônica do Universo que podem ser detectadas por ondas de rádio, especialmente as emitidas pelo hidrogênio neutro de comprimento de 21 cm (que se alargam à medida que se aproximam da Terra). O Bingo pretende captar essas BAOs, formadas na origem do Universo.
O professor Queiroz explica que as nuvens de hidrogênio neutro, o mais abundante do espaço, funcionam como um sinalizador de onde há maior concentração de matéria bariônica (visível) e matéria escura no Universo. O objetivo do Bingo e dos cientistas é fazer a captação das ondas de rádio provenientes dessas nuvens em diferentes momentos do cosmos. Na prática, a expectativa é conseguir identificar picos do sinal emitido pelas BAOs e, a partir disso, construir uma escala cosmológica que permite mapear, em diferentes instantes de tempo do espaço, onde e quando podem ser encontradas as nuvens de hidrogênio. Quando encontradas, será possível identificar e isolar a matéria escura.
“A ideia”, define o professor do Instituto de Física da USP, e coordenador do Bingo, Elcio Abdalla, “é achar ondas gigantescas, de meio bilhão de anosluz, que se formaram na origem do Universo e que vão servir como uma régua padrão para fixarmos certos parâmetros cosmológicos, como quantidade de matéria, quantidade de energia, parte escura e parte não escura. A ciência básica do nosso projeto é achar a estrutura da parte escura do Universo através da observação dessas ondas”, diz. •
COM CAIO POSSATI
Projeto Bingo Enquanto o J-PAS é criado na Espanha, maior radiotelescópio da América Latina será instalado na Paraíba
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2023-11-13T08:00:00.0000000Z
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