O Estado de S. Paulo

Submarino nuclear brasileiro entra na mira de agência de controle da ONU

MARCELO GODOY

Direção de órgão que fiscaliza proliferação nuclear lista programa como uma de suas principais preocupações.

Divergência Agência quer submeter reator à inspeção feita em instalações atômicas civis; Brasil é contra

Direção de órgão das Nações Unidas responsável por fiscalizar proliferação nuclear lista programa de embarcação a propulsão do Brasil como uma de suas principais preocupações

O Brasil entregou proposta para o estabelecimento de procedimentos especiais para a inspeção da Agência Internacional de Energia Atômica, das Nações Unidas, no reator do futuro Submarino Convencionalmente Armado de Propulsão Nuclear. O documento prevê a manutenção de segredos militares sobre as capacidades da embarcação a respeito das quais a Marinha não abre mão. A agência pretende submeter o reator ao mesmo tipo de inspeção de instalações atômicas civis, mas o Brasil é contra.

Para não ser submetido a sanções por causa dos tratados que estabelecem salvaguardas para a não proliferação de armas atômicas, o País precisa chegar a um acordo com a agência da ONU. Isso deve incluir a Argentina nas negociações, em razão da Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares. Criada em 1991, ela tem como objetivo garantir que o material atômico dos dois países não seja destinado à construção de armas de destruição em massa.

“Há a preocupação com a propagação nuclear. A preocupação com a segurança é essa”, afirmou ao Estadão o almirante Petronio Augusto Siqueira de Aguiar, da Diretoria-Geral de Desenvolvimento Nuclear e Tecnológico da Marinha. Desde 1988, a Marinha domina o ciclo completo de enriquecimento de urânio em pequenas quantidades. Com o submarino de propulsão nuclear, a Força Naval vai ter de aumentar essa quantidade. “Vai ter escala maior, e a segurança nuclear vai ter de aumentar, com a preocupação de evitar a proliferação de material nuclear”, disse Petronio.

SALVAGUARDA.

Segundo o almirante, o Brasil vai obedecer aos procedimentos especiais com relação à salvaguarda. Ele já foi duas vezes a Viena, na Áustria, onde fica a sede da Agência Internacional de Energia Atômica, para negociar com o diretor-geral do órgão, o argentino Rafael Mariano Grossi. “Estamos iniciando os procedimentos formais na agência.” O Brasil discute o modelo das inspeções a fim de manter o sigilo dos dados técnicos do material nuclear.

Atualmente, a agência inspeciona qualquer local onde há enriquecimento de urânio. “Como somente as potências atômicas têm submarinos nucleares, nunca a agência fez inspeções em reatores desse tipo. O Brasil aceita as inspeções, mas deseja preservar os dados da capacidade operacional do submarino”, disse o almirante.

O reator deve ficar pronto em 2027 e a embarcação, em 2033, como parte do Programa de Desenvolvimento de Submarinos (Prosub). O reator está sendo montado no Laboratório de Geração de Energia Nucleoelétrica, no Centro Industrial Nuclear de Aramar, em Iperó, no interior paulista. Já o submarino será construído em Itaguaí, no Rio.

ACORDO.

Em 6 de março deste ano, Grossi relatou ao conselho da agência que um encontro técnico foi mantido pelo Brasil com a Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares e com o secretariado da Agência Internacional de Energia Atômica para discutir um “acordo para a aplicação dos procedimentos especiais para o uso de material atômico sujeito a salvaguardas na propulsão e na operação de submarinos e seus protótipos, conforme estabelecido em tratados”. O caso brasileiro foi avaliado em conjunto com o da Austrália, país que vai receber um submarino nuclear, após um acordo com os Estados Unidos e o Reino Unido, que visam se opor à expansão chinesa no Pacífico.

“Para a agência, os aspectos de não proliferação e as obrigações legais de todos os envolvidos são centrais. Em ambos os casos, a agência continuará a ter como princípio orientador o seu mandato de verificação e não proliferação”, afirmou Grossi ao conselho da Agência de Energia Atômica. Por fim, ele concluiu: “A agência conduzirá o seu trabalho nestas matérias de forma independente, imparcial, transparente e profissional. Manterei o conselho informado sobre os desenvolvimentos futuros.”

Na mesma reunião, Grossi citou as medidas tomadas sobre o programa atômico do Irã e a segurança de instalações nucleares na Ucrânia, por causa da guerra com a Rússia. “A diferença nossa para o caso australiano é que o reator é nosso. A Austrália vai receber o pacote fechado. Nós não estamos nessa. É um grande desafio para o Estado brasileiro: o desenvolvimento técnico e a operação do submarino nuclear, assim como a preparação de sua tripulação”, afirmou o almirante.

SEGURANÇA.

Para tanto, medidas para ampliar a segurança das instalações de Iperó estão sendo tomadas. Tudo está sendo feito na escala 1 por 1, como será no submarino. O sistema secundário do reator, com bomba e motor elétrico, os chamados blocos 20 e 30, já estão prontos. A pesquisa inclui ainda o desenvolvimento de um reator multipropósito, que produzirá radiofármacos.

A Marinha mantém em Iperó o Batalhão de Defesa Nuclear, Biológica, Química e Radiológica, com as missões de garantir a segurança física das instalações do centro e executar ações de controle de emergências de natureza nuclear, química e radiológica na área.

Seu efetivo atual é de 233 militares, mas, com a evolução do programa nuclear, deve chegar a cerca de 450 militares. Já o Laboratório de Geração de Energia Nucleoelétrica conta com 316 engenheiros, sendo 85 militares e 231 civis.

“O Batalhão de Aramar vai ter de crescer, assim como as medidas de segurança de proteção do perímetro”, disse o almirante. As atividades da contrainteligência devem também aumentar a fim de proteger informações sigilosas. Toda a rede utilizada nas pesquisas nucleares da Marinha é segregada e compartimentada. A entrada de dispositivos eletrônicos é controlada na Diretoria-Geral de Desenvolvimento Nuclear e Tecnológico, e o escritório do almirante é uma espécie de sala-cofre, com isolamento acústico.

“Para a Marinha é ‘cláusula pétrea’ resguardar (os dados sobre) a capacidade do submarino. A AIEA (Agência de Energia Atômica) quer fazer inspeção como se fosse em uma usina qualquer. Será a primeira vez que a agência vai fazer esse tipo de controle especial”, destaca o almirante.

Com apoio do Itamaraty, ele acredita que a proposta brasileira será aceita pela agência. “Nós vamos cumprir todos os tratados em relação à energia nuclear. O Brasil não tem intenção de fazer algo que não esteja nos tratados.” •

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2023-07-31T07:00:00.0000000Z

2023-07-31T07:00:00.0000000Z

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