O Estado de S. Paulo

Orçamento dá mais verba ao governo, mas deixa ‘filé’ com Centrão

DANIEL WETERMAN

Para destinar mais recursos às emendas parlamentares, que alcançaram valor recorde, Orçamento aprovado pelo Congresso cortou verbas de programas como o PAC e de ministérios ligados ao PT.

“Essa dinâmica orçamentária é uma coisa difícil, desafiadora” Fernando Haddad

Ministro da Fazenda

Para dar mais recursos às emendas parlamentares no ano eleitoral, Congresso tirou dinheiro de ministério ligados ao PT e de programas como o Minha Casa, Minha Vida

relatório final do orçamento de 2024, apresentado pelo deputado Luiz Carlos Motta (PL-SP) e aprovado ontem, é apenas o começo de uma disputa endereçada ao próximo ano, período de eleições municipais. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva terá mais dinheiro e mais poder sobre o orçamento que seu antecessor Jair Bolsonaro, mas verá o Congresso capturar os investimentos e os ministérios controlados pelo Centrão ficarem com o “filé mignon”.

O valor das emendas parlamentares – R$ 53 bilhões – é recorde e não tem precedente no orçamento federal brasileiro. De boas intenções sobre como gastar o dinheiro, o Congresso está cheio. Na prática porém, entram no bolo as emendas Pix, pagas sem nenhum planejamento nem transparência, as emendas de bancada, divididas entre parlamentares sem compromisso com obras estruturantes, e as emendas de comissão, que serão as herdeiras da vez do orçamento secreto.

O governo alega não ter espaço para atender a todas as demandas do Centrão, mas, na prática, tem quitado a fatura em dia. Para o próximo ano, os parlamentares

Oimpuseram um calendário de pagamento de emendas, com liberação das mais atrativas no primeiro semestre, antes das eleições municipais. E não aceitam corte nesses recursos, mesmo com a necessidade de colocar as contas do governo em dia. A meta de zerar o déficit público, já abandonada pelo presidente, tem data de validade e deverá ser revisada em março.

‘PEGADINHA’. Para turbinar as emendas, o Congresso cortou verbas dos ministérios lulistas e do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), conforme o Estadão antecipou. Só do PAC, foram tirados R$ 17 bilhões. O Minha Casa, Minha Vida, por sua vez, perdeu R$ 4 bilhões. E não sem pegadinha: uma alteração feita no projeto enviado pelo governo proíbe Lula de mexer e cancelar qualquer valor de emenda parlamentar, incluindo as que não são impositivas e que ficarão sob a alçada dos ministérios. Ou seja, se quiser cancelar alguma coisa, terá de mexer nas despesas que não têm relação com congressistas.

O orçamento de 2024 dará mais dinheiro para a emenda

Pix (R$ 8,1 bilhões) do que para o programa Farmácia Popular (R$ 5,8 bilhões). A compra de trator e asfalto (R$ 4 bilhões) terá uma verba quatro vezes maior do que o aprimoramento da segurança pública (R$ 1 bilhão). O orçamento revela a prioridade. O Brasil gastará mais com submarinos e caças militares (R$ 2,3 bilhões) do que com fiscalização ambiental (R$ 318 milhões) e ações de proteção em áreas de risco (R$ 801 milhões). O valor do fundo eleitoral (R$ 5 bilhões) é o mesmo do corte que o governo fez no orçamento deste ano e que atingiu o Auxílio Gás, a educação básica e o custeio de hospitais.

Os ministérios controlados pelo Centrão ganharam recursos. O Turismo, ocupado por Celso Sabino (União-PA), entrou com R$ 271 milhões na proposta inicial do governo e saiu com R$ 2,3 bilhões no relatório final. O Esporte, de André Fufuca (PP-MA), foi de R$ 608 milhões para R$ 2,6 bilhões.

Também teve recado para o Supremo Tribunal Federal (STF), a próxima trincheira que o Centrão quer avançar, depois de tirar os domínios do Executivo. O orçamento vai bancar as passagens de avião de ministros do governo e parlamentares de Brasília em 2024, que não precisarão tirar dinheiro do bolso para irem e voltarem para casa. Em uma alteração feita de última hora na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), relatada pelo deputado Danilo Forte (União-CE), os ministros do Supremo ficaram de fora da benesse.

A entrega de ministérios e emendas não é mais suficiente para garantir uma base de apoio ao governo. A cada votação, uma nova negociação precisa ser feita e o Centrão nunca está satisfeito. Foi assim antes mesmo de o petista assumir, em 2022, com a Proposta de Emenda à Constituição da Transição, até dias atrás, na reforma tributária. E continuará assim em 2024, 2025 e 2026. O casamento de Lula com o Centrão tem papel passado, mas ninguém colocou aliança no dedo. •

Armadilha Emenda proibiu o governo de cancelar desembolso de emendas parlamentares, mesmo as não impositivas

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2023-12-23T08:00:00.0000000Z

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