O Estado de S. Paulo

Bolsonaro perdoa crimes de Daniel Silveira e desafia STF

Presidente alega ‘liberdade de expressão’; políticos reagem

WESLLEY GALZO, CÉLIA FROUFE, JULIA AFFONSO, MARCELO GODOY e GUSTAVO QUEIROZ

Em decisão controversa, o presidente Jair Bolsonaro publicou ontem decreto no qual concede perdão de pena ao deputado Daniel Silveira (PTB-RJ). A medida, veiculada em edição extra do Diário Oficial, foi tomada um dia depois de o STF condenar o parlamentar a 8 anos e 9 meses de prisão por ataques à Corte, às instituições e à democracia. No texto, o presidente alega que o político “somente fez uso de sua liberdade de expressão”. Antes, Bolsonaro foi às redes sociais e desafiou o Supremo: “Este é um decreto que vai ser cumprido”, disse. Senadores e deputados reagiram ao indulto. Juristas afirmam que a decisão fere a Constituição e pode ser derrubada pelo STF.

Menos de 24 horas depois de o Supremo Tribunal Federal (STF) condenar o deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) a oito anos e nove meses de prisão, o presidente Jair Bolsonaro saiu em defesa do aliado. Ele editou um inédito decreto e concedeu perdão da pena imposta por dez dos 11 ministros da Corte.

A decisão de Bolsonaro foi publicada ontem em edição extra do Diário Oficial da União (DOU). Antes, ele havia anunciado o benefício da graça – perdão individual da pena – em transmissão nas redes sociais ao lado de Michelle Bolsonaro. Na fala ao vivo, Bolsonaro desafiou o Supremo: “Este é um decreto que vai ser cumprido”.

Silveira, que foi à Corte no dia de seu julgamento acompanhado do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do presidente, foi condenado por incitar agressões a ministros e atentar contra a democracia. Silveira defendeu também o fechamento do STF e estimulou animosidade com as Forças Armadas. A Corte mandou a Câmara cassar o mandato do parlamentar bolsonarista, que quer concorrer ao Senado pelo Rio.

Congressistas reagiram e prometeram recorrer ao Supremo contra o ato presidencial. Segundo apurou o Estadão, ministros dizem considerar Silveira inelegível, embora o decreto não se estenda apenas à ordem de prisão. Eles já esperam ações contra o decreto.

Na transmissão, Bolsonaro afirmou que o aliado “somente fez uso de sua liberdade de expressão”. Ele disse que concedeu a “graça constitucional” porque a sociedade se encontra em “legítima comoção em vista da condenação de parlamentar resguardado pela inviolabilidade de opinião”. Juristas veem inconstitucionalidade.

O vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PSD-AM), afirmou que a decisão de Bolsonaro “só confirma o desapreço pela ordem democrática”. “O decreto é absolutamente inepto na medida em que anula uma pena que ainda não existe porque o processo não transitou em julgado.” Graça e indulto (perdão coletivo) só podem ser concedidos quando esgotados todos os recursos. Ainda cabem embargos à decisão do Supremo.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), emitiu nota na noite de ontem na qual afirmou que o decreto é uma “prerrogativa do presidente”. “Certo ou errado, expressão de impunidade ou não, é esse o comando constitucional, que deve ser observado”, afirmou. Segundo ele, o Congresso não pode sustar a medida, mas pode aprimorar a Constituição “até para que não se promova a impunidade”. Procurado, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PPAL), não se pronunciou. Lira recorreu anteontem ao Supremo para que o Poder Legislativo tenha a palavra final em casos de cassação de parlamentares em julgamentos da Corte (mais informações na pág. A10)

COMEMORAÇÃO. Parlamentares bolsonaristas comemoraram o decreto. A deputada Carla Zambelli (PL-SP) foi às redes sociais elogiar o presidente. “Momento histórico para o Brasil! Para todo aquele que, como nós, acredita que o País pode voltar a ter democracia após a decisão de ontem do STF”, escreveu. “Grande atitude! Chefe de Estado e da Nação, Bolsonaro tem sido o maior guardião das nossas liberdades, da democracia e da Constituição”, disse a deputada Bia Kicis (PL-DF), no Twitter.

Na transmissão semanal nas redes sociais, Bolsonaro voltou a tratar do assunto mais tarde. Ele citou um voto do ministro Alexandre de Moraes, que foi relator no processo de condenação de Silveira, em uma ação julgada em 2019 para apresentar um precedente. “Tudo está sob a jurisprudência do próprio ministro”, disse.

Naquele ano, a Corte decidiu, por sete votos a quatro, que o indulto é ato privativo do presidente e não fere a separação dos Poderes. Na ocasião, o Supremo julgou uma ação da Procuradoria-Geral da República contra o indulto natalino concedido pelo então presidente Michel Temer (MDB), em 2017. A PGR sustentava que o decreto desvirtuava a finalidade do perdão. Quando o caso foi levado a julgamento, o relator da ação, ministro Luís Roberto Barroso, votou parcialmente a favor do pedido da PGR e destacou que o dispositivo não se aplica em casos de multa. Mas acabou vencido.

Um dos alvos preferenciais da militância bolsonarista, Moraes foi o responsável pelo voto vencedor na sessão de 2019 que garantiu ao presidente da República o direito de conceder indultos. No fim da transmissão, Bolsonaro voltou a repetir que decreto é constitucional e será cumprido. “Era o que eu tinha a declarar, é assunto pacificado”, afirmou.

ARGUMENTOS. Juristas apresentam outros argumentos. Professor titular de Direito Público da Universidade de São Paulo, Floriano de Azevedo Marques afirmou que graça e indulto são atos políticos do presidente, mas, para ele, o decreto de Bolsonaro é contrário à Constituição Federal e à lei.

“Se indulta o condenado. Mas o Daniel Silveira não está ainda condenado, pois a decisão não transitou em julgado. Logo, Bolsonaro indultou quem ainda não está condenado. Um caso raro de ‘indulto precoce’”, disse o professor.

O advogado criminalista e ex-diretor do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim) Cristiano Avila Maronna disse que o decreto presidencial pode ser derrubado no Supremo. Ele apontou dois vícios de fundamentação no ato: fundamentação inidônea e violação da regra da impessoalidade.

“O decreto transforma a minoria em maioria e, nesse sentido, falta justificativa idônea”, disse o advogado em relação ao argumento de comoção social. •

“Este é um decreto que vai ser cumprido. (...) Era o que eu tinha a declarar, é assunto pacificado.”

Jair Bolsonaro Presidente

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