Barroso nega ativismo e ouve críticas sobre ‘cerceamento de defesa’
PEPITA ORTEGA RAYSSA MOTTA
No seminário organizado pelo “Estadão”, Barroso rebateu críticas de que o STF estaria incorrendo em “ativismo judicial”, mas também ouviu questionamentos sobre condutas classificadas como “cerceamento” ao direito de defesa no tribunal.
“O STF deve voltar às origens de respeitar o advogado, ou não teremos a implantação da Justiça e do Judiciário que almejamos” Antonio Cláudio Mariz de Oliveira
Advogado criminalista
Em evento do ‘Estadão’ e da Universidade Mackenzie, ministro diz que STF foi um ‘dique’ contra o autoritarismo; Mariz cobra respeito ao devido processo legal nas cortes superiores
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, abordou ontem temas que colocam a Corte no centro do debate político nacional. Ao abrir o seminário “O papel do Supremo nas democracias”, promovido pelo Estadão e pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, na capital paulista, Barroso afirmou que o Supremo foi um “dique relevante contra avanço do autoritarismo” e rebateu quem atribui ativismo judicial ao tribunal.
O ministro avaliou ainda que o protagonismo do STF é fruto de um “desenho institucional” e disse que a visibilidade sujeita a Corte a críticas porque “sempre há alguém contrariado com as decisões”. Durante o evento, porém, o presidente do Supremo também ouviu críticas a condutas classificadas como “cerceamento” ao direito de defesa no tribunal.
“Com frequência as pessoas chamam de ativistas as decisões que elas não gostam, mas geralmente o que elas não gostam mesmo é da Constituição ou eventualmente de democracia”, afirmou o ministro.
Barroso rebateu ataques ao tribunal e, em recado ao Legislativo, afirmou que mexer no STF “não parece ser um capítulo prioritário das mudanças que o País precisa”. Propostas legislativas em discussão no Congresso preveem alterar o funcionamento da Corte e limitar atos de ministros (mais informações na página ao lado).
“A democracia e a Constituição têm resistido a tempestades diversas, que foram dos escândalos de corrupção às ameaças mais recentes de golpe. A Constituição e a democracia conseguiram resistir e a resposta é afirmativa: quem é o guardião da Constituição? O STF. Então é sinal que ele tem cumprido bem seu papel, e o resto é varejo político.” O ministro também apontou como a Corte combateu o “aparelhamento das instituições de Estado” e enfrentou “ataques extremamente virulentos”.
Na avaliação do presidente do STF, democracias em todo o mundo sofreram ameaças do populismo autoritário. Segundo Barroso, parte do pensamento conservador foi capturada pela extrema direita, “com discurso de intolerância, misógino, homofóbico e antiambientalista”, sendo necessário que o centro “recupere esse espaço e essas pessoas”.
‘CIDADÃO’.
Diante de Barroso, o criminalista Antonio Cláudio Mariz de Oliveira tratou de recente polêmica envolvendo o STF e os defensores. Ele afirmou que os cidadãos que batem às portas do Judiciário não estão “sendo ouvidos adequadamente” e falou em “cerceamento” à advocacia no Supremo. “O STF deve voltar às origens de respeitar o advogado, ou não teremos a implantação da Justiça e do Judiciário que almejamos”, disse Mariz.
Na semana passada, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) divulgou nota em que contesta julgamentos no plenário virtual do Supremo e restrições
a sustentações orais de advogados durante as sessões. A entidade manifestou preocupação “com a flexibilização ou supressão do direito constitucional ao contraditório e à ampla defesa” pelo STF. “A sustentação oral está inserida no direito de defesa, que é uma garantia constitucional e, portanto, não se submete a regimentos internos, mesmo o do STF”, declarou a entidade.
Mariz aproveitou a participação no seminário e contornou o debate sobre as diferenças da atuação do STF e das demais Cortes constitucionais da América Latina para fazer o que chamou de um “desabafo”. No evento com o presidente
do STF, ele disse ser necessário “alertar” sobre o fato de que pessoas que acionam o sistema de Justiça não estão sendo ouvidas nem pela Corte máxima nem pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
A crítica central de Mariz ao Supremo diz respeito à forma de julgamento de habeas corpus – geralmente ajuizados como pedidos de liberdade. Na avaliação do criminalista, tais instrumentos estão sendo julgados “de forma muito precária”, monocraticamente (em decisão individual de um ministro). “O tribunal é um órgão colegiado. Mude-se o sistema. O povo não tem culpa de termos um Supremo abarrotado”, afirmou. “Ou temos uma Justiça mecânica ou uma Justiça em que se vai respeitar o devido processo legal”, afirmou.
Mariz reconheceu o papel do Supremo na defesa da democracia, assim como em “temas delicados”, como aborto. De outro lado, criticou o tratamento dado pela Corte aos advogados. “Só não podemos aplaudir o STF e o STJ na medida em que não estão dando valor ao advogado, valor ao cidadão. Decisão monocrática é para juiz de primeiro grau, o STF tem que julgar coletivamente.”
O ex-presidente do STF Carlos Ayres Britto concordou com as ponderações de Mariz, pregando o respeito “aos profissionais que compõem funções essenciais da jurisdição”. “Tudo afunila para o Judiciário e o Supremo porque é o único Poder que não pode dar o silêncio como resposta.”
‘ASSÉDIO’.
Também presente no evento, o decano do Supremo, ministro Gilmar Mendes, afirmou que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sofreu “assédio” do ex-ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, na preparação das eleições do ano passado. “O TSE sofreu um assédio, não da população ou dos torcedores para a eleição de (Jair) Bolsonaro, mas do ministro da Defesa, que todo dia pela manhã escrevia uma carta ao ministro (Edson) Fachin e o ministro Fachin respondia à tarde”, afirmou Gilmar.
Assim como Barroso, Gilmar negou ativismo por parte da Corte. “Não vejo que o tribunal tenha tido uma conduta anormal nesse período. Deu resposta para desafios que então se colocaram”, afirmou.
EVENTO.
O seminário “O papel do Supremo nas democracias” prossegue hoje, com debates sobre perspectivas globais dos tribunais superiores, os desafios dos tribunais constitucionais na era digital e o Judiciário como condutor de processos eleitorais. Participam das mesas, entre outros convidados, a ministra do STF Cármen Lúcia, o ex-presidente Michel Temer (MDB), o jurista Ives Gandra Martins e o procurador-geral de Justiça de São Paulo, Mario Sarrubbo. •
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2023-11-14T08:00:00.0000000Z
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