‘Minicracolândia’ e moradores de rua avançam na Avenida Roberto Marinho
Estado afirma que tem intensificado o policiamento e apreensão de drogas aumentou 37% na região; Prefeitura diz ter realizado mais de mil acolhimentos entre julho e outubro
GONÇALO JUNIOR
Segundo Estado e Prefeitura, apreensão de drogas subiu 37% na região no ano e acolhimentos chega ramam ilem 4 meses.
Cenas que são comuns no centro da cidade, como usuários de drogas vagando pelas calçadas, estão cada vez mais presentes na região da Avenida Jornalista Roberto Marinho, na zona sul. Há quem fale até em uma “minicracolândia”. Inaugurada há quase 30 anos para ligar o Jabaquara à Marginal do Pinheiros, a avenida vem recebendo barracas de pessoas em situação de rua. A falta de iluminação pública adequada e o acúmulo de lixo e entulho também afetam quem mora na região.
Em uma tarde da quarta-feira, quatro pessoas formavam uma roda no chão da calçada nas proximidades da Rua Barão de Jaceguai; uma delas fumava um cachimbo – que aparentava ser de crack. Uma lona azul tentava disfarçar o uso de droga. “É como se fosse outra Cracolândia”, diz Marco Braga, presidente do Conselho Comunitário de Segurança (Conseg) do Brooklin.
O cenário de vulnerabilidade chama ainda mais a atenção na região em decorrência do contraste social. Andando a pé pelas ruas arborizadas dos bairros atravessados pela avenida, é possível encontrar condomínios residenciais de alto padrão, escolas de tênis e loja de equipamentos náuticos.
“A região sempre foi um ponto de tráfico, mas o fenômeno de cena de uso aberta é mais recente”, diz o psiquiatra Thiago Fidalgo, professor da Disciplina de Álcool, Drogas e Políticas Públicas na Unifesp. Ele sublinha que as condições de vulnerabilidade observadas no centro da cidade, como déficit habitacional, desemprego e dificuldade de acesso aos serviços de saúde, se reproduzem em outros pontos cidade, o que facilita a criação de novas cenas abertas de uso de drogas. E descarta migração.
MAIS PESSOAS EM SITUAÇÃO
DE RUA. Moradores apontam ainda o aumento da população em situação de rua. A percepção pode ser comprovada pela multiplicação das barracas de camping e lonas, utensílios que se tornaram símbolo do aumento dessa população depois da pandemia de covid-19. Foi exatamente nessa época em que o ajudante-geral Pedro Moreira da Silva, de 48 anos, perdeu o emprego. Sem condições de pagar o aluguel, ele ficou ainda mais desamparado depois que o casamento de oito anos acabou. Passou a beber cada vez mais. Foi assaltado e ficou sem documentos. Não conseguiu mais sair da rua.
Já os vizinhos se incomodam. O Estadão flagrou dois funcionários da construção civil elevando um muro de um condomínio de alto padrão no Campo Belo, nas proximidades da Avenida Vereador José Diniz. A advogada Elenir Nunes, síndica profissional que atua neste prédio e em outros quatro da região, confirma a elevação do muro. “Eles jogavam vários objetos dentro do condomínio, até facas”, justificou ela.
O cenário de desamparo já desvaloriza os imóveis, de acordo com a síndica. Elenir conta que dois apartamentos do prédio que estavam à venda só foram comercializados depois de descontos da ordem de 40%. “Num dia, eles (moradores de rua) cumprimentam os moradores. No outro, estão claramente alterados e querem até brigar.” Nesse contexto, a preocupação com a segurança se tornou prioritária em condomínios, de acordo com Omar Anauate, presidente da Associação das Administradoras de Bens Imóveis e Condomínios de São Paulo. “A vulnerabilidade social deixa os moradores também vulneráveis.”
MONOTRILHO. As obras da Linha 17-Ouro do monotrilho do Metrô de São Paulo, que foram retomadas em setembro após anos de interrupção, também abrigavam sem-teto. Pessoas sem casa aproveitaram os canteiros das futuras Estações Vila Cordeiro, Campo Belo, José Diniz e Brooklin Paulista para montar barracas de camping.
As obras paradas reforçaram a sensação de abandono e de degradação do patrimônio público, como aponta o morador Eduardo Beno, de 54 anos, há dez na região. É a mesma visão do aposentado George Smetana, de 77, morador ali há sete décadas. Ele se orgulha de ter presenciado a construção da Avenida Bandeirantes e da própria Água Espraiada, antigo nome da Roberto Marinho. “A obra do metrô atrasou muito e isso atrapalhou toda a região.”
A área também convive com sério déficit habitacional. São 24 comunidades que abrangem entre 5 mil a 8 mil famílias, apontam dados do Mapeamento Território Campo Belo, realizado em 2021 pelo Instituto Jatobás e Rede Espraiada. Formado em Gestão Pública pela UFRJ, o morador Marcos Caetano Junior considera que a região sofre com a especulação imobiliária. “Apesar de seu objetivo de requalificação, as operações urbanas acabam tendo o efeito contrário, agravando as divisões sociais e a expulsando moradores de baixa renda”, diz o presidente do Coletivo Água Espraiada Vive.
GOVERNOS. Embora o Estado não contabilize o número de usuários, as aglomerações têm crescido. De acordo com a própria Secretaria da Segurança Pública, a área da 2.ª Delegacia Seccional, que abrange a região, teve aumento em 37,2% na apreensão de entorpecentes entre janeiro e setembro. Foram apreendidos 356 quilos. A SSP diz realizar “o monitoramento contínuo dos indicadores criminais, incluindo a região citada, e tem intensificado o policiamento preventivo e ostensivo, bem como as ações investigativas, nas áreas de maior incidência criminal”.
Desvalorização Há relatos de que venda de um apartamento na região ocorre apenas com descontos de até 40%
A Prefeitura diz que a Guarda Civil Metropolitana realiza o patrulhamento comunitário e preventivo com ajuda das câmeras inteligentes do programa Smart Sampa. A região conta com uma unidade do serviço de Atendimento Diário Emergencial para amparo e acolhimento de pessoas em situação de rua e em uso de substâncias psicoativas – a gestão afirma ter feito mil acolhimentos de julho a outubro. Já a SP Regula afirma que a “iluminação pública na região passou por melhorias”. •
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2024-11-21T08:00:00.0000000Z
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