O Estado de S. Paulo

Recuperações judiciais batem recorde; juros altos são ‘vilões’

__ No campo, fatores climáticos contribuem para aumento de pedidos

EDUARDO LAGUNA

Balanço feito pela Serasa Experian mostra que 1,7 mil empresas pediram recuperação judicial no País neste ano até setembro, 73% mais do que no mesmo período de 2023. É o maior número em 19 anos, comparável apenas a 2016, quando 1,5 mil companhias entraram com o recurso, último antes da falência, no mesmo período. Juros

6,9 milhões de empresas estão no vermelho, de acordo com a Serasa Experian

altos são apontados como o principal fator para o aumento de casos, mas a inadimplência dos consumidores, a depreciação cambial, que pressiona custos, e a dificuldade de acompanhar as transformações tecnológicas são outros vilões. No campo, as mudanças climáticas contribuem para aumentar o número de empresas em dificuldades: 207 produtores rurais entraram com pedidos de recuperação judicial no primeiro semestre, segundo a Serasa, superando o número de todo o ano passado.

“Juros altos, acima de dois dígitos, por muito tempo é como levar socos no fígado durante oito rounds, numa comparação com uma luta de boxe” Fábio Astrauskas, especialista em reestruturações

A onda de insolvência nas empresas brasileiras, que emergiu no ano passado, segue ganhando volume, apesar de a economia continuar crescendo bem acima das expectativas, o desemprego estar nos menores níveis históricos e a renda das famílias em alta. Nesse contexto, os juros altos são apontados por especialistas como o principal vilão a minar a contabilidade das empresas, já que ficou mais caro financiar os negócios.

Mas há também outros fatores comprometendo a capacidade de pagamento das empresas, como a alta da inadimplência dos consumidores, o impacto das mudanças climáticas na produção de alimentos, a depreciação cambial, que pressiona custos, e a dificuldade de acompanhar as transformações tecnológicas.

PIOR QUE EM 2016.

Balanço da Serasa Experian, com dados até setembro, mostra que 1,7 mil empresas já haviam pedido recuperação judicial neste ano, 73% a mais do que no mesmo período de 2023, quando as crises na Americanas e na Light chamaram a atenção para a saúde financeira das companhias brasileiras. É o maior número de pedidos, entre iguais períodos, da série estatística de 19 anos, sendo comparável apenas a 2016.

Em meio à recessão econômica provocada por desequilíbrios fiscais, escândalos revelados pela operação Lava Jato e uma crise política que levou ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, nos nove primeiros meses daquele ano 1,5 mil empresas entraram com pedidos de recuperação judicial, último recurso para evitar a falência.

‘SOCOS NO FÍGADO’.

Com 6,9 milhões de empresas no vermelho e R$ 149,1 bilhões em débitos inadimplentes registrados na Serasa –, não há perspectiva de arrefecimento nos pedidos de recuperação judicial no curto prazo.

O risco é de essa situação freie o crédito, cuja aceleração tem sido um dos motores do crescimento do consumo e da reação dos investimentos. Uma crise de crédito, o chamado credit crunch, não está no cenário provável de especialistas, mas é possível que, dada a elevação do risco, os bancos passem a cobrar taxas mais altas e se tornem mais seletivos nas concessões a empresas.

“Juros altos, acima de dois dígitos por muito tempo, é como levar socos no fígado durante oito rounds, numa comparação com uma luta de box. O fígado da empresa é o capital de giro, é o custo de carregamento financeiro da dívida”, comenta o economista Fábio Astrauskas, CEO da Siegen, compara especializada em recuperação judicial e reestruturação de empresas.

“Chega uma hora em que os juros ficam tão altos que toda a geração de caixa acaba sendo consumida pela despesa financeira, e a empresa vai a nocaute”, conclui ele.l

Juros altos são apontados por especialistas como um dos principais fatores da alta nas recuperações

Relatório global produzido pela Allianz Trade prevê um aumento de 33% nos casos de insolvência no Brasil neste ano, com 3,5 mil empresas em situação de recuperação judicial ou mesmo de falência. Para 2025 e 2026, a expectativa é de números ainda elevados: 3,4 mil e 3,2 mil casos, respectivamente.

Analista líder da pesquisa na Allianz Trade, Maxime Lemerle também atribui ao efeito da política monetária mais restritiva sobre as finanças das empresas mais frágeis o salto dos casos de insolvência, especialmente das mais endividadas. Após um período de afrouxamento moderado, o Banco Central voltou a subir os juros em setembro, e a expectativa no mercado é de que a taxa básica de juros (Selic), atualmente em 10,75%, vá a 12% no começo de 2025.

Lemerle acrescenta que a alta volatilidade de preços nos últimos anos, tanto de insumos de produção quanto de bens de consumo, aumentou a dificuldade na gestão dos negócios, levando a erros das empresas em seus orçamentos. “Também temos mudanças estruturais em curso que exigem das empresas ajustes, como a maior complexidade do comércio global, a concorrência do comércio eletrônico e a transição para a economia verde”, diz, lembrando que o País já passou por períodos piores – nos anos 1990, os casos de insolvência superavam 6,6 mil empresas ao ano.

O economista da Serasa Experian, Luiz Rabi, vê uma tendência de alta dos spreads – diferença entre as taxas de captação e os juros cobrados pelos bancos aos clientes – por causa da combinação de juros mais altos e inadimplência. Se isso acontecer, os maiores impactos se darão nos investimentos e nas micro e pequenas empresas. “O crédito para a micro e pequena empresa vai ficar um pouco mais difícil porque os bancos, nessa situação, acabam sendo mais seletivos e criteriosos nas concessões”, prevê Rabi. “Provavelmente teremos um crédito crescendo menos, abaixo de dois dígitos, no ano que vem. Mas ainda não é um quadro recessivo. Não estamos batendo às portas de uma recessão, por enquanto é um cenário de desaceleração.”l

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2024-11-04T08:00:00.0000000Z

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