O Estado de S. Paulo

Integrante do Comando Vermelho teve audiência no Ministério da Justiça

Condenada, Luciane Farias esteve com secretários e diretores; pasta afirma que ela integrou comitiva e não tinha como identificá-la

ANDRÉ SHALDERS TÁCIO LORRAN

“Dama do tráfico amazonense”, Luciane Barbosa Farias foi recebida por auxiliares de Flávio Dino como líder de ONG.

Assessores do ministro da Justiça, Flávio Dino, receberam no ministério uma integrante do Comando Vermelho duas vezes neste ano. Conhecida como “dama do tráfico amazonense”, Luciane Barbosa Farias esteve em audiências com dois secretários e dois diretores da pasta de Dino em três meses. O nome dela não consta das agendas oficiais.

Procurado, o Ministério da Justiça confirmou que Luciene foi recebida por secretários, mas alegou que ela integrou uma comitiva e era “impossível” o setor de inteligência detectar previamente a presença dela. Agendas públicas de autoridades costumam trazer informações sobre participantes de reuniões, e não apenas da pessoa que pediu o encontro. A falta de controle pode até representar um risco para os servidores.

CONDENAÇÃO. Luciane é casada com Clemilson dos Santos Farias, o “Tio Patinhas”. Ele era considerado o “criminoso n.º 1” na lista de procurados pela polícia do Amazonas até ser preso, em dezembro passado. O casal foi condenado em segunda instância por lavagem de dinheiro, associação para o tráfico e organização criminosa. Tio Patinhas cumpre 31 anos no presídio de Tefé (AM). Luciane foi sentenciada a dez anos e recorre em liberdade.

No Amazonas, o marido de Luciane ficou conhecido por ostentar “fama de indivíduo de altíssima periculosidade, com desprezo à vida alheia”. Segundo o Ministério Público, ele possui poder econômico advindo do tráfico de drogas. Sobre Luciane, o MP do Amazonas aponta que ela atuou como o “braço financeiro” da operação do marido. Graças ao trabalho, “conquistou confiabilidade da cúpula da organização criminosa ‘Comando Vermelho’”, diz a acusação.

ONG. No dia 19 de março, Luciane esteve com Elias Vaz, secretário nacional de Assuntos Legislativos de Dino. Pouco tempo depois, em 2 de maio, ela se encontrou com Rafael Velasco Brandani, titular da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen). Em maio, Luciane entrou no Ministério da Justiça como presidente da Associação Instituto Liberdade do Amazonas (ILA).

No papel, trata-se de uma ONG de defesa dos direitos dos presos e que, segundo a Polícia Civil do Amazonas, atua em prol dos detentos ligados à facção. Criada no ano passado, a organização seria financiada com dinheiro do tráfico, de acordo com investigação sigilosa à qual o Estadão teve acesso.

Em postagem no Instagram, Luciane escreveu ter levado a Velasco e a outras autoridades do ministério “denúncias de revistas vexatórias” no sistema prisional amazonense. Também teria apresentado um “dossiê” sobre “violações de direitos fundamentais e humanos” supostamente cometidas pelas empresas que atuam nas prisões do Estado.

No mesmo dia do encontro com o secretário, Luciane esteve com mais duas autoridades dentro do Ministério da Justiça: Paula Cristina da Silva Godoy, titular da Ouvidora Nacional de Serviços Penais, e Sandro Abel Sousa Barradas, diretor de Inteligência Penitenciária da Senappen.

INVESTIGAÇÃO. Investigadores da Polícia Civil do Amazonas suspeitam que a Associação Instituto Liberdade do Amazonas é uma fachada usada pelo Comando Vermelho para “perpetuar a existência da facção criminosa e obter capital político para negociações com o Estado”. De acordo com trecho da investigação, as ações sociais feitas pela entidade seriam, ao fim, sustentadas pelo Comando Vermelho “com a arrecadação de seus membros”.

A reportagem procurou a Associação Instituto Liberdade do Amazonas por telefone. Uma funcionária disse que poderia fornecer o contato de Luciane em nova ligação, mas não atendeu mais.

RESPONSABILIDADE. Em nota, o Ministério da Justiça afirmou que não tinha como saber da presença de Luciane nas audiências. “A cidadã (Luciane) não foi a requerente da audiência, e, sim, uma entidade de advogados. A presença de acompanhantes é de responsabilidade exclusiva da entidade requerente e das advogadas que se apresentaram como suas dirigentes.”

Procurada, a advogada de Luciane, Cristiane Gama Guimarães Generoso, disse que não fala sobre processos de clientes. “Que absurdo é esse?”, respondeu ela ao ser questionada sobre a acusação do MP contra Luciane. •

Marido de Luciane, ‘Tio Patinhas’ cumpre pena 31 anos no presídio de Tefé, no Amazonas

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2023-11-13T08:00:00.0000000Z

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