Justiça do Trabalho gera custo bilionário a empresas, diz estudo
Levantamento indica que decisões de juízes têm passado por cima de pontos centrais da reforma trabalhista de 2017; presidente do TST rebate críticas
DANIEL WETERMAN
Trabalho do professor José Pastore indica que sentenças ignoram pontos centrais da reforma trabalhista de 2017. Presidente do TST contesta.
Decisões do Judiciário têm mexido na rotina das empresas e aumentado custos para investir no Brasil, conforme estudo coordenado pelo sociólogo José Pastore, professor da Universidade de São Paulo (USP) e presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da FecomercioSP. Em alguns casos, o impacto econômico de um conjunto de ações sobre o mesmo tema supera R$ 1 bilhão.
Segundo o levantamento, o chamado “ativismo judicial” na área trabalhista afasta investimentos, compromete o crescimento econômico do Brasil e pode provocar desemprego.
O estudo, ao qual o Estadão teve acesso, explorou casos reais em que os autores identificaram esse ativismo – quando um juiz toma uma decisão que não está prevista em lei ou até mesmo contraria a legislação – em dez temas, incluindo concessão de gratuidade em processos judiciais, terceirização, horas extras e prevalência do negociado entre patrão e empregado sobre o que está na legislação.
Os especialistas não revelam os nomes das empresas e dos empregados envolvidos, mas apontam uma tendência que pode neutralizar os efeitos da reforma trabalhista de 2017. O total de processos na Justiça do Trabalho atingiu 5,4 milhões no ano passado. O número havia diminuído após a aprovação da medida, mas voltou a crescer em decorrência das decisões.
Em 2018, o número de processos distribuídos na primeira instância da Justiça do Trabalho caiu 31% – de 2,3 milhões para 1,6 milhão, em números aproximados – em relação ao ano anterior, quando houve aprovação da reforma trabalhista. Já entre 2022 e 2023, o volume aumentou 17% – de 1,5 milhão para 1,7 milhão.
“Para querer proteger e fazer justiça social, (juízes) passam por cima das leis”, diz Pastore. O presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro Aloysio Corrêa da Veiga, discorda e afirma que “dizer que se julga ao arrepio da lei é desconhecer a atividade jurisdicional” (mais informações nas págs. B2 e B3).
O Ministério do Trabalho não se manifestou.
TERCEIRIZAÇÃO. Um dos casos reais citado no estudo mostra que o Tribunal Superior do Trabalho (TST) julgou ilegal a terceirização do empregado de um banco entendendo que ele exercia atividades típicas de uma instituição financeira. A empresa alegava que o trabalhador atuava apenas na triagem e contagem de documentos.
Mesmo depois de a reforma trabalhista ter legalizado a terceirização para qualquer atividade, seja o trabalho direto de uma empresa (no caso do banco, um caixa) ou uma atividade-meio (segurança ou trabalhador da limpeza), magistrados têm imposto multas milionárias aos empregadores.
Em alta Total de processos na Justiça do Trabalho atingiu 5,4 milhões em 2023, diz levantamento
“Essa ideologia social está fazendo com que o Judiciário esteja se tornando muito imaginativo na hora de decidir”
Osociólogo José Pastore afirma que o problema de “ativismo judicial” na área trabalhista não está nas leis, mas no que ele chama de ideologia social dos juízes. “Todo direito tem custo, todo benefício gera despesa. Os juízes não compreendem essas coisas e, para querer proteger e fazer justiça social, passam por cima das leis.”
Pastore coordenou um estudo na Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) que mostra, com casos concretos, como o chamado “ativismo judicial” – quando um juiz toma uma decisão que não está prevista em lei ou até mesmo contraria a legislação – vem aumentando custos para as empresas.
Como é possível identificar as causas para a insegurança jurídica envolvendo o ativismo judicial?
Toda vez que um juiz tira da cabeça dele uma interpretação, julga e condena uma empresa, ele provoca um prejuízo imediato e dá uma sinalização para todos os empresários. Quem estava seguindo a lei vai falar: “Eu achei que estava certo, agora não vou expandir meu negócio”.
Os dez casos apontados no estudo, que incluem terceirização e banco de horas, são os imbróglios maiores na área trabalhista?
Não são os maiores, é uma mescla de casos e grandezas. Tem um caso com aproximadamente 500 ações na Justiça do Trabalho, mas que repercute em milhares de ações na Justiça Federal. O Supremo Tribunal Federal, em uma decisão, achou que os aparelhos auditivos para regular ruído não são suficientes, mas isso contraria a lei existente e criou uma confusão nessa área. Vários sindicatos laborais começaram a entrar na Justiça do Trabalho para pedir adicional de insalubridade por causa do ruído. O Carf (Conselho de Administração de Recursos Fiscais) e a Receita interpretaram a decisão do Supremo de uma maneira mais ampla e passaram a cobrar adicionais de insalubridade das empresas que têm uso do aparelho auditivo de forma retroativa, desde o dia em que eles começaram a usar o aparelho, e isso está sendo cobrado na Justiça Federal.
A insegurança jurídica no Brasil está maior agora?
Aumentou bastante porque há uma oscilação muito grande na composição dos tribunais, à medida que vão se tornando mais ecléticos e os juízes, mais ideológicos. É um sinal dos tempos. O identitarismo está crescendo muito em todas as áreas. É a busca de mais diversidade, mais justiça social, e isso influenciou os juízes. Essa ideologia social está fazendo com que o Judiciário esteja se tornando muito imaginativo na hora de decidir.
Por que os processos judiciais voltaram a crescer depois da queda que houve com a reforma trabalhista?
A reforma trabalhista buscou fortalecer a negociação entre as partes, achando que as partes sabem melhor que os juízes o que é bom para elas. Por exemplo: a reforma trabalhista permite que as partes reduzam o horário de almoço para 45 minutos ou para meia hora para o trabalhador sair mais cedo. Se o trabalhador acha que isso é bom para ele, ele negocia com a empresa, faz o acordo e está tudo certo. Mas há magistrados acostumados à proteção legal, que fala em 60 minutos mínimos para o almoço. Dentro dessa lógica do identitarismo, invalidam esse acordo que é feito legalmente entre empregados e empregadores com a participação dos sindicatos.
O estudo coloca que o problema acontece mesmo quando a lei está clara. Como lidar com isso?
Esse é o grande desafio. Para resolver isso, você vai precisar fazer leis cada vez mais detalhadas, mais específicas, dizendo: “Olha, se as partes negociarem 30 minutos de almoço, você tem de respeitar”. A reforma trabalhista tem um artigo que diz isso, que os juízes não podem entrar na avaliação do conteúdo da negociação. Eles só podem ver se o formato, se a parte legal, foi respeitado. Mas essa regra está sendo questionada pelos próprios juízes em várias instâncias, eles não aceitaram.
O que precisa acontecer para a comprovação da renda ser cumprida na hora de conceder a justiça gratuita?
É outro caso em que as regras já existem. Até o Supremo já disse que, para conceder a justiça gratuita, você tem que respeitar a reforma trabalhista. A reforma diz que para quem ganha até 40% do teto da Previdência Social, o que dá aproximadamente R$ 3 mil, a justiça é gratuita, não precisa comprovar e o juiz já concede. Para quem ganha mais, ele tem que demonstrar e comprovar. A comprovação é fácil, mas os juízes não fazem isso mesmo quando o solicitante declara ter posses. Todo direito tem custo, todo benefício gera despesa. Os juízes não compreendem essas coisas e, para querer proteger e fazer justiça social, passam por cima das leis.
O estudo defende uma regulação explícita da discricionariedade dos juízes nas decisões. Como fazer isso?
Já está feito isso na reforma trabalhista, no Artigo 611-A. Ali, tem todos os itens que você pode negociar livremente entre empregado e empregador, com a participação do sindicato, e isso vale. Mas muitos juízes não aceitam, não concordam com essa reforma e não estão respeitando. O Supremo Tribunal Federal e o Conselho Nacional da Justiça são os dois órgãos que podem regular isso. Por incrível que pareça, há decisões do STF que estão bem claras e que revogam as decisões da Justiça do Trabalho; e, mesmo assim, os juízes do Trabalho continuam prolatando as mesmas sentenças.
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