O Estado de S. Paulo

Empresas de ‘carro voador’ enfrentam dificuldades para obter recursos

Com o segmento em fase de consolidação, companhias encontram obstáculos para levantar mais recursos para continuar projetos e certificar suas aeronaves

LUCIANA DYNIEWICZ

Companhias encontram obstáculos para levantar financiamentos, prosseguir com projetos e certificar aeronaves.

Uma das apostas do setor aéreo para reduzir suas emissões de carbono, o segmento de “carros voadores” dá sinais de que entrou em fase de consolidação. Sem recursos para dar continuidade a seus projetos bilionários, startups que vinham desenvolvendo eVTOLs (sigla em inglês para veículos elétricos de pouso e decolagem vertical, como são chamadas oficialmente as aeronaves) tiveram de abrir processo por insolvência ou pedir proteção da Justiça contra credores.

“Estamos testemunhando um certo grau de consolidação, no qual apenas um pequeno número de empresas realmente críveis permanece no mercado”, diz o diretor de tecnologia da inglesa Vertical Aerospace, Michael Cervenka.

O executivo afirma que a empresa tem hoje capital para operar por quase todo o ano de 2025 e deve levantar mais recursos até março. A Vertical gasta cerca de US$ 100 milhões por ano – o que indica que ainda precisará de novos aportes até 2028, prazo que estabeleceu para conseguir a certificação de sua aeronave.

No ano passado, a empresa precisou levantar recursos no mercado para afastar uma crise de liquidez e seu fundador, Stephen Fitzpatrick, acabou cedendo o controle da companhia para garantir o resgate financeiro.

Há quatro anos, a Vertical e outras empresas do segmento atraíram bilhões de dólares com a promessa de revolucionar o transporte aéreo ao produzir aeronaves com motores elétricos, que reduziriam o barulho na comparação com os helicópteros e cortariam a emissão de poluentes. Também tornariam esse modelo de transporte mais barato, pois os “carros voadores” teriam custos de manutenção inferiores. Agora, no entanto, parte das companhias pena diante das dificuldades de levantar mais recursos para desenvolver programas caros e de certificar as aeronaves com as autoridades regulatórias.

A disputa para colocar o “carro voador” em operação começou com mais de cem empresas em todo o mundo. Em 2021, algumas delas despontaram como prováveis vencedoras dessa corrida ao fazerem fusões com Spacs – companhias que primeiro abrem capital na Bolsa para, depois, buscar um projeto para investir.

À época, a leitura dos especialistas no setor aéreo era que o desenvolvimento da aeronave demandaria bilhões de dólares e os projetos que levantassem mais recursos (fosse via Spacs ou outro modelo de transação) teriam mais chance de saírem vencedores. Houve startup que chegou a conseguir US$ 1,6 bilhão, mas, para algumas – que queimaram caixa a um ritmo acelerado –, o valor não foi suficiente, e o dinheiro acabou antes de a aeronave ser comercializada. •

Sem caixa Algumas startups conseguiram um grande volume de recursos, que foram gastos rapidamente

Nos últimos anos, o setor de eVTOLs (veículos elétricos de decolagem e pouso vertical) tem experimentado um crescimento exponencial, com várias startups ao redor do mundo competindo para serem as primeiras a comercializar esses “carros voadores”. No entanto, quase todas também enfrentam percalços. Confira a situação das principais desenvolvedoras de eVTOL:

LI LI UM. A alemã Lilium foi apontada, em 2021, pela Lufthansa e pela consultoria Roland Berger, como uma das mais promissoras do segmento. No fim do ano passado, porém, ela pediu à Justiça da Alemanha o equivalente à recuperação judicial do Brasil. A solicitação foi feita após a companhia não conseguir financiamento do banco de desenvolvimento alemão, KfW.

Após pedir recuperação judicial, a Lilium assinou um acordo para vender seus ativos para a Mobile Uplift Corporation, uma empresa criada por um consórcio de investidores. O negócio deveria ter sido concluído no mês passado, mas ainda não foi fechado. A expectativa é que ele garanta investimentos para as operações serem retomadas. Procurada, a Mobile Uplift afirmou, por meio da assessoria de imprensa, que não poderia dar entrevistas.

A startup, cujos papéis deixaram de ser negociados na Nasdaq em novembro, prometia realizar seu primeiro voo tripulado em breve. Ela tinha pedidos fechados e assinado memorandos de entendimento para a venda de cerca de 790 aeronaves. Seus dois primeiros eVTOLs estavam em fase de montagem.

VOLOCOPTER. Outra alemã, a Volocopter também apresentou, nos últimos dias de 2024, um pedido de abertura de processo de insolvência à Justiça do país após não conseguir um empréstimo com o governo federal alemão e o da Baviera. Fundada em 2011, a companhia desenvolve um eVTOL com apenas dois assentos. Isso é visto negativamente pelo mercado, dado que o custo do voo por passageiro deve ser mais caro que o das concorrentes, cujas aeronaves terão capacidade para quatro ou seis passageiros.

A startup prometia entrar em operação ainda neste ano, mas já não vinha cumprindo seus prazos. Foi ela quem anunciou que forneceria serviço de táxi aéreo sobre Paris durante a Olimpíada de 2024. Não conseguiu e acabou fazendo apenas voos demonstrativos sobre o Palácio de Versalhes. Ao Esta

dão, a assessoria de imprensa da Volocopter afirmou que não tem dado entrevistas por estar sob administração externa.

VERTICAL. Ainda na Europa, a inglesa Vertical conseguiu, recentemente, sobrevivera uma crise financeira. No fim de janeiro, ela anunciou ter levantado US$ 90 milhões no mercado, sendo US$ 25 milhões com a Mudrick Capital (seu principal credor). A empresa também converteu US$ 130 milhões de dívidas em ações.

Com o acordo, o fundador da startup, Stephen Fitzpatrick, teve de ceder o controle da Vertical. A Mudrick, americana que investe em empresa sem dificuldades financeiras, passou a sera principal acionista da companhia. “Sempre soubemos que precisaríamos levantar recursos adicionais”, diz o diretor de tecnologia da Vertical, Michael Cervenka.

EVE. Subsidiária da brasileira Embraer, a Eve está no grupo de empresas de eVTOL com mais força para avançar na corrida para colocar a aeronave em operação. No ano passado, ela conseguiu US$ 179 milhões para o desenvolvimento de seu “carro voador” e para o fortalecimento do balanço. Também levantou US$ 88 milhões com o BNDES para financiar a instalação de sua fábrica em Taubaté (SP).

A companhia tem o maior número de pré-encomendas do setor, com cartas de intenção para 2,9 mil eVTOLs. A receita potencial com a venda dessas aeronaves é de US$ 14,5 bilhões. Em meados do ano passado, a empresa apresentou seu protótipo em tamanho real. Procurada, a Eve não quis dar entrevista.

ARCHER. Outra empresa que vem avançando, a americana Archer levantou US$ 1,1 bilhão no ano passado. A maior parte dos recursos (US$ 430 milhões), porém, será destinada ao desenvolvimento de uma aeronave híbrida – e não elétrica – de uso militar. Quando anunciou a parceria para investir na área de Defesa, a Archer afirmou, por meio de nota, acreditar estar “bem posicionada, com um dos balanços patrimoniais mais fortes do setor, sem necessidades financeiras de curto prazo”.

Em janeiro, os analistas do JPMorgan que acompanham a empresa afirmaram que trabalham com a hipótese de a Archer capturar 10% do mercado de “carros voadores”, o que significaria US$ 7 bilhões em vendas. Procurada pela reportagem, a empresa não respondeu os pedidos de entrevista.

Subsidiária da Embraer tem se destacado com pré-encomendas robustas de aeronaves

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2025-02-16T08:00:00.0000000Z

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