Megacomplexo de luxo na Paulista inaugura mais uma etapa
Cidade Matarazzo abre hoje seu centro cultural com a exposição Inflamação, do artista indo-britânico Anish Kapoor. O complexo, na região da Paulista, manteve blocos do antigo Hospital Umberto I como marco da proposta de unir espaço tombado e inovações.
PRISCILA MENGUE
“Ao longo do tempo, as pessoas vão entender que essa é a parte mais importante”, diz Alex Allard, o francês idealizador da Cidade Matarazzo, na região central de São Paulo. Ele se refere à abertura ao público hoje da Casa Bradesco, que marcará uma nova fase do megacomplexo de luxo – paulatinamente inaugurado desde 2021 e conhecido pela capela que “flutuou” a 31 metros de altura durante escavações de pisos subterrâneos anos atrás.
O novo espaço cultural traz uma exposição do artista indobritânico Anish Kapoor, batizada de Inflamação, com obras de grande porte que ocupam dois pavimentos de um dos blocos do antigo Hospital Umberto I, a uma quadra da Avenida Paulista, na Bela Vista. Mesmo com a reformulação da construção, resquícios da instituição de saúde foram intencionalmente preservados.
A abertura marca, também, o novo momento da obra do complexo, de proporções monumentais e complexa engenharia: os cinco blocos do antigo hospital tiveram as fundações e a sustentação reforçadas para manter as características originais da fachada. Simultaneamente, ocorreram a demolição do miolo do predinho e as escavações a até 20 metros de profundidade. Ou seja, ficou o “esqueleto” original, enquanto o interior (e o subsolo) foi reformulado.
Allard compara a ambição do projeto às grandes catedrais europeias católicas construídas há séculos, pelo apuro arquitetônico e pelas intervenções de importantes artistas. “Somos criadores de um templo, um templo dos tempos modernos, que faz com que qualquer pessoa que entre fique inspirada.” O empresário fala em obsessão por detalhes, qualidade e técnica, o que o levou a reunir mais de uma centena de designers, artistas e arquitetos para o projeto.
O espaço foi parcialmente inaugurado em 2021, com novos trechos abertos paulatinamente até a entrega total – estimada entre abril e junho de
2025. “É uma entrega progressiva, porque o lugar é absolutamente gigante”, justifica ele, que prefere chamar o complexo de um “ecossistema”.
Hoje, a Cidade Matarazzo soma o Hotel Rosewood e seus restaurantes – dispostos na antiga maternidade e em uma nova construção, a Torre Mata Atlântica – a Capela Santa Luzia
e o Edifício Aya (escritórios). E há a Soho House, clube de criativos globais cuja sede na América do Sul foi inaugurada em junho, com anuidade entre R$ 8,1 mil e R$ 20,6 mil.
FUTURO. As fases seguintes da obra envolvem a inauguração de restaurantes (incluindo o da chef Bela Gil e uma unidade do libanês Em Sherif), butiques, serviços de bem-estar e diversos nos demais blocos.
Todas as operações passam pelo crivo de Allard, a fim de que estejam alinhadas aos preceitos da Cidade Matarazzo (desde a prioridade a alimentos de pequenos produtores até o citado consumo consciente).
Além disso, há a construção em andamento de um bulevar em parte da Rua São Carlos do Pinhal e da Alameda Rio Claro, interligando o complexo à Paulista. A ideia é se conectar com os parques (cuja concessão pública por 25 anos tem Allard como um dos responsáveis) e os demais centros culturais. O custo do megacomplexo é de R$ 3 bilhões. “É um desafio financeiro, porque toda a Faria Lima acha que tem de fazer 25 andares para ganhar dinheiro, e eu estou mostrando que esse lugar (que era) abandonado virou o mais valioso do Brasil (mesmo) com dois andares (o antigo hospital). E o que vai nos permitir convencer que esse novo lado da Paulista é também um novo lado do mundo? O sucesso financeiro.”
Para Allard, comparar a Cidade Matarazzo à maioria dos empreendimentos de hoje é como equiparar uma bolsa Birkin de U$ 200 mil a uma bolsa de plástico feita na China, vendida a R$ 5. “Quando você sai da curva, tem custo, mas também essa força de surpreender.” A partir dos resultados em São Paulo, está com novos projetos para construções históricas de Salvador e Rio.
Na Casa Bradesco, por exem
Avanço por etapas Novos trechos serão abertos paulatinamente até entrega total – prevista entre abril e junho de 2025
“Ao longo do tempo, as pessoas vão entender que essa é a parte mais importante”
Alex Allard
Idealizador
“Vai acabar virando um hub 24 horas: as pessoas vão poder vir aqui e ter diferentes experiências a todos os momentos”
Benjamin Ramalho
Diretor executivo
Casa Bradesco
Teatro subterrâneo, com pé-direito de 18 metros, tem inauguração ainda neste ano, em soft opening
plo, a assinatura principal é do franco-argelino Rudy Ricciotti, em parceria com o escritório brasileiro-norueguês SPOL Architects, mas outros espaços envolveram nomes como o premiado arquiteto francês Jean Nouvel, o também arquiteto francês Philippe Starck e o artista brasileiro Vik Muniz, dentre outros.
INVERSÃO. Na parte de engenharia, o processo que permitiu a criação da Casa Bradesco é chamado de “obra invertida”, por fazer o oposto do tradicional: o prédio (hospital) já existia e, portanto, os pavimentos subterrâneos foram construídos depois. Somou-se, ainda, a complexidade de sustentação das fachadas enquanto a parte interior era demolida. Como as instalações são tombadas, a alternativa para a expansão foi, portanto, “crescer” abaixo do nível do solo.
Na prática, foram duas obras dentro de uma, com o desafio de manter o “esqueleto” original intacto. Dessa forma, o uso de maquinário pesado foi restrito, a fim de evitar danos ao que deve ser preservado. “Aqui, a dificuldade é manter a construção tombada. Essa obra é completamente atípica, foram anos de estudo para definir as soluções técnicas”, afirma Gerson Sallum, diretor técnico das obras. Outro ponto foi garantir que a estrutura suportasse obras de arte de grande porte, de toneladas.
O NOVO ESPAÇO. Na Casa Bradesco, o maior exemplo dessa intervenção é o teatro subterrâneo com pé-direito de 18 metros, com inauguração ainda neste ano, em soft opening. O espaço terá um painel de LED de 850 m², cujas imagens estarão em diálogo com eventos e espetáculos previstos para o espaço multilinguagens.
Já os demais pavimentos da casa deixam o passado como hospital em maior evidência, em conjunto com as intervenções do novo projeto contemporâneo de Ricciotti, como o uso de madeira de demolição nos revestimentos do teto e de parte das paredes internas. Isso se soma à presença de marcas do tempo variadas, como pichações, descascados etc. Originalmente, a parte da Casa Bradesco era o bloco E do hospital, onde havia o ambulatório e a residência das freiras. Segundo dados oficiais, esse trecho data de 1918.
Entre programação cultural, eventos, gastronomia, capela e hotel, a ideia é que a Casa amplifique a variedade de roteiros que mesclam diferentes experiências do complexo. “Vai acabar virando um hub 24 horas: as pessoas vão poder vir aqui e ter diferentes experiências a todos os momentos”, descreve Benjamin Ramalho, diretor executivo do Bioma de Cultura do complexo.
“Temos uma cultura no Brasil, em São Paulo, de derrubar e fazer novo, e, aqui, realmente, é ligado à história. É um prédio 100% contemporâneo em termos de serviços e segurança, mas isso está escondido, para mostrar o prédio antigo”, diz o arquiteto norueguês Adam Kurdahl, da SPOL. Ele descreve o chão como um grande espelho d’água, pelo aspecto brilhoso, discreto, a fim de não interferir tanto na experiência dos visitantes.
Na prática, contudo, as grandes aberturas em vidro e as janelas do segundo pavimento tendem a atrair olhares. Delas, é possível observar a Torre Mata Atlântica, com árvores em suas varandas, a capela restaurada e a antiga maternidade, transformada em parte do hotel. Por enquanto, a vista estará coberta para não interferir na mostra. A exposição tem curadoria de Marcello Dantas, com obra inédita pensada especialmente para esse espaço.
HISTÓRICO. Popularmente conhecido como Hospital Matarazzo, o Hospital Umberto I remonta a 1904, com uma expansão paulatina ao longo de décadas. O espaço permaneceu em atividade até meados dos anos 1990. A desativação resultou na falta de um uso fixo por décadas – período em que recebeu apenas eventos pontuais, como uma edição da CasaCor e um desfile de Alexandre Herchcovitch, por exemplo.
A situação começou a mudar após a compra pela Boulevard Matarazzo Empreendimentos (liderada pelo Grupo Allard), em 2011. Dois anos depois, foi modificado o tombamento das construções menos antigas, o que viabilizou a obra da Torre Mata Atlântica e do Edifício Aya. A primeira inauguração foi da capela, em 2021 – o templo católico recebe missas periódicas, concertos e celebrações (como casamentos).
No mesmo ano, o hotel teve o seu soft opening, com a inauguração de mais restaurantes ao longo de 2022, como o Taraz (do chef Felipe Bronze). Paralelamente, árvores têm sido plantadas pelos jardins e até nas sacadas da torre.
Para Allard, a inauguração fracionada dos espaços ocorre em parte pelo porte de cada um. O hotel é, por exemplo, pensado para reunir as elites que antes consideravam aquele como o “lado errado da Paulista” – menos valorizado que a vizinhança do outro lado da avenida, nos Jardins.
Já o Aya, por outro lado, é pensado para fomentar novas ideias entre grandes lideranças empresariais e de startups, com um viés que envolve também uma preocupação ambiental. Por fim, a Casa Bradesco é pensada para trazer artistas contemporâneos, com obras que fomentam reflexões sobre a sociedade. “Essa exposição (de abertura) é para isso: chamar a atenção com beleza, com estética, mas, também, para se indignar. Não tenho dúvida de que vai ser um sucesso, que vai mudar a cidade.”
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