O Estado de S. Paulo

Vida pré-histórica em SP ganha novas cores com trabalho de arqueólogos

Busca científica mais do que dobrou o número de sítios rupestres conhecidos

JOSÉ MARIA TOMAZELA

Há quatro anos, havia 19 sítios com pinturas, grafismos e desenhos pré-históricos no Estado. Hoje, são 54.

Em quatro anos, o trabalho de uma equipe de arqueólogos mais do que dobrou o número de sítios rupestres conhecidos no Estado de São Paulo. Em 2019, quando o trabalho coordenado pelo Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da Universidade de São Paulo (USP) teve início, havia registros de 19 sítios com pinturas, grafismos e desenhos produzidos pelas populações pré-históricas que habitaram o Estado. Agora, já são 54 e as pesquisas ainda não terminaram.

As manifestações deixadas por nossos ancestrais em rochas e paredões estão, agora, mais acessíveis à população. Um mapa desenvolvido também sob a coordenação do MAE-USP permite uma visualização desses ambientes, muitos deles situados em locais de difícil acesso ou em áreas particulares. É o primeiro mapa que reúne dados arqueológicos, informações a respeito dos sítios, imagens e modelos tridimensionais no Estado.

Dos 54 sítios com registros rupestres inseridos no mapa, mais de 30 ainda são inéditos e foram identificados pela equipe da arqueóloga Marília Perazzo, pós-doutoranda do MAE, durante os trabalhos de campo. Muitos foram achados durante a visita a um sítio já existente. “A gente já sabia que, quando tem um, pode haver outros na mesma área. Isso se confirmou. Podemos dizer que, se São Paulo ainda não estava no mapa rupestre do Brasil, agora está”, disse.

NOVIDADES. Entre os sítios incluídos no mapa estão alguns de grande expressão, como a Pedra do Dioguinho, no município de Dourado, que tem o maior painel rupestre já identificado no Estado, com 48 metros de extensão. Conforme informações do aplicativo, foram identificadas no local 16 manchas gráficas compostas de grafismos, além de gravuras que remetem a círculos, semicírculos, grades e pontos sequenciais. A formação desse sítio arqueológico ocorreu há cerca de 4 mil anos.

Marília contou que as pesquisas para a elaboração do mapa começaram em 2019 e vêm sendo feitas de forma ininterrupta. Ela desenvolve seu projeto de pós-doutorado sobre os sítios rupestres paulistas com a supervisão do arqueólogo Astolfo Araújo, coordenador do Laboratório de Pesquisa em Evolução, Cultura e Meio Ambiente (Levoc) do MAE.

O estudo está vinculado a outro projeto sobre a ocupação humana do sudeste da América do Sul durante o Holoceno (tempo geológico iniciado há 11,6 mil anos), que tem entre as metas elaborar uma carta arqueológica dos sítios rupestres. Marília lembra que os sítios com grafismos rupestres aparecem em toda extensão geográfica brasileira, tendo sua maior expressão em áreas de Norte, Nordeste e Centro-Oeste do País.

SEM MUITOS REGISTROS ANTERIORES.

“O Estado de São Paulo não teve muita expressão no cenário de registros rupestres nas últimas décadas, tendo sido marcado mais por pesquisas em sambaquis e sítios com materialidade lítica. A

ideia anterior era que a área consistia em um hiato desses vestígios. Foi buscando compreender esse cenário rupestre paulista que iniciamos nossas pesquisas”, disse.

O trabalho de campo levou a pesquisadora e sua equipe a visitar 37 dos 54 sítios listados. Além da descrição e imagens da arte rupestre, parte delas em 3D, o mapa contém dados de datação e referências bibliográficas.

“Não damos a localização exata para evitar que eventualmente os sítios se tornem alvo de vandalismo, de pessoas que queiram retirar os desenhos”, afirma Marília. “Perdemos um sítio em Guarulhos, que se tornou um local muito visitado, porque colocaram fogo e destruíram as gravuras”, contou.

LEVANTAMENTO BIBLIOGRÁFICO.

Antes de ir a campo, a pesquisadora e sua equipe realizaram um amplo levantamento bibliográfico sobre os sítios rupestres paulistanas, identificando alguns que já foram destruídos. Na pesquisa de referências existentes desde a década de 1980, foram catalogados 19 sítios com grafismos. “Sabíamos que, se intensificássemos a pesquisa nos locais desses sítios, poderíamos ampliar esse número e foi o que aconteceu”, disse. Ela conta que, durante a visita a um sítio já existente no município de Cajuru, outros quatro foram identificados na mesma região.

MAPA.

O pesquisador científico da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Eduardo Krempser, usou um modelo concebido pela QuipoTech, startup residente na incubadora do Laboratório Nacional de Computação Científica, para tornar o mapa simples de usar e flexível para atualizações futuras. O trabalho teve também a participação da arqueóloga Daniela Cisneiros, da Universidade Federal de Pernambuco, das mestrandas do MAE Kamila Rezende Firmino e Maíra Rodrigues e da colaboradora do Levoc Ana Cristina Hochreiter.

O desenvolvimento do projeto, apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), evidenciou áreas de alto potencial arqueológico e o registro de sítios com grafismos rupestres que até então eram desconhecidos no Estado de São Paulo. O trabalho é o primeiro a fazer a análise e caracterização desses grafismos.

“O registro preciso e sistemático destes sítios é fundamental para que os dados possam ser utilizados como referência para pesquisas futuras”, disse a arqueóloga.

ATÉ 2024. Segundo Marília, a pesquisa de campo vai prosseguir este ano e em 2024. “Além de ir aos sítios que ainda não visitamos, temos informações de possíveis sítios em outras áreas que ainda vamos pesquisar. O banco de dados continuará a ser alimentado no decorrer do desenvolvimento das pesquisas, gerando atualizações em tempo real do mapa”, afirmou.

Os sítios foram divididos em três categorias: visitado, não visitado e destruído. Os não visitados, por dificuldade de acesso ou falta de anuência dos proprietários, quando em área privada, foram identificados por meio de pesquisas.

Alguns serão visitados este ano ou em 2024. Sítios destruídos são aqueles em que a equipe não identificou os registros rupestres, restando apenas referências bibliográficas. O único sítio destruído inscrito no mapa é a Gravura de Piracicaba, localizada no município do mesmo nome: as gravuras rupestres compostas por conjuntos de linhas já não existem mais.

AUTORIZAÇÃO PARTICULAR.

A pesquisadora lembrou que a maior parte dos sítios arqueológicos fica em propriedades particulares e alguns, em regiões importantes do Estado, não puderam ser visitados durante a pesquisa por falta de anuência dos proprietários desses locais. “Tivemos a colaboração de alguns proprietários que entenderam a importância do nosso trabalho e nos auxiliaram nas visitas. Outros que são importantes do ponto de vista arqueológico não puderam ser visitados por causa da falta de anuência dos proprietários. Essa negativa é prejudicial, visto que impossibilita o registro dos sítios e o acompanhamento do seu estado de preservação”, afirma a especialista. •

Próximos passos

Os sítios foram divididos em três categorias: visitado, não visitado e destruído. Visitação prosseguirá em 2024

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2023-08-28T07:00:00.0000000Z

2023-08-28T07:00:00.0000000Z

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