O Estado de S. Paulo

Hacker que sepultou Lava Jato relata ter se unido a Zambelli e Bolsonaro

Em depoimento, Walter Delgatti Neto diz ter se encontrado com então presidente no Alvorada; deputada teria patrocinado atos, com transferências feitas por dois assessores

PEPITA ORTEGA SÃO PAULO LEVY TELES BRASÍLIA

Preso pela PF, Walter Delgatti Neto disse ter sido pago pela deputada Carla Zambelli (PL-SP) para tentar invadir o sistema de urnas eletrônicas. O hacker sugeriu que a investida foi incentivada pelo então presidente Jair Bolsonaro. Conhecido como “Vermelho”, Delgatti foi peça-chave no caso que tornou explícitos desvios de conduta na condução da Operação Lava Jato.

“Vermelho” – nome de guerra de Walter Delgatti Neto, o hacker de Araraquara (SP) apontado como peça-chave na intriga que tornou explícitos desvios de conduta na condução da Operação Lava Jato – passou a trabalhar diretamente com o círculo bolsonarista às vésperas da eleição do ano passado e, segundo disse em depoimento à Polícia Federal, participou de uma tentativa frustrada de invadir o sistema das urnas eletrônicas. O hacker disse que foi financiado pela deputada Carla Zambelli (PL-SP) e sugeriu, em seu relato, que a investida foi incentivada pelo então presidente Jair Bolsonaro, com quem ele se encontrou pessoalmente no Palácio da Alvorada, residência oficial da Presidência.

Delgatti foi preso preventivamente ontem pela PF, sob a acusação de introduzir nos cadastros eletrônicos do Banco Nacional de Mandados de Prisão (BNMP) – administrado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) – 11 alvarás de soltura e um mandado de prisão falso contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).

Foi o próprio Moraes, também presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que emitiu o mandado de prisão de Delgatti. Foram emitidos ainda mandados de busca e apreensão contra Zambelli e outras duas pessoas, assessores da deputada. As ordens judiciais foram cumpridas na residência da parlamentar, em São Paulo, e no seu gabinete, em Brasília. Foram apreendidos o passaporte de Zambelli, dois telefones celulares e um disco rígido de computador.

‘À DISPOSIÇÃO’. Em depoimento prestado no dia 27 de junho, Delgatti relata ter tido contatos com a deputada a partir de setembro do ano passado, quando ela o procurou – de acordo com ele, o interesse de Zambelli era encontrar fragilidades no sistema de votação. A partir do mês seguinte, passou a receber pagamentos “para ficar à disposição” da deputada. Em outubro de 2022 veio o primeiro pagamento, no valor de R$ 3 mil. O hacker disse que os repasses foram efetuados por um assessor da parlamentar, “chamado Jean, por transferência bancária e em dinheiro em espécie, levado pelo motorista da deputada, Renan”.

Depois, recebeu transferências via Pix de R$ 13,5 mil – R$ 10,5 mil enviados por Renan César Silva Goulart, que atuaria como assistente parlamentar do deputado estadual Bruno Zambelli (PL-SP), irmão de Carla, e ex-secretário da parlamentar; e R$ 3 mil de Jean Hernani Guimarães Vilela, que é secretário parlamentar de Zambelli desde maio. Renan e Jean também foram alvo de busca e apreensão e tiveram seus sigilos bancários quebrados por ordem de Moraes.

Segundo Delgatti, foi Zambelli que escreveu o mandado de prisão falso inserido no BNMP. De acordo com ele, a deputada pediu que, caso não conseguisse hackear as urnas, que obtivesse “conversas comprometedoras” de Moraes. O hacker alegou que explorou a plataforma do CNJ para encontrar vulnerabilidade e, quando conseguiu achar uma porta de entrada, contatou Zambelli dizendo que conseguiria emitir um mandado de prisão em desfavor do ministro do Supremo, como se fosse o próprio Moraes o autor do documento.

Conforme o hacker, Zambelli “ficou empolgada”, fez o texto e enviou para que ele publicasse. Delgatti disse que “fez algumas alterações, pois o português estava meio ruim, e emitiu o mandado de prisão e o bloqueio de valores, no exato valor da multa aplicada ao PL” – R$ 22 milhões, em razão do ataque às urnas eletrônicas.

CÓDIGO. No encontro no Alvorada, o então presidente teria perguntado a Delgatti “se, munido do código-fonte, conseguiria invadir a urna eletrônica”. A tentativa de invasão do sistema de votação não prosperou. O hacker relatou que o acesso concedido pelo TSE era local – ou seja, seria preciso estar nas dependências da Justiça Eleitoral para acessar o sistema. O depoimento registra que ele “não conseguiu invadir o TSE, mesmo após diversas tentativas, pois o código-fonte da urna eletrônica não fica hospedado em computador com acesso à internet, mas em um computador offline, não sendo possível o acesso externo”.

Em coletiva após a operação, Zambelli tentou desvincular Bolsonaro do caso. “O presidente Bolsonaro absolutamente não teve nada a ver com isso”, afirmou. Ela admitiu ter contratado Delgatti, mas disse que sua função era realizar serviços relativos às redes sociais da parlamentar (mais informações na página ao lado).

Justificativa Parlamentar admite que contratou ‘Vermelho’, mas para administrar redes sociais e website

‘VAZA JATO’. Quando foi contactado por Zambelli, Delgatti já era conhecido da polícia. Ele é apontado como responsável pelo vazamento de conversas do ex-juiz Sérgio Moro e de integrantes do Ministério Público, no caso que ficou conhecido como “Vaza Jato”. As mensagens demonstraram que Moro (hoje senador pelo União Brasil do Paraná) e o então chefe da força-tarefa da Lava Jato, Deltan Dallagnol (deputado cassado), combinavam ações, atitude que não é permitida pela lei.

Ontem foi a terceira vez que “Vermelho” foi preso por crime cibernético. A primeira foi na Operação Spoofing, originada pelos vazamentos da Lava Jato. A segunda, quando desobedeceu aos termos de sua liberdade condicional, que o impediam de usar computadores com acesso à internet. •

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2023-08-03T07:00:00.0000000Z

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