Líder da ultradireita tem vida pessoal questionada por rivais
Weidel, do anti-imigrante e conservador AfD, mora na Suíça e é casada com mulher do Sri Lanka Ex-analista de investimentos de 46 anos se tornou o rosto improvável de um partido ultranacionalista
CHRISTOPHER F. SCHUETZE DE AUGUSTO CALIL TRADUÇÃO
Quando o vice-presidente americano J.D. Vance criticou seus anfitriões alemães, há duas semanas, por marginalizar partidos de extrema direita, ele não mencionou o nome do Alternativa para a Alemanha, conhecido como AfD.
Mas, logo após seu discurso na Conferência de Segurança de Munique, na qual ele surpreendeu a sala ao comparar a democracia na Europa de hoje ao totalitarismo da era soviética, Vance se encontrou com Alice Weidel, a líder do AfD.
Uma ex-analista de investimentos que cria na Suíça dois filhos com sua mulher nascida no Sri Lanka, Weidel, 46 anos, tornou-se o rosto improvável do AfD. Seu partido nacionalista faz campanha em uma plataforma que é anti-imigrante e define a família como um pai e uma mãe criando filhos.
Uma favorita do novo governo americano, recebendo um endosso de Elon Musk, ela tem sido essencial para o esforço do AfD para entrar no mainstream, ajudando a impulsionar o partido para um confortável segundo lugar antes da eleição nacional de ontem.
Weidel, cujos suéteres de gola alta ou camisas de colarinho aberto e colares de pérolas se tornaram sua marca, emprestou uma imagem mais cosmopolita a um partido que foi ligado a neonazistas e conspirações para derrubar o Estado.
Mas o AfD dela não é menos extrema. “Com Alice Weidel no comando, o AfD se tornou cada vez mais radical”, disse Ann-Katrin Müller, especialista no AfD do Der Spiegel, um dos veículos de notícias mais importantes da Alemanha.
O AfD surgiu à frente dos social-democratas de centro-esquerda do atual chanceler, Olaf Scholz, e atrás dos democratas-cristãos conservadores de Friedrich Merz, que consolidou seu favoritismo como próximo chanceler. Nos resultados finais após a votação de ontem, o CDU de Friedrich Merz apareceu em primeiro lugar, com 28,5% dos votos; e em segundo, o AfD e Alice Weidel, com 20,8%. É o melhor resultado para a extrema direita alemã desde a 2ª Guerra.
POPULAR. Esses partidos insistem que nunca fariam parceria com o partido de Weidel para formar um governo. Mas o mais recente sucesso de Weidel em apresentar o AfD como apenas mais um partido veio quando ela se juntou a um debate televisionado com seus rivais tradicionais, que incluíam
Robert Habeck, concorrendo pelos Verdes. O desempenho de Weidel foi amplamente considerado irregular, mas, mesmo assim, ela saiu do evento como vencedora — foi a primeira vez que o AfD foi convidado para um debate como esse, assistido por milhões de eleitores. Em um ponto da campanha, as pesquisas a classificaram como a candidata a chanceler mais popular entre todos os partidos.
INTOLERANTE. Mas, se o ar professoral e a história pessoal de Weidel sugerem um abrandamento da linha do partido, sua linguagem não sugere isso. Ela prometeu derrubar turbinas eólicas e demitir professores de estudos de gênero. Ela falou sobre “remigração”, um termo usado pela extrema direita que é amplamente interpretado como código para deportações.
“Deixe absolutamente claro para o mundo inteiro: as fronteiras alemãs estão fechadas”, ela disse a uma multidão animada quando o AfD a nomeou oficialmente como sua candidata no mês passado.
Weidel se recusou a falar com a reportagem para este artigo. Em entrevistas com a mídia alemã, ela tem sido alternadamente charmosa e mordaz.
Ela tem se recusado a se distanciar dos membros mais extremistas de seu partido, alguns dos quais minimizaram o Holocausto e o passado nazista da Alemanha.
“Ela e as pessoas por trás dela agora dominam o partido, e são ideologicamente muito próximas de Björn Höcke”, disse Müller, referindo-se a um líder estadual do AfD multado por um tribunal por usar linguagem nazista. Weidel disse ao Bild, o maior tabloide da Alemanha, que colocaria Höcke em seu gabinete se ela se tornasse chanceler.
Weidel cresceu em uma família católica de classe média em Harsewinkel, cidade na Renânia do Norte-Vestfália, no oeste do país, com dois irmãos e um dachshund. O pai era vendedor; e a mãe, dona de casa.
NETA DE NAZISTA. Seu avô era membro do partido nazista e foi nomeado juiz militar na Varsóvia ocupada, informou o Die Welt, diário conservador. Weidel respondeu que não conhecia seu avô, que morreu quando ela tinha 6 anos, e que o passado nazista nunca foi um tópico de discussão na família.
Enquanto terminava um doutorado em economia na Baviera, ela passou um tempo na China. Segundo seu próprio relato, aprendeu mandarim. Mais tarde, trabalhou no Credit Suisse e no Goldman Sachs como analista. Em entrevistas com a mídia alemã, falou sobre seu amor pelo feng shui, natação e tênis quando era menina.
Oficialmente, ela divide o tempo entre sua casa em uma pequena cidade no centro da Suíça e uma em seu distrito eleitoral no Lago Constança, no sul da Alemanha. Mas Weidel admitiu que não passa muito tempo no endereço alemão.
Ela diz que isso ocorre por questões de segurança. Apesar dos ganhos de seu partido, ela continua sendo um para-raios de indignação em um país onde a maioria dos alemães acredita que o AfD deve ser evitado.
Sua ausência da Alemanha se tornou um assunto delicado para a líder de um partido nacionalista. Ela abandonou uma entrevista transmitida esta semana por uma emissora pública quando perguntaram a ela quantas noites havia dormido em seu endereço alemão. Na mesma entrevista, ela admitiu que não sabia quantas pessoas viviam no distrito que ela representa como membro do Parlamento.
Em novembro, Weidel disse a um grupo de líderes empresariais em Zurique que sua situação de segurança havia se tornado tão difícil que era difícil até mesmo sair espontaneamente para dançar ou jantar com sua mulher, a cineasta Sarah Bossard.
“Sou incrivelmente grata à minha mulher por aguentar isso”, disse. Apesar de ter sido questionada muitas vezes, Weidel se recusa a explicar como ela concilia a aparente contradição entre sua vida pessoal e a visão de sociedade que seu partido representa. “Eu não sou queer”, Weidel disse a um entrevistador, “mas sou casada com uma mulher que conheço há 20 anos”.
Especialistas dizem que o fato de a vida pessoal de Weidel desafiar a ortodoxia do partido aumenta sua reivindicação de carregar a bandeira do AfD e faz o partido parecer mais popular. “Weidel se tornou o rosto do partido por causa de sua biografia e sua formação e por causa de sua capacidade de falar claramente, mesmo que sem muita empatia”, disse o cientista político Werner Patzelt.
Ela se juntou ao AfD em 2013, quando era um partido construído em oposição à moeda europeia comum.
“Weidel se tornou o rosto do partido por sua biografia, sua formação e sua capacidade de falar claramente” Werner Patzelt Cientista político
Eleita para o Parlamento pela primeira vez em 2017, ela argumenta que o partido é libertário, não nacionalista de direita – posição que a coloca em desacordo com alguns dos membros mais fervorosos do AfD.
Seu inglês fluente a ajudou a construir um relacionamento com Musk, o conselheiro bilionário do presidente americano Donald Trump, que entrevistou Weidel em sua plataforma de mídia social X.
Musk surpreendeu o partido em dezembro quando foi transmitido para uma tela grande, em evento de campanha em Halle, onde endossou o AfD e disse aos membros reunidos que os alemães tinham “muito foco na culpa pelo passado”. Musk retratou Weidel como “uma pessoa muito razoável” e distanciou ela e o AfD dos nazistas.
Apesar dos esforços, parece que alguns fiéis do partido não captaram a mensagem. Quando Weidel subiu ao palco em Halle, a multidão começou um canto que era uma brincadeira não muito sutil com um slogan nazista, “Tudo para a Alemanha”, uma frase que já foi esculpida nas facas dos soldados. É proibida na Alemanha.
A multidão o alterou levemente. “Alice para a Alemanha!”, eles gritavam. •
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