Cenário mundial ‘bélico’ desafia País a ampliar autonomia militar
Militares defendem projetos como os de mísseis e submarino nuclear
MARCELO GODOY
Em um mundo cada vez mais “bélico”, com países elevando gastos em segurança, a volta de Donald Trump à presidência dos EUA projeta desafios para a Defesa nacional, informa Marcelo Godoy. Entre os cenários vislumbrados, está o de possíveis ameaças à soberania do País, o que forçaria o Brasil a buscar soluções militares mais autônomas em relação a potências extrarregionais, diversificando fornecedores. O custo, porém, não é pequeno.
Para os militares, este é o momento para convencer lideranças civis da importância de projetos como o Prosub (submarinos convencionais e nuclear), o MTC-300 (míssil tático de cruzeiro) e a aquisição de sistema de artilharia de média altura.
Oexército e a polícia da Colômbia estão em busca de recursos para manter o combate aos guerrilheiros do ELN e aos dissidentes das Farc bem como aos narcotraficantes do Clã do Golfo. O corte da ajuda americana ao país – suspenso por 90 dias – e a perspectiva de que o governo de Gustavo Petro deixe de receber os US$ 400 milhões que os Estados Unidos enviarama opaísp ara operaçõesm ilitares na selva ameaçam paralisara frota de helicópteros Black Hawks, usados para transportar operações especiais. Ações estão sendo suspensas, facilitando a vida do crime organizado.
A situação envolvendo a Colômbia, bem como as ameaças de Donald Trump à Dinamarca – um aliado da Otan – e à soberania do Canadá e do Panamá, despertou a atenção de militares brasileiros e de integrantes da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa da Câmara dos Deputados.
De imediato, a crença é de que a nova administração americana vai afetar o relacionamento do U.S. Southern Command (Southcom), o Comando Sul militar americano, com as Forças Armadas dos países do Caribe e da América do Sul. Em um contexto no qual o mundo vem se tornando cada vez mais bélico, com países aumentando continuamente os gastos com segurança ( mais informações nesta página), a volta de Trump à presidência dos Estados Unidos projeta desafios para Defesa nacional.
Quando estava à frente do Southcom, a general Laura Richardson chegou a defender um “Plano Marshall” para a região como forma de fechá-la à influência chinesa. Mais do que negar esse caminho, Trump sinaliza para a retirada do dinheiro americano que servia a muitos desses países. Richardson dizia que onde o dólar sai, o yuan entra. As prioridades americanas, porém, serão outras, como o combate às drogas e o uso de Guantánamo para guardar imigrantes ilegais, inclusive brasileiros.
O tom assertivo da nova diplomacia americana pode, de acordo com militares ouvidos pelo Estadão, levar à revisão de parcerias. Embora não haja ainda nada de concreto que afete as relações dos Estados Unidos com o Brasil no campo da Defesa.
SOLUÇÕES. Mas as especulações começaram. Entre os cenários vislumbrados pelos militares brasileiros ouvidos pelo Estadão está o de possíveis ameaças à soberania do País, o que forçaria o Brasil a buscar soluções militares cada vez mais autônomas em relação a potências extrarregionais. Mas isso tem um custo. E não é pequeno.
Veterano da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, o deputado Carlos Zarattini (PT-SP) disse que diversificar fornecedores “é positivo”. Para ele, a situação brasileira é diferente da colombiana. Primeiro, porque não há bases americanas no País – embora o governo de JairBol sonar o tenha permitido que a inteligência dos Estados Unidos operasse em Roraima, quando Washington buscou derrubar Nicolás Maduro. Depois, porque “há pouco recurso americano no Brasil”.
“Nós compramos (o Exército adquiriu, em 2024, 12 Black Hawks dos Estados Unidos
por US$ 960 milhões). Temos helicópteros de fabricação americana e não americanos no País”, afirmou, em referência à prática de leasing adotada pela Colômbia.
É nesse contexto que surge, para os militares, um novo momento para convencer as lideranças civis da importância de projetos como o Prosub – com sua frota de submarinos convencionais e um nuclear –, o MTC-300 (Míssil Tático de Cruzeiro com alcance de 300 quilômetros) e a aquisição de um sistema de artilharia de média altura.
As assessorias parlamentares das Forças aguardam a definição da composição das comissões de Relações Exteriores e Defesa da Câmara dos Deputados e do Senado para voltar a defender a previsibilidade dos gastos na área e dinheiro para projetos estratégicos para a soberania.
A lógica por trás desse movimento é uma só: e, se depois do Canal do Panamá, for a vez da Amazônia? Para o coronel Paulo Roberto da Silva Gomes Filho, do Centro de Estudo Estratégico do Exército, o Prosub e o MTC-300 são “um bom começo” para garantir a capacidade antiacesso/negação de área para nossas forças. Permitiria negar o uso do mar e alvejar potenciais adversários antes de chegarem ao território nacional.
SUBMARINOS. O Prosub já entregou dois submarinos convencionais à Marinha e deve entregar outros dois, além do Álvaro Alberto, o primeiro a ter propulsão nuclear. Em construção no Complexo Naval de Itaguaí, no litoral Sul do Rio, ele deve ficar pronto até 2033. Além disso, a Marinha prepara uma versão com alcance ampliado do míssil Mansup que atingiria alvos a até 200 quilômetros de distância e poderia ser usado para a defesa da costa pelos batalhões de fuzileiros.
O caso do MTC-300 depende do desenlace da crise da Avibrás, a empresa responsável pela produção do míssil em parceria com o Exército. Um consórcio de quatro empresas nacionais e estrangeiras apresentou uma proposta para salvar a indústria até o dia 4 de abril. Entre elas estaria a Akaer, que lidera o consórcio Força Terrestre, responsável pela modernização dos blindados Cascavel. O MTC300 poderia ser disparado pelo sistema Astros. Suas primeiras unidades deveriam ter sido entregues em 2020 em um programa cujo investimento estimado era de R$ 2,5 bilhões.
Outro ponto fundamental seria a aquisição da antiaérea de média altura. Este é um interesse das três Forças. Por isso, envolve o Ministério da Defesa. A solução poderia ser um acordo entre os governos do Brasil e da Índia, o que permitiria ao País adquirir o novo sistema de mísseis terra-ar Akash NG.
O Exército lançou em 2024 consulta pública para a aquisição do sistema dentro do Programa Estratégico do Exército Defesa Antiaérea. A Índia está expandindo sua indústria de Defesa e a compra de seus equipamentos não causaria questionamentos geopolíticos. Outra opção aposta em um projeto nacional, que poderia ser feito pela Avibrás.
A Força terrestre está preparando o 12.º Grupo de Artilharia de Campanha (12.º GAC), com sede em Jundiaí (SP), para abrigar o novo sistema. Ao longo deste ano, ele se tornará o 12.º Grupo de Artilharia Antiaérea (12.º GAAAe). Além da aquisição externa, o Exército não descarta o desenvolvimento dentro do nosso país, da mesma forma que ocorreu com o míssil anticarro MSS 1.2 AC, produzido pela Siatt, que se tornou fundamental para a dissuasão a qualquer aventura venezuelana em Roraima diante do atraso dos israelenses na entrega dos Spike LR2 e da relutância dos americanos em vender o Javelin.
GEOPOLÍTICO. Nas três Forças, há um consenso sobre a necessidade de deixar claro à sociedade brasileira a visão delas em relaçãoà mudançado cenário geopolítico internacional. Para muitos oficiais generais, o País poderá ser obrigado abuscar um nível de autonomia militar em relação a potências extrarregionais, uma posição que o País nunca teve. Anov aposturada diplomacia americana sob Trump em relaçãoàAmér icado Sul pode obrigar, porém, o Brasil a assumir novas responsabilidades como liderança regional.
Dificilmente, porém, uma total independência em relação aos Estados Unidos seria alcançada. “É muito, muito difícil substituir a indústria do Ocidente. Causaria um terremoto técnico e doutrinário. Muita coisa teria que mudar, a um preço enorme”, disse o coronel Paulo Filho.
“É muito, muito difícil substituir a indústria do Ocidente. Isso causaria um terremoto técnico e doutrinário. Muita coisa teria que mudar, a um preço enorme”
Paulo Roberto da Silva Gomes Filho
Coronel
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O Estado
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