O Estado de S. Paulo

Vinte anos após tragédia, Brasil revela plano de lançar microssatélite

Em 2003, explosão do veículo lançador de satélites (VLS) matou 21 civis na Base de Alcântara (MA). Agora, o País se concentra em foguete para enviar microssatélites.

BRUNA ARIMATHEA CAIO POSSATI

A Índia celebrou na quarta-feira o pouso de uma espaçonave na Lua, após um fracasso em 2019. A Rússia fracassou no mesmo objetivo este mês, mas a missão espacial, a maior de Moscou em 47 anos, continua. A China é ainda mais ousada: prevê ter astronautas em solo lunar até 2030. O Brasil não está tão avançado, mas planeja colocar um foguete nacional em órbita, 20 anos após seu maior acidente na área.

Em agosto de 2003, o País já previa um Veículo Lançador de Satélites, o VLS. Mas o equipamento pegou fogo três dias antes do lançamento, no dia 22 daquele mês, como o Estadão mostra no podcast: Alcântara: O desastre espacial brasileiro. Aquela já era a terceira tentativa de enviar o VLS — as outras foram em 1997 e em 1999. Mas nenhuma teve saldo tão trágico quanto a de 2003, quando 21 técnicos e engenheiros morreram. O revés freou as ambições do programa espacial brasileiro. A promessa do VLS foi adiada sucessivas vezes, até ele ser encerrado em 2016.

“Perdemos mentes brilhantes. Quem sabia construir foguetes naquela época era essa turma que nos deixou em 2003”, afirma o diretor do Centro de Lançamentos de Alcântara (CLA), coronel Fernando Benitez. “Tivemos de formar uma nova geração, que pudesse substituí-los, no sentido técnico.” Após esse hiato, a nova aposta do Brasil na área envolve uma letra diferente na sigla, mas com mudanças no projeto. O nome agora é VLM, veículo lançador de microssatélites.

O QUE MUDOU? Os dois foguetes têm o mesmo tamanho (19,4 metros). A nova versão poderá levar cargas úteis de até 100 quilos, ante 350 quilos do VLS, e atingir uma altura de 300 quilômetros. No projeto anterior, a altitude prevista era de 750 quilômetros.

Parte de parentes das vítimas interpretam o fim do VLS como um insucesso do programa espacial e descompromisso com os técnicos e engenheiros que morreram na execução do projeto há 20 anos. O Coronel Benitez diz que a mudança de programa do VLM está associada a uma atualização da tecnologia. “O VLS era uma categoria de satélites de 150 quilos e agora a tendência mundial é de lançamentos de satélites menores.”

Microssatélite é o tipo de equipamento utilizado pela Starlink, serviço do bilionário Elon Musk, que emprega dispositivos em órbita baixa para internet. Em um só dia, Musk consegue colocar mais de 40 unidades no espaço.

PARCERIA ALEMÃ. O VLM é uma parceria com o Centro Aeroespacial Alemão (DLR, na sigla em alemão), responsável pelo desenvolvimento de parte dos sistemas. Já o lado brasileiro vai desenvolver o motor e sistemas de navegação reservas, além de preparar toda a estrutura de voo, que vai ser feita em Alcântara.

O engenheiro José Bezerra trabalhou no Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE), órgão militar responsável pelos projetos do VLS. Ele, que atuou nas três operações de desenvolvimento do foguete até 2003, vê com pessimismo o momento. “Nossas atividades são quase nulas. Existem mais em apresentações power point do que em termos reais.”

Mas se o Brasil tem tantas demandas em outras áreas, por que investir na exploração espacial? “Não tem como fugir”, diz Marco Antônio Chamon, presidente da Agência Espacial Brasileira. “Você não faria monitoramento de desmatamento na Amazônia sem apoio espacial. Não faz monitoramento de oceanos sem isso. O espaço é absolutamente necessário para nós, pelas nossas riquezas.”

PARA 2027. O projeto do VLM começou em 2016. Até agora, só um motor, chamado S-50, foi testado em uma simulação em que o equipamento fica deitado e preso em uma espécie de grade. Ainda é necessário mais um teste desse tipo para que ele possa passar por uma simulação de voo e, com isso, o lançamento do veículo de microssatélites é previsto para 2027. O equipamento partirá da Base de Alcântara, no litoral do Maranhão, considerada um dos melhores pontos para lançar foguetes no mundo, dada a proximidade com a linha do Equador. A unidade militar passou por adaptações, sobretudo de segurança, após 2003.

O brigadeiro Frederico Casarino, diretor do IAE, destaca que a segurança é uma prioridade, mas o sucesso do voo não é tarefa simples, do ponto de vista técnico. “A área espacial é de altíssimo risco. Os próprios engenheiros me ensinam que, mundialmente, a média é que, de cada cinco tentativas, só uma tem sucesso.”

Benitez tem tom mais confiante. “Tenho plena certeza de que o programa do VLM vai

Mudança de foco Nova versão, em parceria com a Alemanha, terá capacidade de levar cargas úteis de até 100 quilos

ter sucesso. E todo o mundo vai honrar o nome deles ali. Os 21 (mortos de Alcântara) vão ser honrados. No dia que lançarmos o VLM, todos estaremos pensando neles.”

ALCÂNTARA HOJE. O Estadão teve permissão da Força Aérea Brasileira para entrar no

Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) e foi recepcionado pelo coronel. O espaço é amplo, com vasta mata e poucos prédios. Em um dos pontos mais próximos da Linha do Equador, a temperatura passa de 30ºC ainda pela manhã.

Com uma área que corresponde a 40% da cidade de São

Paulo, o local é uma base militar construída para o envio de foguetes ao espaço. Nos 40 anos de história, são mais de 500 lançamentos e 182 operações, sendo a mais recente a Astrolábio, que lançou um foguete da empresa Innospace, sul-coreana, em março.

Na visita, nossa equipe foi proibida, porém, de fotografar e filmar em determinados espaços, como o Setor de Preparação e Lançamento – local do acidente em agosto de 2003. O CLA é um local que preza pela vigilância por concentrar tecnologias do Brasil e de outros países. Dos 1,1 mil funcionários que trabalham por lá, apenas 50 são civis.

PÓS-ACIDENTE. O lançamento da Innospace inaugurou uma mudança. O CLA passou a permitir acordo com empresas particulares para fazer lançamentos. Para 2024, são esperados três lançamentos comerciais: um da Innospace e dois da empresa canadense C6 Launch, que também já firmou uma parceria com o Brasil.

Mas não são todas as empresas ou veículos que podem partir da base nacional: o limite de altura dos foguetes que podem ser lançados do CLA atualmente é de 30 metros. •

Nova fase Acordo com a Innospace inaugurou nova fase, com lançamentos comerciais

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2023-08-27T07:00:00.0000000Z

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