Controle do Orçamento pelo Congresso no Brasil é maior do que em países da OCDE
Estudo comparativo com 11 nações mostra que o Legislativo brasileiro é o único a atuar também na execução orçamentária
ANDRÉ SHALDERS
OCongresso brasileiro dispõe hoje de poderes sobre o Orçamento nacional maiores do que os detidos pelos Legislativos de 11 países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) entidade que reúne algumas das nações mais desenvolvidas do mundo. A conclusão é de estudo do pesquisador do Insper Marcos Mendes e do ex-secretário do Orçamento Federal Hélio Tollini. O porcentual das despesas livres do governo dedicado às emendas parlamentares no Brasil (24%) é quase o triplo do segundo colocado, a Alemanha (9%). O Brasil também é o único país analisado em que o Legislativo atua na execução do Orçamento. Para os autores, “não se justifica a defesa da expansão das emendas parlamentares ao Orçamento sob o argumento de que ‘no mundo todo é assim’”.
O porcentual de emendas no Brasil é mais do que o dobro do que pratica a Alemanha, segunda colocada
“A forma como o Legislativo brasileiro atua no processo orçamentário é inusitada e (...) muito superior ao observado nos demais países (...). Não se justifica, a expansão das emendas sob o argumento de que ‘todo mundo é assim”
Marcos Mendes e Hélio Tollini
Autores do estudo sobre as emendas parlamentares
O poder do Congresso Nacional brasileiro sobre as emendas parlamentares é muito superior ao que acontece na maior parte dos países desenvolvidos. A conclusão é de um estudo elaborado pelo pesquisador do Insper Marcos Mendes e pelo e ex-secretário do Orçamento Federal Hélio Tollini. Os autores compararam a prática brasileira com a de 11 países da OCDE. O porcentual dedicado às emendas no Brasil é mais que o dobro do segundo colocado, a Alemanha, e o Congresso hoje dispõe de poderes que não existem em nenhum outro lugar, diz o levantamento. A OCDE é uma organização que reúne países dedicados à promoção de padrões internacionais econômicos, financeiros, comerciais, sociais e ambientais.
Do começo de 2021 até agora, deputados e senadores destinaram R$ 131,7 bilhões em emendas parlamentares de todos os tipos. O montante é 87% maior do que o indicado nos quatro anos anteriores (2017-2020), o que mostra a força do avanço do Congresso sobre os recursos do Orçamento. Segundo o estudo de Marcos Mendes e Hélio Tollini, esse avanço começa em 2015, quando o Congresso aprovou a chamada PEC do Orçamento Impositivo (EC 86). A PEC tornou obrigatório o pagamento de parte das emendas individuais. Hoje, as emendas representam 24% das despesas livres (discricionárias) do governo. É mais que o dobro do segundo colocado, a Alemanha, onde o montante chega a 9%.
Do total de R$ 131,7 bilhões indicados nos últimos quatro anos, quase um terço do total (32,4%) corresponde a emendas de relator (base do esquema do Orçamento Secreto, revelado pelo Estadão) e a emendas de comissão, o que torna impossível, na prática, saber quem são os “padrinhos” das indicações. Em agosto, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino reconheceu que o Congresso não havia dado fim à prática do Orçamento Secreto, declarada inconstitucional pelo STF em 2022 (mais informações nesta página). Ele suspendeu o pagamento das emendas. Na última terça-feira, a Câmara aprovou um projeto para tentar atender às exigências de Dino e liberar os recursos.
Segundo entidades que trabalham pela transparência dos recursos públicos, o projeto não é suficiente para garantir a rastreabilidade do dinheiro enviado por meio de emendas, principalmente as de comissão. Isto porque o texto não define nenhum parâmetro para as atas das reuniões nas quais a destinação do recurso é decidida. Além disso, a proposta eleva o valor das emendas para R$ 50,5 bilhões no ano que vem.
Para entender as diferenças no processo orçamentário de cada país, os autores entrevistaram especialistas locais, além de analisar dados. “A principal conclusão é de que a forma como o Legislativo brasileiro atua no processo orçamentário é inusitada e, em termos de montante, muito superior ao observado nos demais países analisados. Não se justifica, portanto, a defesa da expansão das emendas parlamentares ao Orçamento sob o argumento de que ‘no mundo todo é assim’”, escreveram os autores.
O Brasil, dizem os autores, é o único país analisado em que o Legislativo atua na execução do Orçamento, ao indicar ao governo para onde enviar recursos depois de aprovada a Lei Orçamentária Anual (LOA). É o que acontece com as emendas de comissão, por exemplo. O estudo compara a situação do Brasil com a observada no México, no Chile, dos Estados Unidos, na Coreia do Sul, na Alemanha, na Itália, em Portugal, na Espanha, na França, no Canadá e na Austrália.
PRIORIDADES.
“Nos países membros da OCDE, os parlamentos, em geral, têm a função de discutir as prioridades nacionais e de fiscalizar a execução do orçamento, e não de interferir diretamente na sua elaboração, tampouco na execução do orçamento, destinando recursos para as bases eleitorais dos parlamentares, como ocorre no Brasil”, diz um trecho do estudo. Em dois dos países, Canadá e Austrália, sequer existem emendas. E só o Brasil e os Estados Unidos permitem que as emendas sejam aprovadas sem a concordância do Executivo. “Das nove características (do processo orçamentário) que a gente avaliou, (...) há três que só existem no Brasil. Uma é a questão da cota financeira, ou seja, cada parlamentar ter direito a um determinado valor em emendas. Há depois a questão da reserva, do Poder Executivo ser obrigado a reservar antecipadamente um valor para atender às emendas. Finalmente, tem a intervenção do Poder Legislativo durante a execução do Orçamento. Dentre todos os países (analisados), é só no Brasil que o Legislativo interfere na execução do Orçamento. Em todos os outros, a execução é assunto exclusivo do Executivo”, diz Hélio Tollini. Segundo o pesquisador, os 24% das verbas “livres” à disposição do Congresso tornam o Brasil um ponto fora da curva em relação aos demais países. “Quem chega mais perto é a Alemanha, com 9%, e depois a Coreia do Sul, com 4,4%. São números muito diferentes. Não há comparação possível de 9% para 24%, e muito menos 4,4%. E depois que, em ambos os países (Alemanha e Coreia do Sul), os parlamentares têm que indicar, na emenda, o cancelamento correspondente. Lá, o parlamentar arca com o ônus de dizer de onde vai tirar o recurso. Aqui não, pois há uma reserva para isso”, explica.
QUESTIONÁRIOS.
Para obter as informações sobre o processo orçamentário nos diferentes países, os autores enviaram um questionário padronizado com 12 itens para especialistas de cada um dos países. “Para cada país, depois de enviado o documento, agendou-se entrevista online em que o(s) técnico(s) foram solicitados a fazer uma descrição detalhada do processo orçamentário de seu país, com ênfase na participação do parlamento e nas questões previamente enviadas”, descrevem os autores. Além disso, eles também estudaram a bibliografia disponível sobre cada um dos países.
Contrariados com a falta de definição sobre o bloqueio das emendas parlamentares, deputados ameaçam dar o troco e não votar a lei que autoriza os gastos do governo no próximo ano, que depende da aprovação do Congresso Nacional. A estratégia de integrantes da Comissão Mista de Orçamento é vista por especialistas como suicida, já que o Orçamento do Brasil ficaria completamente travado.
Parlamentares veem a medida como a principal moeda de troca para assegurar que o Supremo Tribunal Federal libere os recursos previstos nas emendas, destinando dinheiro público aos municípios.
O repasse das emendas está suspenso desde agosto, quando o ministro Flávio Dino determinou que o Congresso e o governo dessem mais transparência e rastreabilidade para o envio das verbas.
No entendimento de membros da Comissão Mista de Orçamento (CMO) ouvidos pelo Estadão, governo e STF jogam juntos para frear a liberação de recursos para os deputados. E impedir a votação da lei de diretrizes orçamentárias (LDO) imporia uma “humilhação” ao governo.
Se o impasse não for resolvido e as emendas não forem liberadas, apontam eles, as emendas remanescentes deste ano e que aguardam destinação não valeriam para 2025.
“Existe uma insatisfação grande da base, tanto pelo bloqueio das emendas por decisão judicial e tanto pela falta
“Existe uma insatisfação da base, tanto pelo bloqueio das emendas por decisão judicial e tanto pela falta de entendimento por parte do governo”
Cláudio Cajado (PP-BA)
Deputado federal
de entendimento mais claro por parte do governo”, aponta o deputado Cláudio Cajado (PP-BA), integrante da CMO.
O presidente da CMO, deputado Júlio Arcoverde (PP-PI), também confirma a movimentação. “Existe uma movimentação, mas acho que depois que o Senado aprovar (o projeto das emendas), resolve a questão”, diz. Segundo ele, a previsão é votar no fim do mês.
Congressistas queixam-se também da ausência do líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (PT-AP). Eles dizem que Randolfe é pouco presente nas negociações por um acordo em torno das matérias analisadas na comissão.
“A reivindicações são justas, adequadas, mas vamos resolver e não acredito que vamos ficar sem votar a LDO”, diz Randolfe, ao Estadão. Segundo ele, o calendário eleitoral apertou os prazos para votar projetos na comissão.
APROVAÇÃO.
O projeto de lei que estipula novas regras para as emendas parlamentares foi aprovado na Câmara no dia 5 deste mês. Ainda resta a aprovação do Senado e a sanção presidencial. Enquanto isso, faltam seis semanas para o fim do ano legislativo, que se encerra no dia 23 de dezembro.
Mesmo com os prazos apertados, Randolfe acredita que será possível votar a LDO e o Orçamento de 2025. Segundo ele, já há o acerto com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), para votar o projeto no Senado amanhã.
Em tese, a LDO é enviada pelo Executivo ao Congresso até o dia 15 de abril. O texto passa pela análise da CMO e, após votação na comissão, Câmara e Senado aprovam o texto ou não conjuntamente em sessão do Congresso Nacional.
O Legislativo deveria já devolver o texto para sanção até o dia 17 de julho do mesmo ano. Essa, inclusive, é a condição para que haja o recesso parlamentar no meio do ano. Mesmo sem a aprovação, Câmara e Senado resolveram dar as férias de duas semanas mesmo assim — isso é o chamado “recesso branco”.
A LDO nunca deixou de votada. “Sim (é uma estratégia suicida)”, analisa Élida Graziane procuradora do Ministério Público de Contas de São Paulo. “Sem a LDO, nenhum gasto pode ser feito a partir de 1 de janeiro. Sem LDO é impossível ficar, porque significaria paralisação completa de todos os gastos, incluídos os subsídios (salários) e as emendas dos próprios parlamentares.”
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2024-11-11T08:00:00.0000000Z
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