O Estado de S. Paulo

Municípios vão entrar no ano eleitoral com rombo em suas contas

Déficit, segundo BC, somou R$ 10,9 bi em 12 meses

EDUARDO RODRIGUES FERNANDA TRISOTTO

Grande parte das prefeituras vai entrar em 2024, ano eleitoral, no vermelho. Com rombos crescentes nas contas municipais, muitos prefeitos podem desistir da reeleição e quase todos deixarão aos sucessores dívidas e demandas não atendidas da população. Segundo o Banco Central, o rombo dos municípios chegou a R$ 10,9 bilhões em 12 meses, até outubro, enquanto os Estados tiveram superávit de R$ 7,2 bilhões. Para o Observatório

de Informações Municipais, a crise decorre de uma “tempestade perfeita”, causada pela alta de gastos com saúde e educação, por perdas com transferências da União e repasses do ICMS e pelos reajustes para servidores.

Grande parte das prefeituras brasileiras vai entrar em 2024, ano eleitoral, no vermelho. Com rombos crescentes nas contas municipais, muitos prefeitos podem até mesmo desistir da reeleição e quase todos deixarão para seus sucessores dívidas e demandas da população não atendidas nos atuais mandatos.

Segundo dados do Banco Central, enquanto os Estados registraram um superávit primário de R$ 7,241 bilhões nos 12 meses até outubro deste ano, os municípios acumulam um rombo de R$ 10,936 bilhões no mesmo período. Ainda que exista enormes diferenças entre as administrações municipais, os números consolidados mostram que muitas prefeituras terão dificuldades para manter investimentos em 2024 – ano que tem uma execução limitada até a metade do exercício, em virtude das regras de campanha e do calendário eleitoral.

O gestor do Observatório de Informações Municipais, François de Bremaeker, destaca que a crise recente dos municípios não decorre de apenas uma causa, mas, sim, de uma

“tempestade perfeita” nas contas das prefeituras, com o aumento de despesas com saúde e educação no pós-pandemia e a perda de recursos com transferências da União e repasses de parte do ICMS estadual.

“É um conjunto de fatores. Na pandemia, os municípios foram muito demandados em educação e saúde e, diferentemente das empresas privadas, não puderam reduzir salários temporariamente. No póspandemia, as prefeituras precisaram atender a uma demanda reprimida muito grande por consultas e cirurgias eletivas. Para piorar, as cidades perderam um pouco de dinheiro com o ICMS, quando houve redução da cobrança sobre combustíveis. Quando o ICMS pega um resfriado, os municípios pegam uma pneumonia”, compara Bremaeker.

Em menor medida, também houve o retorno de reajustes para os servidores municipais após o fim da proibição que vigorou entre 2020 e 2022.

O assessor econômico da Frente Nacional de Prefeitas e Prefeitos (FNP), Kleber Castro, reconhece as dificuldades fiscais das cidades, mas diz que o quadro seria menos “dramático” do que o indicado pelos números do BC. Ele vê indícios de que as receitas municipais podem ganhar fôlego em 2024. “O governo federal tem proposto e aprovado projetos para melhorar a arrecadação, sobretudo do Imposto de Renda, que ajuda a abastecer o FPM (Fundo de Participação dos Municípios)”, diz. “Além disso, no âmbito da reforma tributária há a expectativa de que os Estados aumentem alíquotas de ICMS para garantir uma alíquota de referência maior no período de transição.” •

Frente de prefeitos aposta em medidas arrecadatórias do governo para receber mais repasses

Especialistas em contas públicas afirmam que um dos fatores para a crise atual de caixa das prefeituras é a forte dependência dos municípios de transferências da União e dos Estados. “É interessante decompor esse resultado do que é deterioração das receitas próprias e do que são coisas alheias aos esforços das prefeituras, que são as receitas de transferência de resultados da União e Estados. Tendo a achar que tem uma influência forte das transferências”, afirma a economista Vilma Pinto, diretora da Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão ligado ao Senado.

Ela lembra da queda de arrecadação federal como o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), que vem sendo observada ao longo deste ano, e da redução linear do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Esses tributos fazem parte do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e repercutem nas contas municipais. Da parte dos Estados, a queda das receitas do ICMS, reflexo das mudanças na alíquota-padrão do tributo promovidas durante o governo Bolsonaro, também implicam volumes menores de repasse.

Vilma destaca ainda que, assim como os governos federal e estaduais retomaram reajustes e concursos, os municípios também o fizeram. E, se a atividade econômica em 2023 não está desfavorável, para 2024 ela inspira um olhar mais cauteloso, já que é esperada uma desaceleração da economia.

“Tem também a questão dos oito últimos meses do ano, em que não se pode fazer gastos que não tenham suficiência de caixa, que são as restrições da Lei de Responsabilidade Fiscal por conta de ano eleitoral”, aponta.

DESPESAS.

Presidente da Confederação Nacional dos Municípios, Paulo Ziulkoskix afirma que a elevação das despesas, por sua vez, também estaria ocorrendo à revelia das prefeituras, citando decisões aprovadas em outras esferas de governo que têm provocado impacto nos cofres das prefeituras. Ele cita, como exemplo, os pisos para magistério e enfermagem, que pressionam as contas municipais, e também a determinação de que crianças de até 3 anos deverão frequentar creches.

Sem entrar no mérito das medidas, ele diz que isso acaba agravando o quadro fiscal. “Nossas contas não estão fechando há muito tempo. Lutamos por dez anos para fazer uma emenda constitucional que diz que a União não pode criar despesas novas para o município sem indicar fonte de receita”, diz Ziulkoskix. “No hay plata.” •

“Nossas contas não estão fechando há muito tempo. Lutamos por dez anos para fazer uma emenda constitucional que diz que a União não pode criar despesas novas para o município sem indicar fonte de receita”

Paulo Ziulkoskix

Presidente da Confederação Nacional dos Municípios

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2023-12-27T08:00:00.0000000Z

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