Pacote de cortes vem com maior isenção de IR; dólar bate recorde
Antes de anúncio de Haddad, moeda americana chegou a R$ 5,91
ALVARO GRIBEL, DANIEL WETERMAN e LUIZ GUILHERME GERBELLI/BRASÍLIA e ANTONIO PEREZ/SÃO PAULO
Ogoverno anunciou ontem a intenção de economizar R$ 70 bilhões em dois anos, sem detalhar as medidas. Em rede nacional, o ministro Fernando Haddad (Fazenda) mencionou a adoção de idade mínima de 55 anos para reserva remunerada de militares, um esforço contra supersalários e limites a benefícios tributários. O ministro, entretanto, confirmou isenção de IR para quem recebe até R$ 5 mil por mês, promessa de campanha de Lula. O tema integra reforma que irá ao Congresso em 2025, mas foi anunciado a contragosto da Fazenda, para aplacar a resistência ao ajuste – a compensação viria com taxação extra a salários superiores a R$ 50 mil. À tarde, com a informação de que se mexeria na tabela do IR, o dólar disparou. A moeda terminou o dia com alta de 1,81%, a R$ 5,91, maior valor nominal da história do real. O Ibovespa fechou em queda de 1,73%. Economistas não creem que o pacote garanta superávit fiscal.
Após uma série de reuniões ministeriais e consecutivos adiamentos nas últimas semanas, o governo anunciou ontem à noite um pacote de medidas para contenção de gastos, na tentativa de dar sobrevida ao arcabouço fiscal e retomar a confiança nas contas públicas. Mas, com o pacote, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou também medida que vai na direção contrária: a isenção de Imposto de Renda para quem recebe até R$ 5 mil por mês – promessa de campanha do presidente Luiz Inácio Lula Silva.
Divulgada por Haddad em pronunciamento em rede nacional de rádio e televisão, a proposta integra a reforma tributária da renda e será enviada ao Congresso só no ano que vem, mas foi anunciada com o pacote na tentativa de minimizar o impacto político e aplacar as resistências às medidas de ajuste fiscal – ainda que a contragosto da Fazenda (mais informações na pág. B2). Segundo Haddad, as propostas “reafirmam nosso compromisso com um Brasil mais justo e eficiente”.
Como forma de compensar a perda de receita com a medida, o governo anunciou maior taxação sobre os mais ricos, que ganham acima de R$ 50 mil por mês. O ministro também afirmou que, quando houver déficit primário (saldo negativo
Com medidas, governo Lula prevê poupar R$ 70 bi até o fim do mandato, em 2026
nas contas), “ficará proibida a criação, ampliação ou prorrogação de benefícios tributários”.
A informação de que o governo mexeria também na tabela do IR começou a circular no meio da tarde e pegou o mercado financeiro ainda aberto. A reação foi imediata. Até então cotado na casa de R$ 5,83, o dólar disparou e rompeu a barreira de R$ 5,90 em poucos minutos. Na máxima da sessão, por volta das 16h, chegou a R$ 5,92. Terminou o dia com alta de 1,81%, valendo R$ 5,91 – maior patamar nominal de fechamento da história do real. O Ibovespa, principal indicador da Bolsa, também registrou ritmo maior de perdas no período da tarde, para fechar em queda de 1,73%, aos 127,6 mil pontos.
Depois do pronunciamento do ministro, economistas ouvidos pelo Estadão avaliaram que as medidas podem não ser suficientes para alcançar o resultado primário do arcabouço (mais informações na pág. B4).
A equipe econômica prevê poupar R$ 70 bilhões com o ajuste fiscal até o fim do mandato de Lula – sendo R$ 30 bilhões, em 2025, e R$ 40 bilhões em 2026. As medidas não envolvem corte de gastos em relação aos valores de hoje, mas representam diminuição do ritmo de crescimento dessas despesas nos próximos anos.
O pacote, que será detalhado hoje pela equipe econômica, inclui, entre outras medidas, a limitação do crescimento do salário mínimo ao teto de despesas do arcabouço fiscal e propõe mudanças nas regras do abono salarial e na previdência de militares. •
O anúncio do aumento da isenção de Imposto de Renda para a faixa de até R$ 5 mil representou uma derrota para a equipe econômica nas discussões internas do governo. Nos bastidores, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, vinha tentando dissuadir o presidente Luiz Inácio Lula da Silva de anunciar a medida neste momento, por entender que ela merece uma discussão à parte, dentro da reforma da renda – que ainda está em fase de elaboração.
Apesar do anúncio de ontem à noite, a expectativa é de que a medida só seja enviada ao Congresso no ano que vem, após a aprovação da reforma tributária sobre o consumo. Como o objetivo é de que a isenção seja “neutra” do ponto de vista fiscal, haverá também compensações, como a tributação dos mais ricos – pessoas com renda mensal a partir de R$ 50 mil (mais informações nesta página).
MESMO PROJETO. Segundo interlocutores da Fazenda, ambas as propostas – isenção do IR até R$ 5 mil e tributação dos mais ricos – estarão incluídas em um mesmo projeto de lei. Com isso, no entendimento da equipe econômica, uma não poderá ser aprovada sem a outra, para não ferir esse princípio da neutralidade tributária.
Apesar do anúncio, medida que altera IR só deve ser enviada ao Congresso no ano que vem
Mas um dos temores do mercado financeiro é de que a isenção do IR seja aprovada com maior velocidade no Congresso, por se tratar de uma medida popular, enquanto a compensação com a tributação dos mais ricos não avance nas discussões. Mesmo que a Fazenda entenda que ambas as medidas estarão no mesmo projeto de lei, o Congresso terá autonomia para mexer no texto e dar o seu formato final.
Nesse caso, poderá valer a visão do Supremo Tribunal Federal (STF), que determinou que nenhum aumento de gastos, ou renúncia de receitas, poderá ser aprovada no Congresso sem a apresentação das devidas compensações.
GALÍPOLO. Segundo apurou o Estadão, o esforço para convencer Lula de que a medida não seria bem recebida neste momento envolveu até o futuro presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, que foi ao Palácio do Planalto conversar com o presidente Lula e explicar a reação que o mercado financeiro poderia ter com a medida – o dólar acabou fechando ontem em R$ 5,91, em recorde histórico.
Lula foi alertado de que o pacote de cortes acabaria sendo ofuscado pela “novidade da isenção do IR”. Ainda assim, o presidente resolveu seguir adiante com a ideia, já que ela constava em seu programa de governo. A Fazenda também entendeu que havia um limite para se contrapor a Lula, já que essa era uma promessa de campanha.
RENÚNCIA FISCAL. Em entrevista ao Estadão, o CEO da Verde Asset e gestor do fundo Verde, Luis Stuhlberger, estimou que a isenção levaria a uma renúncia de receitas entre R$ 70 bilhões e R$ 80 bilhões por ano. Ainda que viesse acompanhada da taxação dos mais ricos, o governo conseguiria repor cerca de R$ 40 bilhões desse valor. A Fazenda, contudo, entende que o custo fiscal total com a medida seria menor, em torno de R$ 40 bilhões. •
NOTICIAS
pt-br
2024-11-28T08:00:00.0000000Z
2024-11-28T08:00:00.0000000Z
https://digital.estadao.com.br/article/281487871908826
O Estado