Lula repete Bolsonaro e impõe sigilo de cem anos a documentos
Dados sobre Janja e militares de plantão no 8/1 foram negados
TÁCIO LORRAN
Em 2023, a gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva recusou 1.339 pedidos de informação com a justificativa de que continham dados pessoais. De acordo com o disposto no artigo 31 da Lei de Acesso à Informação, a decisão, na prática, impõe sigilo de cem anos sobre os documentos. Entre esses dados, estão a
agenda da primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, comunicações diplomáticas sobre o ex-jogador Robinho e a lista dos militares do Batalhão da Guarda Presidencial que estavam de plantão no 8 de Janeiro. Os dados mostram que o atual governo manteve o volume de sigilos registrados na gestão de Jair Bolsonaro (PL). Em 2022, último ano do governo Bolsonaro, 1.332 pedidos foram negados sob alegação de que os documentos continham informações pessoais.
O governo Lula negou, no ano passado, 1.339 pedidos de informações sob a justificativa de conter dados pessoais. A decisão, na prática, impõe um sigilo de cem anos sobre os documentos solicitados. Entre os dados mantidos em segredo centenário pela gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva estão a agenda da primeiradama Rosângela da Silva, a Janja; comunicações diplomáticas sobre o ex-jogador Robinho, condenado na Itália por estupro; e a lista dos militares do Batalhão da Guarda Presidencial que estavam de plantão durante o 8 de Janeiro.
Os dados mostram que o atual governo manteve o volume de decisões a favor do sigilo registrado na gestão de Jair Bolsonaro (PL). Em 2022, 1.332 pedidos foram negados sob alegação de que os documentos continham informações pessoais, apenas sete casos de diferença entre o último ano do ex-presidente e o primeiro da gestão petista.
O auge de respostas negadas por motivo de informação pessoal ocorreu em 2013, no governo de Dilma Rousseff (PT). Naquele ano, foram concedidas 3.732 negativas desse tipo, de acordo com a série histórica tornada disponível pela Controladoria-Geral da União (CGU). Os números foram analisados pelo Estadão em parceria com o Data Fixers, uma consultoria especializada em dados e registros públicos.
O levantamento considerou todos os pedidos negados cujo motivo da decisão foi a classificação como “dados pessoais”, conforme o sistema da CGU. O artigo 31 da Lei de Acesso à Informação (LAI) determina que “informações pessoais relativas à intimidade, vida privada, honra e imagem terão seu acesso restrito pelo prazo máximo de cem anos a contar da sua data de produção”.
Procurada, a CGU disse que “a negativa a pedidos de acesso à informação é realizada com base em análise de cada caso concreto, e há razões legítimas para que (o sigilo) seja empregado, a depender do caso” (mais informações na página ao lado).
Durante e após a campanha eleitoral de 2022, Lula criticou o sigilo de cem anos adotado no governo Bolsonaro. O dispositivo está previsto desde a sanção da LAI, em novembro de 2011 – apesar de o fato negativo ser atribuído pelo presidente a seu antecessor. “É uma coisa que nós vamos ter que fazer: um revogaço desse sigilo que Bolsonaro está criando para defender os amigos”, disse Lula, em junho de 2022.
PRIMEIRA-DAMA. Entre os segredos decretados pela gestão Bolsonaro estava a lista de convidados da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro no Palácio da Alvorada. A informação foi mantida em sigilo pelo Gabinete de Segurança Institucional (GSI) até 11 de janeiro de 2023, quando Lula revogou essa medida, conforme revelou o Estadão. O governo petista, no entanto, repete a gestão anterior e mantém em segredo a lista de visitantes de Janja.
Em novembro de 2023 um cidadão pediu à Casa Civil, com base na LAI, os nomes das pessoas que visitaram a mulher de Lula nos palácios da Alvorada e do Planalto, além das datas, justificativas dos encontros e cargos dos visitantes. “Os registros de entrada e saída de pessoas em residências oficiais do presidente e do vicepresidente da República são informações que devem ser protegidas por revelarem aspectos da intimidade e vida privada das autoridades públicas e de seus familiares”, alegou a Casa Civil, ao negar o pedido.
O Ministério das Relações Exteriores se negou a informar as comunicações diplomáticas, os chamados telegramas, sobre o ex-jogador de futebol Robson de Souza, o Robinho, e o empresário Thiago Brennand. Ambos foram condenados por estupro.
O Exército também impôs sigilo centenário sobre a lista dos integrantes alocados no Batalhão da Guarda Presidencial durante os ataques na Praça dos Três Poderes no 8 de Janeiro e sobre a ficha militar do tenente-coronel Mauro Cid, ex-braço direito de Bolsonaro. Após a publicação desta reportagem no portal do Estadão, a CGU informou que mandou o Exército liberar o extrato da ficha militar de Cid. Já o Ministério da Educação não permite acesso a processos disciplinares que investigaram condutas de servidores.
‘INDEVIDO’. Logo no início do mandato, Lula editou despacho dando prazo de 30 dias para a CGU rever sigilos do governo Bolsonaro. A medida citava “decisões baseadas em fundamentos equivocados acerca de proteção de dados pessoais, de segurança nacional e do presidente da República e de seus familiares que desrespeitaram o direito de acesso à informação, banalizaram o sigilo e caracterizam claro retrocesso à política de transparência pública”. No total, foram revistos 252 sigilos aplicados indevidamente, segundo a CGU.
LAI Sigilo centenário está previsto em artigo da Lei de Acesso à Informação, sancionada em 2011
Além disso, em maio, Lula editou decreto que determina que, sempre que viável, o órgão ou entidade pública deve realizar a ocultação das informações pessoais relativas à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem, garantindo acesso ao restante do documento.
INTERESSE. Diretora de Programas da Transparência Brasil, Marina Atoji questionou o uso indiscriminado e em desacordo com o interesse público do sigilo de cem anos. “A formalização do entendimento de que esse sigilo não é de aplicação automática nem deve depender do humor da pessoa que decide sobre a concessão de acesso, foi um passo muito importante. A questão agora é introjetar essa interpretação em todo o governo federal, fazer isso funcionar de fato, algo que caminha a passos lentos.”
Para o pesquisador Luiz Fernando Toledo, criador do Data Fixers, é preciso avanços na transparência dos dados. “Falta convencer áreas mais resistentes sobre as vantagens de abrir seus dados e melhorar os acervos digitais e a tecnologia para tarjamento de informações sensíveis”, avaliou.
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2024-03-22T07:00:00.0000000Z
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