STF tem 40 ações contra políticos que se arrastam há mais de 3 anos
Ação mais antiga em tramitação foi aberta há 14 anos; Corte afirma que processos envolvendo políticos ‘costumam ser caracterizados por grau elevado de complexidade’
TÁCIO LORRAN WESLLEY GALZO
Políticos com e sem mandato respondem por crimes como calúnia e corrupção, entre outros. Corte diz que estuda mudança regimental para dar celeridade aos processos.
Quarenta ações penais e inquéritos cujos alvos são políticos com foro privilegiado se arrastam no Supremo Tribunal Federal (STF) há mais de mil dias, ou seja, mais de três anos de tramitação, conforme levantamento do Estadão. Os réus ou investigados são senadores, deputados, além de ex-parlamentares, ex-governadores e até ex-presidentes, que respondem por crimes como calúnia e corrupção.
O STF possui atualmente 51 inquéritos sob sua alçada, dos quais 27 superam a marca de mil dias. Já o número total de ações penais na Corte é de 1.376. Dessa lista, 13 processos também superam a marca dos três anos de andamento. Os dados foram extraídos da plataforma Corte Aberta do STF.
Se a demora deixa os parlamentares e ex-chefes de Estado com a corda no pescoço, fazendo com que os investigados ou réus, por exemplo, pensem duas vezes antes de tecer críticas ao STF por temerem retaliações no âmbito dos processos, a longo prazo os políticos são beneficiados diretamente, uma vez que as ações podem acabar prescrevendo sem que sejam julgados pelo mérito do caso.
Foi o que aconteceu, por exemplo, com a ação penal mais duradoura em andamento na Suprema Corte. O réu é o exdeputado e atual prefeito de Santana (AP), Sebastião Bala Rocha, que foi acusado de corrupção passiva, associação criminosa e delito contra licitação em obras de construção e reforma do Hospital Especialidades, em Macapá, e do Terminal Rodoviário de Laranjal do Jari (AP), num esquema que envolveu R$ 103 milhões. A ação foi protocolada na Suprema Corte há 5.368 dias, ou seja, há mais de 14 anos, e ainda não há uma decisão definitiva.
A acusação contra Sebastião Bala prescreveu em 2021, após 12 anos de andamento. Diante disso, os ministros declararam extinta a possibilidade de punir o ex-parlamentar pelo envolvimento nos escândalos de corrupção. O caso, porém, segue tramitando. Faltam ser julgados embargos do Ministério Público
Federal (MPF) que pedem para rever a decisão.
MÉDIA. Em resposta ao Estadão, o STF afirmou que ações penais e inquéritos envolvendo políticos “costumam ser caracterizados por grau elevado de complexidade”. A Corte destacou, por exemplo, que, na fase de investigação, os ministros apenas supervisionam o trabalho da Polícia Federal (PF) e do MPF. “Os prazos de julgamento dos casos no STF não estão acima da média do restante do Poder
Judiciário brasileiro.”
O STF ainda compartilhou um levantamento realizado pelo setor de estatísticas da Corte, com base em decisões finais tomadas pelos ministros em ações penais julgadas entre 2017 e 2023. Os dados mostram que, de 372 casos encerrados, houve prescrição em apenas sete deles. Isso representa 2% do total. Das 1.936 decisões finais em inquéritos, 23 foram para prescrição, representando 1,2% do total. Os números produzidos pela Corte, no entanto, não levam em consideração todos os casos mais antigos analisados pelo Estadão, que considera processos de 2009 a 2022.
“De qualquer forma, para dar mais celeridade aos processos, o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, pretende submeter ao plenário mudança regimental para retorno às turmas da competência para análise de inquéritos e ações penais, mantendo no plenário apenas a competência para os chefes de Poder”, disse o STF em nota enviada ao Estadão.
Dos 40 casos em tramitação na Corte há mais de mil dias, 13 são ações penais e podem levar à condenação dos políticos e, a depender da situação, até mesmo levá-los à prisão. As ações penais começam a tramitar no tribunal após a Procuradoria-Geral da República (PGR) apresentar denúncia após investigação.
Entre os réus dessas ações estão o senador Magno Malta (PL-ES), os deputados João Bacelar (PL-BA) e Silas Câmara (Republicanos-AM), o vice-presidente do Solidariedade, Paulinho da Força, e o ex-presidente Fernando Collor, condenado em maio a 8 anos e 10 meses de prisão pelo STF num processo da Lava Jato que se arrastou por cinco anos. A ação penal contra Collor ainda tramita na Corte, apesar da condenação, porque a defesa apresentou recursos para esclarecer a decisão.
INQUÉRITOS. A Corte ainda tem 27 inquéritos sem solução envolvendo políticos. O regimento interno do STF estabelece prazo inicial de 60 dias para a conclusão das investigações. Caso as autoridades não consigam encerrar a apuração no prazo, elas podem pedir ao relator para prorrogá-la pelo mesmo limite de tempo. Em algumas situações, porém, esse expediente se tornou recorrente, e as investigações se arrastam por anos.
Entre os alvos desses inquéritos sem fim estão os senadores Renan Calheiros (MDB-AL) e Ciro Nogueira (PP-PI), a deputada federal Gleisi Hoffmann (PT-PR) e os ex-ministros Romero Jucá (MDB), Gilberto Kassab (PSD) e Fernando Bezerra Coelho (UNIÃO).
A professora de direito penal Raquel Scalcon, da Fundação Getulio Vargas (FGV), explica que a questão envolvendo os inquéritos intermináveis “não é simples” e pondera que não pode ser analisada apenas à luz da atuação do STF, uma vez que cabe à PGR apresentar denúncia após investigações conduzidas por policiais e procuradores. Quanto às prescrições, ela destaca que parte delas decorre do fato de os investigados terem mais de 70 anos, o que derruba pela metade os prazos para a pessoa não poder ser mais punida.
“O ideal seria entender, caso a caso, o que levou à prescrição ou à demora na tramitação”, disse. “O processo deve ter uma ‘duração razoável’. Essa é uma ideia defendida por muitos estudiosos e práticos. Isso significa que um processo apressado não é bom, tampouco um processo excessivamente lento, porque sofrer uma investigação ou ser acusado em uma ação penal é algo em si aflitivo. Não é algo em relação ao qual a pessoa é indiferente”, completou.
O inquérito mais antigo em tramitação no STF foi instaurado em 2011 para investigar o exdeputado federal André Moura. A denúncia oferecida pelo MPF acusou o político de ter desviado recursos públicos do município de Pirambu (SE), quando foi prefeito, entre 2005 e 2007, para fazer compras pessoais num supermercado. O caso teve idas e vindas, chegou a ser deslocado
“O processo deve ter uma ‘duração razoável’. Isso significa que um processo apressado não é bom, tampouco um processo excessivamente lento.” Raquel Scalcon
Professora da FGV
“Os prazos de julgamento dos casos no STF não estão acima da média do restante do Poder Judiciário brasileiro.”
Supremo Tribunal Federal
para a primeira instância, em Sergipe, mas voltou à Corte e a última movimentação processual data de maio de 2022. Antes disso, em agosto de 2021, os ministros declararam extinta a possibilidade de punir o político porque a acusação prescrevera.
Corte tem 27 casos de investigações sem solução que se arrastam há anos envolvendo políticos
PETIÇÕES. Além dos 40 inquéritos e ações penais que se arrastam por mil dias ou mais, o Estadão também identificou petições e ações cautelares envolvendo políticos de peso. Ali aguarda uma definição, há 1.596 dias, um processo de ação cautelar de busca e apreensão contra Renan Calheiros, Renan Filho, Jader Barbalho, Eduardo Braga e outros no âmbito de uma operação que apurou o pagamento de propina pela J&F a pedido do PT a senadores do MDB para apoiar a reeleição de Dilma Rousseff.l
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2023-11-20T08:00:00.0000000Z
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