O Estado de S. Paulo

Diferença de renda cresce no topo e 0,1% se destaca entre os mais ricos

Estudo mostra alta da concentração também na parte de cima da pirâmide; dividendos e até pejotização podem explicar movimento

MARIANA CARNEIRO

Cerca de 160 mil pessoas têm renda mensal superior a R$ 146 mil. Dividendos e pejotização explicariam ganhos.

Desde o fim da pandemia, a desigualdade de renda deu um salto: os ricos ficaram mais ricos e a distância em relação aos mais pobres e à classe média aumentou. Mas, nos últimos anos, também na ponta da pirâmide – no 1% mais rico –, a diferença cresceu. Em termos numéricos, o 0,1% mais rico da população ganhou ainda mais do que os demais integrantes do clube do 1%.

O 0,1% mais rico, este grupo de pouco mais de 160 mil pessoas, tem renda mensal superior a R$ 146 mil (ou R$ 1,7 milhão por ano).

Nessa conta não entra o patrimônio – ou seja, casas, carros, mansões ou fazendas –, mas o quanto esses contribuintes recebem na geração de riqueza decorrente deste patrimônio, como os lucros de uma empresa, por exemplo, além da sua renda do trabalho e de ganhos financeiros.

O estudo foi feito pelo economista Sérgio Gobetti, que também é pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), com Priscila Kaiser Monteiro e Frederico Nascimento Dutra, e está publicado no site Fiscal Data, um hub de publicações sobre política fiscal e tributária.

Gobetti vem investigando há anos a renda dos mais ricos com base em informações da Receita Federal, que passou a dar acesso a dados estatísticos mais detalhados do Imposto de Renda a partir de 2017. Isso abriu a porta para a elaboração de estudos com mais informações sobre o comportamento da renda no topo da pirâmide.

Entre 2017 e 2023 (último ano com dados disponíveis), a renda do 0,1% mais rico cresceu 6,9% ao ano, bem mais do que o Produto Interno Bruto (PIB) e do que a renda média das famílias brasileiras (+1,4%).

O 1% também viu a sua renda aumentar (+4,4%), mas numa velocidade inferior à da ponta da pirâmide.

Entre o 0,01% mais rico, estrato ainda mais seleto dos mais ricos – com renda acima de R$ 855 mil mensais –, o crescimento da renda foi ainda maior, de 7,9% no mesmo período, o que comprova a tese de uma “concentração também no topo da pirâmide”, segundo Gobetti.

“A participação do 1% mais rico ( na renda total) passou de 20,4% para 24,3%, e 85% desse acréscimo de 3,9 pontos porcentuais foi apropriado pelo 0,1% mais rico”, afirmam os pesquisadores.

O 0,1% detém sozinho 12,5% da renda total das famílias brasileiras, número que poderia ser ainda maior se os pesquisadores tivessem computado as rendas de fundos fechados e offshore, que passaram a ser declarados em 2023. A exclusão, segundo Gobetti, foi feita para não deformar a comparação com os dados passados, mas indica que a concentração no pico da pirâmide é provavelmente maior.

“O ganho aumentou nas rendas altas, o que redobra a importância de se mudar o tratamento tributário conferido a lucros e dividendos”

Sérgio Gobetti

Pesquisador

Os economistas traçam hipóteses para entender o que pode explicar esse comportamento de concentração até entre os mais ricos. Para tanto, eles decompõem as origens do aumento da renda. A partir disso, nota-se que, entre os 0,1% mais ricos, o que se destaca é a contribuição vinda de lucros e dividendos – 66% do crescimento veio dessa origem – e 23% do incremento de outras rendas do capital.

PEJOTIZAÇÃO. No 1% mais rico (afora os 0,1%), os lucros e dividendos também explicam boa parte do aumento; mas, neste caso, os economistas notam que a contribuição foi praticamente equivalente à queda da renda do trabalho.

Isso sugere que muitos profissionais liberais que estão nessa faixa de renda podem ter aderido à pejotização como forma de recolher menos Imposto de Renda e, assim, obtiveram ganho de renda, ainda que inferior ao cume da pirâmide.

Os dividendos são atualmente isentos de IR. O projeto de lei que propõe isentar o imposto de quem ganha até R$ 5 mil prevê a tributação dessa fonte, desde que o contribuinte não tenha recolhido o IR mínimo para a sua faixa de renda.

O chamado “Imposto de Renda Mínimo” deve alcançar, segundo a Receita, 144 mil contribuintes com renda acima de R$ 50 mil mensais e que recolhem menos IR porque têm acesso a isenções, como a dos dividendos, para escapar da tributação. O projeto prevê uma tributação adicional gradual que chega a 10% para quem ganha R$ 100 mil por mês ou mais.

“O ganho aumentou nas rendas altas, o que redobra a importância de se mudar o tratamento tributário conferido a lucros e dividendos – o que torna mais latente a premência de uma reforma que altere isso”, afirma Gobetti.

Mas como os ganhos com lucros e dividendos podem ter contribuído para um crescimento maior da renda no topo da pirâmide sem que o PIB tenha crescido na mesma proporção?

A hipótese dos pesquisadores é que os ganhos podem ter aumentado com preços mais altos de commodities (como as agrícolas), após a pandemia, que ampliam a renda dos mais ricos, mas não necessariamente a quantidade produzida e o PIB.

Isso pode ajudar a explicar como a renda se concentrou mais em Estados da região Centro-Oeste no período analisado. Em Mato Grosso, de 2017 a 2023, a renda concentrada no 1% mais rico subiu de 20% para 30% – superando até a média nacional (24,3%). •

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2025-08-19T07:00:00.0000000Z

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