O Estado de S. Paulo

O tradicional Largo de São Francisco ficou maior

A Faculdade de Direito da USP está expandindo suas instalações para o Palácio do Comércio (foto), de 1908. O prédio, localizado no outro lado da rua, foi sede da Fecap. Ampliação pretende atender às novas demandas da SanFran.

BEATRIZ BULLA PRISCILA MENGUE

AFaculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) começou a transição para expandir suas instalações físicas pelo Largo São Francisco. Para quem passa pelo local, no centro antigo de São Paulo, os primeiros indícios dessa ampliação são as bandeiras da universidade recentemente instaladas no novo prédio da instituição: o Palácio do Comércio, de 1908, localizado no outro lado da rua e ligado à história da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (Fecap).

O plano é atender às novas demandas da SanFran, que incluem mudanças no perfil dos alunos após a adoção das cotas, o avanço do trabalho remoto em escritórios de advocacia e o uso da tecnologia nas carreiras. Dentre as instalações que ficarão no espaço recém-anexado estão parte da biblioteca, salas de aula para graduação, pós e ensino continuado e os novos Centros de Estudos do Ensino Jurídico e de Direito Empresarial. Ao poucos, algumas atividades têm sido realizadas no local, mas uma transição mais acentuada e oficial deve ocorrer no 1.º ou 2.º semestre do ano que vem.

“Já temos feito a utilização para alguns eventos. Fizemos uma série de almoços, algumas poucas aulas”, afirma Celso Campilongo, diretor da faculdade. “A utilização para valer, mais planejada, ocorrerá apenas no ano que vem.” A expansão para o novo prédio foi anunciada pela USP em abril, ao destinar R$ 18 milhões para a desapropriação. À época, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), destacou a iniciativa como forma de potencializar o centro histórico.

Há anos, a faculdade também desenvolve um projeto para reformar as calçadas e requalificar o Largo São Francisco, o que incluiria instalar mobiliários, como bancos. Não há, contudo, previsão para que essa ideia seja implementada.

A avaliação é de que o antigo prédio da Fecap tem boas condições de preservação (estava em pleno uso até meados do ano passado), de modo que só adaptações mais simples serão feitas no primeiro momento. Já alterações abrangentes e a compra de equipamentos adicionais ficarão principalmente para uma segunda etapa.

“Nos primeiros dois anos, não pretendemos fazer grandes intervenções nesse prédio. Esse é o tempo de termos um planejamento detalhado, a possibilidade de captar os recursos e, especialmente, de submeter tudo aos órgãos de preservação do patrimônio his

tórico”, explica o diretor. As melhorias envolveriam basicamente uma parte de restauro, novo mobiliário (parte foi removida pela Fecap, mas não tudo) e afins, e outra, de aspectos tecnológicos.

DIGITALIZAÇÃO. Essa segunda fase tem também foco na digitalização do ensino, que vem sendo elaborada pelo professor Solano de Camargo. Também incluiria academia de ginástica, salas de gravação de podcast, espaços de convivência e trabalhos em grupo, por exemplo, além de locais de trabalho para professores visitantes. Os planos ainda podem passar por alterações.

Para essa outra fase, porém, a diretoria deve precisar de dinheiro do setor privado. Estima-se que as alterações internas em parte do prédio novo custem cerca de R$ 12 milhões, enquanto seria necessário o mesmo valor para a estrutura de digitalização. A USP havia indicado que poderia colaborar com R$ 2 milhões.

Essa etapa ainda está em elaboração, com a possibilidade de alteração nos orçamentos estimados. “Não temos verba para nada disso, mas nada disso seria necessário para iniciar o uso do prédio. Ao contrário, as condições que estão lá são razoáveis, todas as salas têm projetores, vamos instalar a internet lá com relativa facilidade. Os R$ 24 milhões são para a gente pensar um modelo absolutamente ideal”, diz o diretor.

Há alguns anos, a faculdade já realiza o programa Adote uma Sala, por exemplo, para o restauro e outras intervenções no prédio histórico. Dentre outras alternativas, discute-se até a possibilidade de concessão dos “naming rights” do antigo palácio da Fecap. “As novas instalações vão colocar a São Francisco na vanguarda do mundo”, diz Campilongo. A meta é alçar a faculdade entre as 30 melhores do mundo. Hoje, ela está em 45.ª lugar no QS World University Ranking by Subject – a USP aparece em 92.º no ranking geral.

IMPORTÂNCIA HISTÓRICA. O prédio da então chamada Escola Prática de Comércio (atual Fecap) foi inaugurado em 12 de dezembro de 1908. Segundo a USP, tem três pavimentos, com cerca de 20 salas, salão nobre e outras instalações administrativas. “Nossos vínculos são históricos e têm mais de 100 anos. A nossa ideia é preservar essa memória da cidade e da relação entre a Escola de Comércio e a Faculdade de Direito”, descreve o diretor da SanFran. Parte do mobiliário, peças decorativas e outros itens foram levados pela Fecap, mas a estátua do conde Álvares Penteado, quadros do salão nobre e algumas outras referências

Mais espaço

Plano é atender às novas demandas, que incluem mudanças no perfil dos alunos após a adoção das cotas e o avanço do online

seguirão no palácio. Na fachada, as inscrições “Indústria” e “Commercio”, serão mantidas.

O prédio também é ligado à história da antiga Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo (núcleo original da atual FESPSP), que iniciou sua trajetória lá, em 1933, e onde ficou até 1954. No palácio, também foram lecionadas disciplinas da Medicina, na primeira metade do século 20. Além disso, o projeto foi do engenheiro e arquiteto sueco Carlos Eckman – o mesmo da Vila Penteado, atual FAU Maranhão, outra construção histórica da USP.

“O prédio diz respeito não apenas à história da Fecap, mas à história de São Paulo e do Brasil. A Escola de Comércio é um marco do crescimento econômico da cidade. Aquela escola funcionou na Revolução de 32 como quartel-general do MMDC”, diz o diretor. Ele lembra que a instituição que deu origem à Fecap chegou a ter aulas no antigo convento do Largo São Francisco, antes da entrega do prédio.

Ao todo, são cerca de 3,7 mil m² de área construída no antigo palácio, enquanto o prédio histórico hoje da Faculdade de Direito tem 8,5 mil m² (mas há outro anexo). Ambos são tombados como patrimônio cultural nos âmbitos estadual e municipal, enquanto as igrejas do antigo convento do Largo de São Francisco recentemente viraram patrimônio nacional, após decisão do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

VIAGEM PELOS SÉCULOS. O Palácio do Comércio tem uma vantagem, se comparado à São Francisco, no que se refere à possibilidade de reforma. Na faculdade, até uma parte do mobiliário das salas é tombada. No Palácio de Comércio, não. “Qual a oportunidade? De ir do século 19 para o século 21. A arquitetura das salas que temos promove uma dinâmica de interação do século 19 (embora a construção atual date dos anos 1930 e 1940, a faculdade foi fundada em 1827, no antigo convento do largo), ainda é um ambiente opressivo”, diz a vice-diretora, Ana Elisa Bechara.

“No prédio novo, estamos prevendo salas completamente diferentes, com tecnologia, espaços mais de grupo, prevendo atividades que não são só sentar em carteira isolada com um professor em cima de palco com tapete vermelho. Isso muda a forma como os alunos interagem entre si, com o professor, com outras instituições virtualmente”, diz ela. Além disso, Ana Elisa destaca a aposta em espaços de convivência, para o aluno interagir e relaxar. A expansão da SanFran não envolve, contudo, só o antigo palácio da Fecap. Neste ano, começou a obra da nova biblioteca, na Rua Riachuelo, junto ao Edifício Dalmo de Abreu Dallari (que já é anexo da faculdade).

NOVAS NECESSIDADES. O novo

prédio será usado para criar uma estrutura, hoje ausente na faculdade, para que alunos permaneçam no câmpus ao longo do dia. O pátio das Arcadas, um dos ambientes onde os estudantes costumam ficar hoje, não tem tomadas, mesas, cadeiras ou local de descanso.

Segundo a diretoria, com o trabalho híbrido, muitos alunos que estagiam no setor público ou até em escritórios de advocacia menores passam parte dos dias em trabalho remoto. Isso se soma ao novo perfil dos alunos do Direito, que adotou a reserva de vagas na USP em 2017. A primeira turma de cotistas da São Francisco se formou em 2023. Outra diferença é que, antes das cotas e sem o sistema nacional de ingresso, por meio do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), a maior parte dos alunos era do Estado de São Paulo. Hoje, a faculdade está mais “nacionalizada”.

Com alunos de origens e classes sociais mais diversas, a faculdade se deparou com novas necessidades. A demanda pela alimentação no câmpus, por exemplo, aumentou.

Parte da história de SP De 1908, Palácio do Comércio serviu como quartel-general do MMDC, durante a Revolução de 32

Antes, a faculdade não servia café da manhã no refeitório subsidiado da USP. Em 2022, passou a servir café da manhã diário para 200 pessoas. O número de refeições no almoço e no jantar também cresceu. São cerca de 500 almoços por dia. “A gente percebia que alunos ficavam sem comer até a hora do almoço. Agora alguns chegam cedo para tomar esse café da manhã, que custa R$ 0,60, ficam para almoçar e tendem a ficar mais tempo na faculdade do que antes”, diz Ana Elisa.

Neste ano, a faculdade ofereceu 90 bolsas de R$ 700 ao ano, para subsidiar custos de alunos com necessidade financeira. A demanda, porém, era por 160 bolsas.

FALTA DE TOMADA. Presidente do Centro Acadêmico XI de Agosto, da Faculdade de Direito da USP, Mariana Belussi afirma que, no prédio histórico, é precária a acessibilidade para pessoas com deficiência. Também diz que os alunos têm precisado de cada vez mais espaço para extensões universitárias. e relata que há poucos banheiros na faculdade, para o número dos alunos. “Temos dificuldade muito prática com tomadas, por exemplo. Até nos espaços de estudo e trabalho, há tomadas que não funcionam, não tem tomada suficiente”, diz Mariana. •

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2024-10-30T07:00:00.0000000Z

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