O Estado de S. Paulo

O que vai ser das árvores se a Raposo Tavares for ampliada

Grupo de moradores teme por áreas verdes e excesso de tráfego em bairros residenciais; há pedido de reabertura da discussão com governo estadual.

JOSÉ MARIA TOMAZELA

Associações de moradores de São Paulo e de Cotia se mobilizaram contra o projeto Nova Raposo, do governo estadual, que prevê a concessão da Rodovia Raposo Tavares e mudanças no eixo entre a capital e a cidade da região metropolitana. Na semana passada, representantes de 77 entidades lançaram o manifesto “Nova Raposo, não!”, em que pedem a reabertura das consultas públicas sobre o projeto. A pedidos, a deputada Marina Helou (Rede) protocolou representação no Ministério Público de São Paulo (MP-SP) pedindo a paralisação do projeto.

O plano prevê instalar seis pórticos para cobrança automática de pedágio, incluindo o trecho urbano, que ganhará túneis, viadutos, pistas marginais e alargamento das pistas, além de outras intervenções. A futura concessionária deverá investir R$ 9 bilhões no sistema, que inclui outras estradas. A consulta pública para oferta de sugestões ao projeto já foi encerrada. A Agência de Transporte do Estado de São Paulo (Artesp) afirma que o projeto está em fase de desenvolvimento e os estudos podem sofrer ajustes. Também reforça que serão observadas eventuais restrições legais, como zoneamento (Mais informações na página A13).

Anteontem, mais de 60 pessoas participaram de uma reunião online de emergência convocada por diversas entidades, entre elas a Rede Butantã e a Rede Ambiental Butantã, além de conselheiros do Cades Butantã e do Conselho Participativo Municipal, para discutir a proposta. “Soubemos do projeto pelo jornal, o que nos surpreendeu terrivelmente”, disse o diretor de Relações Externas da Associação dos Moradores Amigos do Parque Previdência (Amapar), Sérgio Reze.

Segundo ele, o projeto afetará bairros residenciais e arborizados, como o Jardim Previdência e outras partes do Butantã, “e mostra mentalidade atrasada, rodoviarista, nada sustentável”. Ao Estadão, Reze afirma que a intenção é judicializar o caso para que o projeto seja suspenso e tenha reinício a discussão com as comunidades envolvidas. De acordo com ele, o projeto foi feito “a toque de caixa”, sem respeitar as diretrizes do Estatuto da Cidade, que determina dar pleno acesso à sociedade civil.

Para o integrante do Conselho Participativo Municipal Ernesto Maeda, “trata-se de um absurdo que um projeto de tamanha dimensão, inclusive com previsão de pedágio dentro de área urbana, não inclua a participação da população”. Martha Pimenta, da Rede Butantã, movimento que atua na região há mais de 20 anos, diz que os mecanismos de consulta são de difícil acesso.

ALTERNATIVAS. Ex-engenheiro de transporte por mais de sete anos na Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) da capital, Wladimir Bordoni diz que um dos maiores equívocos do projeto é estimular ainda mais o uso da Raposo Tavares para ligar áreas centrais da cidade, piorando locais já congestionados como Avenida Pedroso de Moraes, Ponte Eusébio Matoso e Marginal. “Além de um transporte público de massa, o certo seria investir na segurança e fluidez do Rodoanel, justamente para descongestionar os bairros”, avalia ele, que reside na City Butantã.

Para Bordini, o poojeto desconsidera o uso da Avenida Escola Politécnica como alternativa da Raposo para ir ao centro de São Paulo. “Ela corta caminho para chegar à região da USP, mas tem muito semáforo. Com investimento menor em passagens de nível e, se acharem necessário, de uma ponte sobre o Rio Pinheiros para atravessar para o outro lado, seria uma alternativa sem grandes desapropriações e menor impacto ambiental”, sugere.

José Jacinto, da Rede Ambiental Butantã, cobra estudos técnicos, de impacto ambiental, vizinhança, mobilidade e estudos sociais sobre a população instalada no local. A presidente do Movimento de Moradia da Raposo Tavares, Diva Nunes, diz que o impacto financeiro chegará ao bolso do trabalhador pelo pedágio ou pela tarifa de ônibus. “A população mais pobre será mais atingida. Por que não temos faixa exclusiva de ônibus e moto como a Francisco Morato?“

CONSELHO. O Conselho Municipal de Política Urbana (CMPU) divulgou nota de repúdio assinada por seis conselheiros regionais, alegando que a consulta pública sobre o projeto teve “pífia divulgação” e não realizou audiências para dar conhecimento à população. Os conselheiros pedem que o processo seja reiniciado. “É preciso o cumprimento integral das diretrizes legais que norteiam os processos participativos e o direito democrático de controle social”, diz Angela Baeder, do Conselho de Meio Ambiente, Desenvolvimento Sustentável e Cultura de Paz (Cades) Butantã.

ÁRVORES E CLUBE. Marion Altenberg, ex-presidente e integrante da Sociedade Moradores do Butantã/Cidade Universitária, diz que, além de transferir o gargalo da Raposo para o Alto de Pinheiros, haverá também impacto paisagístico. “Na Avenida Valentim Gentil, que vão mexer, tem um canteiro largo com mais de uma centena de belas árvores. Moro há 45 anos no bairro e, quando cheguei, elas já estavam lá. O que farão com as árvores no caminho deles?”

Paulo Ribeiro observa que o projeto prevê uma ponte sobre o Rio Pinheiros ligando o Butantã à Avenida Antonio Batuira, que liga a Marginal à Praça Pan-americana. “Quem teve essa ideia com certeza não conhece o bairro, estritamente residencial e, apesar disso, com ruas já congestionadas.”

O maior absurdo, diz, é que uma alça de acesso da nova ponte passaria sobre o Clube Alto dos Pinheiros.

Fábio Candalaft, do Conselho Deliberativo do Clube Alto dos Pinheiros, afirma que a direção do clube foi surpreendida pelo projeto da Nova Raposo. “Nós não temos detalhe nenhum do projeto e o impacto nos preocupa”, diz. “Não sabemos se o projeto é bom ou ruim. E, se for bom, vamos apoiar. O que pedimos é mais prazo para analisar os objetivos e as justificativas das intervenções e avaliar se são mesmo necessárias.”

Para o professor aposentado da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, Francisco Segnini Junior, o projeto afeta bairros que já têm poucas áreas verdes e vai contra o desenvolvimento sustentável. “Por que não investir no projeto de metrô e trem e dar acesso a muito mais pessoas?”

GRANJA VIANA. Ambientalistas e associações da Granja Viana, em Cotia, também se mobilizam. “Aqui vamos ter impacto grande, mas as soluções para os problemas atuais não foram apresentadas”, diz Renato Rouxinol, da Associação Amigos da Granja Viana, que também prevê acionar o Ministério Público. •

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2024-04-23T07:00:00.0000000Z

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