O Estado de S. Paulo

Transtorno da ausência, alegria do dane-se

Agora tem esse negócio chamado Fear of Missing Out – ou FoMO. É aquela ansiedade que bate quando, ausente de um evento, a pessoa sofre por imaginar tudo que está perdendo.

A agonia maior acontece mesmo nas redes. Quem tem FoMO não consegue ficar de bôua. O sinal na rua fica vermelho, e pronto: o motorista, já aflito, cata o celular para conferir aplicativos, Reels e ver se pintou salvação no Tinder. É um transtorno do nosso tempo, como o TDAH e a TAG.

Fico pensando no que as pessoas podem estar perdendo durante um farol vermelho, mas agradeço a atenção. Sem uma vigilância constante nas redes, a humanidade descarrilaria fácil pra comédia. Não pode. Estamos em 2025: rir é proibido. Está inclusive dando cana. Ainda bem que temos uma geração sisuda vigiando nossa vida, e uma prateleira inteira na farmácia para dar coragem em tal missão. Sempre alerta, moçada!

Além de um patrulhamento eficiente, o que mais estariam perdendo em suas ausências forçadas? Pensemos. A vida imaginária de um amigo, a foto do carbonara no restaurante, o conselho de algum influencer sobre o Jogo do Tigrinho?

Já eu padeço do contrário.

Minha síndrome é a JoMO – Joy of Missing Out. Traduzindo, é a alegria de não estar nem aí. De não se importar em perder um jantar, um post ou um

Quando ando de táxi, fico olhando a rua – e não o Instagram. Se pego o celular, é pra jogar Sudoku

direct. Dane-se.

Quem tem JoMO fica menos agoniado porque não sabe o que se passa em Brasília, não vê o vídeo do Nikolas Ferreira – nem ouve buzinadas enfáticas porque o sinal abriu. Fico também muito pouco indignado, posto que nunca estou inteirado das principais trends de ódio disponíveis no twitter.

Quando ando de táxi, fico olhando a rua – e não o Instagram. Se pego o celular, é pra jogar Sudoku. Li que ajuda a combater a demência senil. E o azeite previne o Alzheimer. Se eu jogo Sudoku comendo pão chuchado no azeite, vish: minha capacidade cerebral está garantida até os 100 anos. Isso aconteceria se eu ficasse grudado no TikTok?

Também não tenho pudor em perder festas e jantares. Em casa tem fogão, livros e cobertor – fico bem assim. Tampouco preciso sair pra conhecer novas pessoas. Na verdade, quero é desconhecer gente que já conheço. Sou um cara estável; repito os mesmos caminhos. Na outra encarnação, fui bonde.

JoMO dá sossego, FoMO dá ansiedade. Segundo a Anvisa, a cada dia são vendidas 123 mil caixas de tarja preta no Brasil (dados de 2022). Prefiro gastar esse dinheiro pedindo um transatlântico de sushi – pra depois comer assistindo à série da enfermeira Ratched. Apesar do nome, não é pornô.

CULTURA & COMPORTAMENTO

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2025-06-13T07:00:00.0000000Z

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