Governo quer ampliar Auxílio Gás com drible no Orçamento
Formalmente, programa não eleva gastos, mas receita da União cai
BIANCA LIMA
Para multiplicar por quatro o Auxílio Gás até 2026, ano de eleição presidencial, o governo criou uma engenharia financeira que, formalmente, não eleva o gasto público, mas afeta receitas do Orçamento, dizem especialistas. O projeto de lei prevê que o programa, rebatizado de Gás para Todos, será operado pela Caixa, que poderá receber recursos diretamente de empresas de petróleo. Em vez de depositarem a contribuição obrigatória ao Fundo Social do Pré-Sal, essas empresas repassariam o dinheiro ao banco. Para o pesquisador do Insper Marcos Mendes, “parece uma repetição de governos anteriores, que buscaram métodos criativos de gastar sem que a despesa aparecesse na peça orçamentária”. Com isso, o custo do programa saltaria dos atuais R$ 3,4 bilhões para R$ 13,6 bilhões em 2026. O público-alvo seria expandido de 5,6 milhões para 20,8 milhões de famílias.
A engenharia financeira criada pelo governo para financiar o novo Auxílio Gás turbinado foi recebida com preocupação por especialistas em contas públicas. A avaliação é de que se trata de um potencial drible do governo para a realização de gastos fora do Orçamento público – e, portanto, fora do limite de despesas do arcabouço fiscal.
O projeto de lei é assinado pelos ministros Alexandre Silveira (Minas e Energia) e Fernando Haddad (Fazenda) e aguarda análise do Congresso. O texto prevê que o programa – rebatizado de Gás para Todos – será operado pela Caixa Econômica Federal, que poderá receber dinheiro diretamente de empresas de petróleo. Em vez de depositarem a contribuição obrigatória ao Fundo Social do Pré-Sal, essas empresas repassariam o dinheiro ao banco estatal, descontando o valor da contribuição que fariam ao fundo (mais informações na pág. B2).
“Parece uma repetição de governos anteriores, que buscaram métodos criativos de gastar sem que a despesa aparecesse na peça orçamentária”, afirma o pesquisador do Insper Marcos Mendes. “Dado que temos uma regra de limite de despesa, esse procedimento dribla a regra. Despesa pública tem de estar no Orçamento, não pode ser feita em paralelo.” Mendes também destaca que a medida representa uma renúncia de receita e, pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), precisaria ser compensada. “Só que nada foi apresentado.”
O objetivo do governo é quadruplicar o valor do programa até 2026, ano de eleição presidencial. Com isso, o desembolso saltaria dos atuais R$ 3,4 bilhões para cerca de R$ 5 bilhões, em 2025, e alcançaria R$ 13,6 bilhões em 2026, de acordo com as projeções do Ministério de Minas e Energia. Já o público-alvo seria expandido de 5,6 milhões para 20,8 milhões de famílias.
Em nota, a Fazenda afirmou que a proposta “não possui impacto fiscal” e que a possibilidade de repasse das petroleiras à Caixa é uma “previsão genérica que demandará atos infralegais posteriores”. A pasta informou ainda que não está prevista, neste momento, a utilização de todas as modalidades de financiamento do programa e que, caso a transferência das empresas de petróleo ao banco estatal venha a ocorrer, isso será refletido no Orçamento. Procurado, o Ministério de Minas e Energia não se pronunciou.
Como mostrou o Estadão, recentes movimentos do governo e do Congresso mostram que o arcabouço fiscal repete dribles feitos durante a vigência do antigo teto de gastos, mas de forma mais rápida – colocando em risco a credibilidade da regra para controle das contas públicas. •
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Objetivo do governo é quadruplicar o valor do programa até 2026, ano de eleição presidencial
A “manobra fiscal” embutida no projeto de lei que turbina o antigo Auxílio Gás – rebatizado de Gás para Todos – pode ser desmembrada em quatro etapas, segundo o pesquisador do Insper Marcos Mendes. Na primeira, considerando as regras fixadas para o programa social, o beneficiário terá direito a um desconto na compra do botijão ou receberá o dinheiro para comprar o produto. A segunda etapa diz respeito ao pagamento, seja ao fornecedor do botijão ou diretamente ao beneficiário. A Caixa Econômica Federal será a responsável por isso.
Uma forma de o dinheiro chegar à Caixa, de acordo com o projeto apresentado ao Congresso, será mediante pagamento de empresas de petróleo, descontando o valor da contribuição obrigatória que essas empresas têm de fazer ao Fundo Social do Pré-Sal.
Finalmente, isso diminuirá a receita primária do governo, já que haverá um depósito menor no fundo social, o que afetará o resultado primário. Apesar disso, não haverá impacto no teto de gastos, pois a despesa não será contabilizada no Orçamento.
O crescimento das despesas é um dos principais desafios fiscais da atual gestão. Como mostrou o Estadão, os gastos obrigatórios têm crescido em ritmo superior ao do teto do arcabouço e, com isso, consomem fatia cada vez maior do bolo do Orçamento – “espremendo” outros desembolsos. No limite, avaliam especialistas, haverá o rompimento do teto ou a paralisação da máquina pública.
UNIVERSALIDADE. Na quartafeira passada, a equipe econômica detalhou uma revisão de R$ 25,9 bilhões em despesas previstas para 2025. Praticamente todas as medidas, porém, estão relacionadas a revisões cadastrais e combate a fraudes, sem mudanças estruturais mais profundas.
“É muito importante que o governo esclareça essa possibilidade de os recursos da comercialização de petróleo, que iriam para o fundo social, irem diretamente para a Caixa sem ferir o princípio da universalidade do Orçamento (que exige que todas as receitas e despesas constem da lei orçamentária)”, afirma Jeferson Bittencourt, ex-secretário do Tesouro Nacional e hoje head de macroeconomia do ASA Investments.
“Se esse princípio não for respeitado, é difícil dar credibilidade ao limite de gastos”, complementa Bittencourt. Atualmente, o arcabouço impõe duas travas ao crescimento da despesa: não pode ultrapassar 70% da variação da receita dos 12 meses anteriores, nem superar 2,5% de avanço real, ou seja, acima da inflação.
Ao ser questionado sobre o tema durante a coletiva de imprensa na quarta-feira, o secretário executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, afirmou que o tamanho da renúncia fiscal do novo programa dependerá do seu desenho final. Ele também frisou que o projeto partiu do Ministério de Minas e Energia (MME). “Nossa avaliação foi feita sobre a compatibilidade com o arcabouço e o Orçamento”, afirmou.
Para o secretário executivo do Ministério do Planejamento e Orçamento, Gustavo Guimarães, se o custo for embutido na via orçamentária (o texto permite que sejam usadas verbas
do MME, por exemplo), o governo terá de revisar outros gastos para acomodar a ampliação. Já se for pela via do subsídio, Guimarães reconheceu que o governo estará abrindo mão de receita. “Vai ter de ter ajuste, natural isso acontecer dentro do processo das regras fiscais”, afirmou. •
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2024-08-30T07:00:00.0000000Z
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