O Estado de S. Paulo

Mercado vê risco a investimento com intervencionismo de Lula

Falas recentes do presidente sobre Petrobras e Vale aumentaram temor

LUIZ GUILHERME GERBELLI • COLABORARAM MARIANA CARNEIRO/BRASÍLA e CÍCERO COTRIM/SÃO PAULO

Os sinais emitidos pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva de que pode adotar postura mais intervencionista na economia aumentam a incerteza para investimentos e podem dificultar um crescimento mais robusto do País, na opinião de analistas ouvidos pelo Estadão. Essa política ficou evidente nos casos Petrobras e Vale. Em 2023, a formação bruta de capital fixo (medida da taxa de investimentos) recuou e correspondeu a 16,5% do PIB, um nível historicamente baixo e inferior ao de outras economias emergentes. O governo afirma que o Ibovespa teve valorização de 16,65% na atual gestão. Políticas como subsídios e gestão de obras e compras públicas com incentivo ao conteúdo local também são criticadas. “O mundo inteiro já abandonou e a gente insiste”, afirma Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor do BC.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem dado sinais contraditórios na condução da economia e indicado que pode voltar a adotar uma postura mais intervencionista. Nas últimas semanas, a mão pesada do governo ficou evidente na governança de Petrobras e Vale, duas gigantes nacionais. Analistas com experiência no setor público dizem que as falas de Lula provocam um custo elevado para a economia brasileira porque aumentam a incerteza para o investimento das companhias, o que pode dificultar um crescimento mais robusto do País nos próximos anos.

“Uma coisa é inequívoca: existe um custo de incerteza e de sinal de caminho errado – rejeitado pela imensa maioria dos agentes econômicos – que influencia negativamente uma das nossas maiores dificuldades hoje, que é a baixa taxa de investimento”, afirma José Roberto Mendonça de Barros, sócio da consultoria MB Associados e ex-secretário de Política Econômica. “Mesmo que sejam tentativas (de intervenção) não totalmente consumadas, elas afetam negativamente as expectativas. É um custo que está dado. Elas representam uma parte do governo com ideias de anteontem.”

Procurada, a Secretaria de Comunicação do governo afirma que a valorização das ações na Bolsa, desde que o presidente assumiu, mostraria outro quadro. Desde o início de 2023, o Ibovespa (principal índice da Bolsa brasileira) se valorizou em 16,65%.

Ontem, tanto as ações da Petrobras quanto as da Vale voltaram a cair. No primeiro caso, a queda variou de 0,44% (papéis PN) a 0,68% (ON), mesmo com os preços do petróleo em alta no exterior; já Vale desvalorizou 1,27%. No mês, Petrobras PN cai 9,77%; as ações ON, 10,84%; e Vale, 5,73%.

Os economistas também apontam que o presidente retoma um discurso velho, que colocou o País numa recessão entre 2014 e 2016. E pior: joga fora a oportunidade de capitalizar um bom momento da economia brasileira.

Em 2023, o PIB cresceu 2,9%, acima do esperado, o Banco Central deu início ao ciclo de corte da taxa básica de juros (Selic), a inflação ficou no intervalo da meta e o mercado de trabalho se mostrou bastante forte. “Tudo isso (discurso intervencionista) causa uma tremenda insegurança jurídica. Cria-se um ambiente negativo para o investimento”, diz Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper e exchefe da assessoria especial do Ministério da Fazenda de 2016 a 2018. “Quem vai investir num País em que você olha e o governo bota o dedo em tudo?”

No ano passado, a formação bruta de capital fixo (FBCF, a medida da taxa de investimentos dentro da economia) recuou e correspondeu a apenas 16,5% do Produto Interno Bruto (PIB), um patamar historicamente baixo e inferior ao de outras economias emergentes.

GOVERNO DIVIDIDO. Desde o início do terceiro mandato, sempre pairou uma dúvida sobre qual seria o comportamento do governo na condução da política econômica. O grande nó é que o governo se equilibra em duas correntes. De um lado, existe uma pressão da ala política para que o governo tente turbinar a economia por meio do aumento de gastos e, de outro, a equipe liderada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que mira o controle da situação fiscal do País.

Nesse contexto, Lula e parte dos seus ministros sempre encontraram espaço para um discurso mais intervencionista na economia. As críticas alcançaram a autonomia do Banco Central e a atuação de Roberto Campos Neto no comando da instituição, a reforma trabalhista, a privatização da Eletrobras e o patamar da meta de inflação.

“Algumas coisas o Haddad tem conseguido segurar. No Ministério do Planejamento, também tem algumas mudanças importantes”, diz a economista Elena Landau, com passagem pelo BNDES no governo Fernando Henrique Cardoso. “O problema é que a gente não sabe como vai ser se o Lula continuar perdendo apoio nas pesquisas, se ele vai fazer o que fez depois do mensalão. Até o mensalão, o Lula se comportou. O negócio começou a ficar feio depois.”

Em 2023, o governo emplacou algumas políticas consideradas controversas, como a Nova Indústria Brasil, que reedita medidas de antigas gestões petistas ao prever R$ 300 bilhões em financiamentos e subsídios até 2026, além de uma gestão de obras e compras públicas, com incentivo ao conteúdo local – exigência de compra de fornecedores brasileiros. “São coisas que ganharam um verniz de modernidade, mas que não deram certo no passado. O mundo inteiro já abandonou e a gente insiste”, afirma Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor do BC e presidente do conselho de administração da Jive Investments.

“Elas (tentativas de intervenção) representam uma parte do governo com ideias de anteontem”

José Roberto Mendonça de Barros Sócio da MB Associados

“Quem vai investir num País em que você olha e o governo bota o dedo em tudo?”

Marcos Mendes Pesquisador do Insper

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2024-03-15T07:00:00.0000000Z

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