O Estado de S. Paulo

Brasil deve atrair capital com corte de juro nos EUA, mas gestão fiscal pode atrapalhar

Preocupação com as contas públicas tende a ser uma barreira para investidores estrangeiros

ALINE BRONZATI

OPaís tende a ficar mais interessante ao olhar estrangeiro com o esperado corte de juro nos Estados Unidos em 2024. Apesar do cenário convidativo, os ruídos gerados na gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com o debate em torno da meta de déficit primário zero em 2024 e o fato de o novo arcabouço não estabilizar a dívida tendem a causar dúvidas no investidor estrangeiro. Para o diretor de Pesquisa Macroeconômica para América Latina do Goldman Sachs, Alberto Ramos, a questão fiscal pode minar os indicadores positivos do País.

Ainda que os economistas não esperem um repeteco da surpresa que foi o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro em 2023, o País pode ficar mais interessante ao olhar estrangeiro com o esperado corte de juros nos Estados Unidos neste ano. Mas, enquanto o processo de relaxamento monetário na maior economia do mundo serve de ímã, a situação fiscal do Brasil atrapalha e deve continuar afastando esse investidor de apostar suas fichas com mais firmeza no País.

Ao longo de 2023, o Brasil aumentou a sua relevância em fundos globais. A participação do País no índice de ações MSCI Emerging Markets (MSCI EM), um dos principais referenciais internacionais para investidores, foi a 5,67% no fim de novembro, ante 5,54% na versão anterior, na segunda melhora consecutiva do indicador.

Para este ano, a materialização da queda de juros nos EUA pode beneficiar a entrada de recursos estrangeiros no Brasil. Com os juros dos Fed Funds na faixa de 5,25% a 5,5% ao ano, investidores preferem manter os seus recursos em títulos públicos da maior economia do mundo a se arriscar em países emergentes como o Brasil.

A última reunião de política monetária do Federal Reserve (Fed, o Banco Central dos EUA) aumentou a expectativa de corte nos juros, ao indicar a possibilidade de três reduções neste ano. Em seu discurso, o do presidente do BC americano, Jerome Powell, afirmou que não vai esperar a inflação cair à meta de 2% ao ano para começar a reduzir as taxas. Como resultado, o mercado antecipou a expectativa de início do ciclo de corte nos juros de maio para março, segundo ferramenta do CME Group.

‘SEM PAIXÃO’. Caso esse cenário se concretize, o volume de investimento estrangeiro no Brasil poderia crescer mais no segundo semestre deste ano, prevê o diretor de Pesquisa Macroeconômica para América Latina do Goldman Sachs, Alberto Ramos. “Olha, está interessante, mas não vejo ninguém apaixonado. É um pouco aquele fim de festa, que não sobrou ninguém para dançar”, diz.

No acumulado até o dia 22 de dezembro de 2023, o capital externo na B3 somava mais de R$ 43 bilhões. O volume representa menos da metade do registrado em 2022, quando o investidor estrangeiro aportou R$ 100,8 bilhões na Bolsa brasileira, a maior cifra desde 2004.

O peso do Brasil em fundos globais melhorou, mas segue bem longe do auge visto no passado. Em 2010, na sequência da icônica capa da revista britânica The Economist com a imagem do Cristo Redentor decolando como um foguete, o Brasil chegou a ter peso de 17% do MSCI EM. Na época, além do grau de investimento, o País roubava a cena de seus pares no mundo emergente para o olhar estrangeiro.

Para Ramos, o Brasil tem pontos positivos, como o crescimento robusto, que começa a desacelerar, um grande superávit comercial, um Banco Central crível, melhora da inflação, um mercado de trabalho resiliente e aceleração do crédito. Na ponta oposta, a questão fiscal pode minar todas as outras. •

Ruídos gerados na gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com o debate em torno da meta de déficit primário zero em 2024 e o fato de o novo arcabouço não estabilizar a dívida do País tendem a causar dúvidas ao investidor estrangeiro. “O governo continua naquela toada de tributar e gastar, o que significa que as metas fiscais perderam toda a credibilidade”, diz o diretor de Pesquisa Macroeconômica para América Latina do Goldman Sachs, Alberto Ramos.

A BlackRock, maior gestora do mundo, com US$ 9 trilhões em ativos, vê o Brasil com oportunidades, mas com “seletividade positiva”. “Estamos seletivamente positivos em oportunidades de ações (no Brasil) relacionadas com megaforças (globais) como metais que se beneficiam da transição para baixo carbono ou alguns setores industriais ou produtores de alimentos”, disse o estrategista-chefe de Investimentos da BlackRock para a América Latina, Axel Christensen, ao comentar o recém-publicado relatório da gestora sobre perspectivas 2024.

CONCORRENTES. O México deve seguir como principal concorrente do Brasil na disputa por recursos estrangeiros em 2024, segundo especialistas. Emergentes como a Turquia, a Rússia – que mantém a guerra contra a Ucrânia – e a África do Sul ainda têm problemas para lidar, enquanto a China luta contra o fantasma da desaceleração e os atritos com os Estados Unidos.

O México, por sua vez, cresce em ritmo superior ao do Brasil, com inflação controlada e uma política fiscal expansionista, mas sua dívida representando menos de 50% do PIB. Já a do Brasil deve chegar a 75% em 2023, segundo projeção da Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão vinculado ao Senado Federal.

Apesar da esperada queda de juros nos EUA, o temor de repique da inflação ainda preocupa nas economias desenvolvidas. “Olhando para frente, o ambiente pode se tornar menos acolhedor (para países emergentes) se as taxas de juro tiverem de permanecer elevadas ou voltarem a subir”, alerta o diretor do departamento econômico e monetário do Banco de Compensações Internacionais (BIS), uma espécie de banco central dos bancos centrais, Claudio Borio.

Relatório trimestral do BIS chama a atenção para a possibilidade de o mundo estar entrando em uma nova era de liquidez como resultado do aperto monetário global para combater o salto da inflação nas economias. Neste cenário, os emergentes poderiam ser mais impactados. Apesar disso, Borio vê essas economias preparadas para enfrentar uma eventual mudança.

GRAU DE INVESTIMENTO. O que beneficiaria o Brasil na atração de recursos estrangeiros nos próximos anos seria a retomada do grau de investimento, perdido em 2015. Depois da Fitch Ratings em julho, foi a vez de a S&P Global Ratings elevar a nota de crédito do Brasil em dezembro, de ‘BB-’ para ‘BB’. Agora, o País está dois níveis abaixo do selo de bom pagador, considerando a escala das três maiores agências de rating do mundo (veja quadro acima). •

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2024-01-02T08:00:00.0000000Z

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