O Estado de S. Paulo

A banheira de louça azul

Alice Ferraz alice@fhits.com.br

Era seu dia predileto da semana. Não era marcado e, assim, ela nunca sabia ao certo quando aconteceria, mas a menina estava sempre pronta para a oportunidade, com olhinhos atentos aos movimentos da casa repleta de irmãos. No banheiro de azulejos brancos com delicados desenhos de arabesco, a mãe tirava os anéis e colares que usava no dia a dia e os colocava em desordem em cima da pia. A menina, então, na ponta dos pés pegava um a um, os colocava nos pequeninos dedos fechando as mãos para que eles não escorregassem. Seu olhar fixado na mãe esperava ansiosa a ação em que ela finalmente abriria a torneira da banheira de louça azul e deixaria claro que era dia do ritual.

Não, a pequena não era convidada, mas podia ficar dentro do banheiro fazendo companhia. Ela sabia que era o dia em que a mãe se presenteava com um tempo maior de cuidado e que tinha de ficar quietinha para que ela conseguisse relaxar. Sentada na borda da banheira, no entanto, depois de alguns minutos em silêncio, pedia para colocar só os pés – “mamãe, juro que nem vou mexer eles”, dizia. Acordo aceito, seus pezinhos entravam suavemente na água quente e uma alegria imensa ao participar de um momento tão íntimo com sua maior paixão a invadia por inteiro. Depois dos pés, pedia para colocar as mãozinhas; talvez uma perna? E em poucos minutos, finalmente, estava por inteiro imersa juntos aos sais de banho coloridos que a mãe comprava especialmente para esse momento.

Nessas ocasiões, tinha toda a atenção da mãe, dividiam juntas as mesmas águas, sabonete, xampu, conversas e sensações. A mãe, uma mulher elegante, passava delicadamente cada produto em si e depois na pequena que ansiosa aguardava sua vez. Ela não se lembra de quantas vezes essa cena da banheira aconteceu, lembra que quando começou era pequena e não alcançava a pia com os anéis e que na última recordação a banheira de louça azul já não parecia tão grande para as duas. De qualquer forma, por mais que tenha tomado banhos de banheira em sua casa ou em hotéis pelo mundo, nenhuma delas em mais de quatro décadas lhe pareceu tão bonita e confortável como a de louça azul com a sua mãe. •

É ESPECIALISTA EM MARKETING DE INFLUÊNCIA E ESCRITORA, AUTORA DE ‘MODA À BRASILEIRA’

CULTURA & COMPORTAMENTO

pt-br

2022-08-13T07:00:00.0000000Z

2022-08-13T07:00:00.0000000Z

https://digital.estadao.com.br/article/282170769930235

O Estado