O Estado de S. Paulo

O enorme desafio da Argentina

Combater inflação demanda mais do que juros; país precisa controlar gasto público e enfrentar caótica realidade cambial

Em mais uma tentativa de debelar uma inflação que não dá sinais de trégua, a Argentina elevou a taxa básica de juros de 60% para 69,5% ao ano nesta semana. Os preços avançaram 7,4% em julho comparativamente ao mês anterior, maior taxa mensal dos últimos 20 anos, e superaram até mesmo o índice registrado na Venezuela, de 5,3%. Ainda que o aumento dos juros seja parte do programa acordado entre o governo e o Fundo Monetário Internacional (FMI) para refinanciar uma dívida de US$ 44 bilhões, esse é o tipo de notícia que tem o potencial de abalar a posição do ministro da Economia, Sergio Massa, nomeado para um cargo que se tornou radioativo diante da profunda crise econômica, social e política do país.

É desafiadora a tarefa do superministro, um experiente político que já presidiu a Câmara dos Deputados. Não bastasse lidar com uma economia em frangalhos, Massa tem de se equilibrar em meio a uma disputa fratricida entre o presidente Alberto Fernández e sua vice, Cristina Kirchner. Controlar a inflação é essencial, algo que demanda medidas duras e rejeitadas por uma sociedade combativa e que hoje tem 40% da população vivendo na pobreza. Não há, porém, outro caminho para resolver uma crise tão aguda e duradoura. O índice de preços ao consumidor já acumula alta de 46,2% de janeiro a julho e de 71% nos últimos 12 meses. De acordo com as projeções mais otimistas, o indicador deve fechar o ano em 90%, enquanto algumas consultorias já estimam uma variação de mais de 100%.

Subir os juros é necessário e impopular, mas insuficiente para debelar uma inflação próxima dos três dígitos. Reduzir o déficit primário e elevar as combalidas reservas internacionais também são metas inescapáveis. Mas o ministro terá que ir além e convencer um governo que enfrentará eleições em 2023 a parar de emitir dinheiro para financiar os gastos públicos – esta sim a raiz do problema da hiperinflação argentina. A emissão de moeda é o recurso a que o país tem recorrido desde que perdeu a confiança exigida para se financiar nos mercados internacionais.

Resgatar a credibilidade é primordial, e isso passa, também, por enfrentar as onipresentes consequências da dolarização da economia e abandonar definitivamente uma política que assombra o país há 30 anos. É ela que explica uma caótica realidade cambial simbolizada pela coexistência de ao menos três moedas – o peso, o dólar oficial e o dólar blue, negociado no mercado paralelo –, um sistema que só retroalimenta a inflação. Guardadas as devidas proporções, a Argentina requer um plano amplo e estruturado, a exemplo do que o Brasil fez em 1994 quando adotou o Plano Real. Mais do que ações isoladas e pontuais, é preciso coragem, competência e resiliência para coordenar um conjunto de medidas que conduzam o país a um novo patamar. Se conseguir reunir esses requisitos, Massa tem tudo para tirar a economia do buraco e se fortalecer enquanto liderança, algo que vai ao encontro dos objetivos de um político que não esconde ter pretensões presidenciais.l

ECONOMIA & NEGÓCIOS

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2022-08-13T07:00:00.0000000Z

2022-08-13T07:00:00.0000000Z

https://digital.estadao.com.br/article/282003266205691

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