O Estado de S. Paulo

Receita facilita renegociação de débitos que somam R$ 1,4 trilhão

Descontos chegarão a 70%, com 10 anos para pagar, em dívidas de pessoas físicas, de empresas e de MEIS.

ANTONIO TEMÓTEO ANNA CAROLINA PAPP

“A lei incluiu a possibilidade de essas transações tratarem de débitos ainda na Receita, sem chegar à Procuradoria-geral da Fazenda Nacional; ou seja: antes de cobrados judicialmente.” Daniel Moreti

Especialista em tributação

Portaria publicada no Diário Oficial da União (DOU) de ontem regulamentou a negociação em que a Receita Federal vai dar descontos de até 70% em dívidas para pessoas físicas, microempreendedores individuais (MEIS) e empresas.

Atualmente, existem R$ 1,4 trilhão de débitos administrados pela Receita que poderão ser negociados pelos contribuintes com o Fisco. Esse montante não considera débitos inscritos na Dívida Ativa da União. As transações poderão ser realizadas para quitação em até 120 meses (dez anos) com desconto de até 65%.

Para pessoa física, microempreendedor individual, microempresa, empresa de pequeno porte, Santa Casa de Misericórdia, sociedade cooperativa e instituição de ensino, o desconto e o prazo são maiores: de até 70% em 145 meses (pouco mais de 12 anos).

O especialista em Direito tributário Daniel Moreti avalia que a maior vantagem da lei sancionada em junho e regulamentada ontem é a ampliação do instrumento de transação tributária, criado em 2020, com possibilidade de descontos e parcelamentos de acordo com a capacidade de pagamento do contribuinte e as garantias envolvidas. Até então, as negociações com o Fisco só eram válidas para débitos inscritos em dívida ativa da União, já em âmbito judicial.

Há diferentes tipos de transação tributária, sendo a mais simples, segundo ele, a modalidade por adesão. “Nesse caso, a Receita publica editais com condições específicas, como, por exemplo, um desconto de 30% da dívida – sempre a multa e os juros, nunca o principal –, em 60 parcelas. Aí, os contribuintes interessados podem aderir à proposta”, explica Daniel Moreti.

IRRECUPERÁVEIS.

A portaria também autoriza a Receita a conceder descontos em juros e multas para os créditos classificados como irrecuperáveis ou de difícil recuperação e o uso de créditos de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa da CSLL, na apuração do IRPJ e da CSLL, até o limite de 70% do saldo remanescente após os descontos.

Há a possibilidade do uso de precatórios ou de direito creditório com sentença definitiva para amortização de dívida tributária principal, multa e juros. A regulação da transação de créditos tributários se dá após o Congresso aprovar a Lei n.º 14.375, de 21 de junho de 2022. A norma estabelece as regras para as modalidades de transação de débitos em contencioso administrativo por adesão, no qual é realizada mediante edital previamente publicado, ou por propostas individuais pelo devedor ou pela Receita Federal. •

Em termos de finanças pessoais, o brasileiro está a cada dia com a corda mais apertada ao pescoço. Isso porque, além de a inflação ter corroído a renda, no momento está mais difícil conseguir um financiamento, mesmo a juros exorbitantes. Mas qual é a “cara” do endividado brasileiro? Hoje, 68% dos endividados têm entre 25 e 51 anos, com as contas acumuladas essencialmente no cartão de crédito e em financiamentos. E outro dado chama a atenção: 70% desse contingente são mulheres, conforme levantamento feito pela Paschoalotto, empresa especializada em cobrança de dívidas, a pedido do Estadão.

“O número de mulheres que chefiam seus lares cresceu nos últimos anos e alguns fatores explicam a inadimplência mais frequente entre elas”, explica o economista-chefe da empresa, que tem e que tem os grandes bancos e varejistas como clientes, Reinaldo Cafeo. Segundo ele, como muitas vezes a renda é insuficiente para arcar com todos os gastos, isso leva a uma priorização das contas que serão pagas em dia e das que serão adiadas ou deixadas de lado.

Com isso, a ênfase fica nas contas do dia a dia, com carnês, cartão de crédito e financiamentos ficando de lado. Outro ponto que prejudica é falta de educação financeira, que faz com que muitas pessoas aceitem juros abusivos. Segundo o especialista, é a chave para que as contas acabem saindo do controle, diz.

MAIS ATINGIDOS.

Os números consideram os mais de 5,5 milhões de devedores que passam pelo sistema da Paschoalotto mensalmente. O levantamento mostra ainda que o endividamento atinge, em grande parte, as famílias com uma renda mensal de até dez salários mínimos, que respondem por 76% do total.

Responsável pela área de Pesquisa do Grupo Consumoteca, Marina Roale explica que a situação financeira entre a população feminina no Brasil também foi deteriorada ao longo da pandemia de covid-19. “Vivemos em um país onde a informalidade de trabalho está muito presente entre as mulheres. Com isso, elas têm renda mais incerta. Este momento está sendo chamado de recessão feminina, onde as conquistas que as mulheres tiveram no mercado de trabalho retrocederam muito nos últimos dois anos”, diz.

PESADELO.

No caso da bibliotecária Ana Maria Pereira Silva, 38 anos, a vida financeira acabou saindo dos trilhos depois de comprar um imóvel, já que em 2020 deixou o emprego em São Paulo e decidiu voltar para sua cidade natal, em Turmalina, Minas Gerais.

A bibliotecária esperava utilizar o saldo do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para quitar os R$ 17 mil de dívida restante da casa. Por uma mudança na regra, acabou sendo obrigada a contrair um empréstimo no banco, o que agravou seu problema financeiro – situação piorada com o juro alto. “Eu nunca fui muito boa com essas questões de administração financeira”, admite. Com a taxa contratada na instituição, o valor final da dívida duplicou.

De volta a São Paulo, a bibliotecária encontrou um emprego em uma rede de supermercados para pagar as contas, mas, por causa do salário menor, acabou acumulando mais dívidas. “Não quero nem olhar o valor total. Meu medo é ficar com o nome sujo na praça”, afirma.

PERFIS DISTINTOS.

O estudo da Paschoalotto mostra ainda que o comportamento do endividado não é uniforme. Há o grupo daqueles que deixam a vida de lado e seguem com a rotina, não ligando se o nome está sujo na praça. Já outro perfil de devedor prefere vender algum bem, como o carro, para resolver a questão de inadimplência, comenta o economista da empresa.

“Há aqueles que, ainda tendo crédito na praça, trocam de modalidade de crédito, buscam dinheiro no crédito consignado, penhor de joias. E depois de esgotar o crédito nas instituições bancárias, se valem de financeiras. Este perfil, muito por falta de educação financeira, acerta as dívidas, mas volta a ficar inadimplente em pouco tempo”, conta Cafeo. Para quebrar o círculo vicioso, há algumas dicas (confira no quadro). •

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2022-08-13T07:00:00.0000000Z

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