O Estado de S. Paulo

Por falta de dinheiro ou até pavor de água, 1 em cada 10 brasileiros nunca foi à praia

Pesquisa da Fundação Boticário ouviu 2 mil homens e mulheres entre 18 e 64 anos, de todas as classes, em cinco regiões

JOSÉ MARIA TOMAZELA

“O mar, quando quebra na praia, é bonito, é bonito.” Mas essa beleza, descrita no clássico O Mar, de Dorival Caymmi, nunca pôde ser comprovada ao vivo por um em cada dez brasileiros, aponta pesquisa realizada pela Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, em parceria com a Unesco e a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). O estudo mostra que eles nunca foram à praia.

Segundo o levantamento “Oceano sem Mistérios: A Relação dos Brasileiros com o Mar”, 159 milhões de brasileiros – 75% da população – têm ao menos um contato com o mar anualmente. Outros 20% pisam na areia ao menos uma vez a cada 15 dias, levando ao pé da letra outra música de Caymmi: “Quem vem pra beira do mar, ai, nunca mais quer voltar”.

Mesmo assim, o nível de conhecimento sobre os ambientes marinhos ainda é muito baixo.

O Brasil é um país litorâneo com 7.367 quilômetros de costa banhada pelo Oceano Atlântico e tem algumas das mais belas praias do mundo. Talvez por isso nove em cada dez brasileiros já visitaram a orla pelo menos uma vez na vida. Os Estados do Nordeste detêm 44% da costa, com 3.206 quilômetros banhados pelo mar.

Isso explica, claro, por que 91% dos nordestinos já pisaram na faixa de areia, enquanto nos Estados do Centro-oeste, distantes do oceano, apenas 55% dos entrevistados disseram ter visitado uma praia. No Norte, com pouco litoral, 71% já estiveram no mar.

O estudo ouviu, entre 5 de março e 12 de abril deste ano, 2 mil homens e mulheres entre 18 e 64 anos, de todas as classes sociais, nas cinco regiões do País. O resultado foi apresentado durante a Conferência dos Oceanos da Organização das Nações Unidas (ONU), realizada recentemente em Lisboa, Portugal.

“A pesquisa nos permite compreender a relação das pessoas com ambientes costeiros e marinhos e como a sociedade entende a influência do oceano no seu dia a dia. Também nos mostra como o brasileiro percebe os impactos de suas ações e seus hábitos”, diz Malu Nunes, diretora executiva da Fundação Grupo Boticário.

NEM O CHEIRO.

Aos 53 anos, o servidor público aposentado Marcos de Sousa Duarte, de 53 anos, ainda não sabe o que é sentir o cheirinho da maresia. Ele mora em Ceilândia do Norte, no Distrito Federal, a 1.167 quilômetros das praias mais próximas, no Rio de Janeiro.

“Nunca fui à praia por alguns empecilhos, um deles a falta de acessibilidade, pois sou deficiente físico. Outro empecilho foi a condição financeira, principalmente porque os locais de praia que possuem acessibilidade custam mais caro”, afirma. Duarte mora em área densamente urbanizada, mas prefere o campo. “Ultimamente, não tenho viajado. No entanto, pretendo, pois tenho o sonho de conhecer a praia.”

Mesmo morando a 180 quilômetros do mar, em São Miguel Arcanjo, interior de São Paulo, a aposentada Cacilda Rodrigues dos Santos já completou 65 anos e também nunca foi à praia. “Bem que gostaria, mas nunca tive a oportunidade”, conta a aposentada, moradora da zona rural. Já a neta de Cacilda, a costureira Sheila Oliveira Franco, de 28, só conheceu o mar quando completou 18 anos. “Fui em ônibus de excursão à Praia de Ilha Comprida (litoral sul de São Paulo). Fiquei muito ansiosa, quase não dormi direito. A sensação foi incrível ao ver toda aquela água, tanto que fiquei me perguntando por que não tinha ido antes”, recorda Sheila.

Apesar de ter gostado da experiência, ela não consegue ir todo ano. “Fui pela última vez em 2019, acompanhando uma romaria. No topo dos meus sonhos está o de conhecer uma daquelas praias com areia branquinha e água bem clarinha, mas ainda não consegui realizar. Praia, só conheço a de Ilha Comprida mesmo”, diz. Sheila lembra que, para quem mora na zona rural, é mais difícil viajar para lugares que não sejam próximos, tanto pela condição financeira, pois os hotéis são caros, como também pela falta de oportunidade.

Esse não é o caso, porém, da lavradora aposentada Áurea de Oliveira Rodrigues, de 68 anos, que já teve muita oportunidade, mas nunca tocou a água do mar. Moradora do bairro Jundiaquara, em Araçoiaba da Serra, no interior paulista, Áurea conta que os filhos já a convidaram inúmeras vezes e ela sempre se esquivou. “Eu só vejo o mar pela televisão, mesmo assim tenho pavor daquela imensidão de água. Gosto mesmo de ir ao rio ou a um tanque pescar. E olha que sou boa pescadora, mas só em lugar com pouca água. O mar é bonito, mas que fique longe de mim”, afirma.

COMPORTAMENTO.

O estudo investigou ainda os hábitos e comportamentos das pessoas quando estão próximas ao mar. A maioria da população – 61% dos entrevistados – afirma sempre praticar o turismo responsável, evitando usar produtos e embalagens poluentes, não deixando nem tirando nada do ambiente, enquanto 7% declararam que a prática ocorre na maioria das vezes. O porcentual de pessoas que afirmam adotar o turismo com responsabilidade às vezes, raramente, nunca ou que não soube responder, somado, chega a 32%.

As atividades preferidas dos brasileiros quando estão próximos do mar são tomar banho (51%), andar na praia (32%), tomar banho de sol (20%), aproveitar a gastronomia local (19%) e praticar esporte (17%). Nesse quesito, foram mais citados o futebol, seguido do voleibol e do surfe. Aparecem também entre as atividades mais lembradas admirar a paisagem (15%), relaxar (10%), brincar na areia (8%), meditar e refletir (6%) e fazer trilha (3%).

O empresário Pedro Henrique

Pavor Aposentada explica que já foi convidada, mas não vai à praia por medo de água

Família adora Empresário de Sorocaba frequenta litoral paulista e destaca lazer e boa comida

Cecchini, de Sorocaba, vai com a família em média quatro vezes por ano para o litoral paulista. “Mais do que eu, minha mulher, meu sogro e minha sogra gostam muito de praia. A gente aluga uma casa e fica de três a quatro dias. É um momento de lazer e descanso, mas também de apreciar a comida local, com frutos do mar”, argumenta.

Geralmente, a família aluga uma casa em praias do Guarujá ou de São Sebastião. “As cidades dependem da temporada para movimentar o comércio, os quiosques, hotéis e restaurantes. Embora eu considere a questão ecológica importante, a maioria das pessoas não tem essa percepção. Muitos vão à praia apenas para curtir”, explica.

Na opinião dos pesquisadores, os dados podem ser reflexo da falta de informação sobre os ambientes costeiros por parte dos brasileiros, que não reconhecem e diferenciam os variados ecossistemas. De acordo com Fábio Eon, coordenador de Ciências da Unesco Brasil, o turismo em áreas naturais tem grande força no País. “Entender esse turismo é de extrema importância para inibirmos a prática predatória”, ressalta Eon.l

METRÓPOLE

pt-br

2022-08-13T07:00:00.0000000Z

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