O Estado de S. Paulo

Um desserviço à democracia

Ao deixarem de confirmar presença em debate promovido pelo consórcio de imprensa, Lula e Bolsonaro menosprezam não só a imprensa, que sempre hostilizaram, mas o eleitor

Oconsórcio formado por Estadão , Folha de S.paulo, UOL, O Globo, Extra, G1 e Valor para realizar no dia 14 de setembro um debate em pool entre candidatos à Presidência da República resolveu cancelar o encontro, que ocorreria em São Paulo. A decisão foi motivada pelo fato de que tanto o petista Lula da Silva como o presidente Jair Bolsonaro, os atuais líderes nas pesquisas de intenção de voto, não confirmaram presença nem se dignaram a informar suas razões para a ausência no prazo acordado com suas assessorias.

Fugindo do debate, Lula e Bolsonaro não se limitaram a ignorar a imprensa profissional e independente, contra a qual, cada um à sua maneira, desde sempre hostilizam; o que fizeram foi desmerecer a sociedade. Eles prestaram um grande desserviço ao debate público e autorizaram os eleitores não fanatizados a duvidar de suas supostas credenciais democráticas. Democratas não receiam expor o que pensam a ninguém, em nenhuma circunstância.

Os debates, a rigor, deveriam ser o ápice de uma campanha eleitoral. De tão importantes, alguns são divisores de água nos rumos de uma eleição. Tome-se o exemplo dos Estados Unidos, bastião da democracia. Ali, é inimaginável que um candidato à presidência se furte a debater com seus adversários – e isso desde as prévias partidárias. Na maior democracia das Américas, os debates são eventos que param o país e mobilizam os cidadãos por semanas.

Lula e Bolsonaro podem não ter revelado o motivo por trás desse desinteresse em debater publicamente suas ideias e planos para o Brasil que pretendem governar, supondo que ambos os tenham, mas decerto um e outro avaliam que só teriam a perder ao participar de um evento público em um ambiente que não conseguiriam controlar. Diante de adversários e, sobretudo, de jornalistas, cuja profissão é justamente a de fazer perguntas incômodas a quem exerce ou pretende exercer o poder, seria extremamente difícil para os dois demagogos sustentarem as fábulas que inventaram para seduzir eleitores e mobilizar militantes.

Em um debate livre e democrático, Lula fatalmente seria obrigado a prestar contas da subversão da democracia representativa empreendida pelo PT por meio dos esquemas do mensalão e do petrolão. O petista seria instado a falar sobre corrupção e outros temas desagradáveis que pretende manter escondidos, principalmente dos eleitores mais jovens. Lula seria ainda confrontado com o absoluto desastre que foi o governo de sua sucessora, Dilma Rousseff, muito mais do que uma indicada, uma escolha pessoal do ex-presidente para governar o Brasil. Deu no que deu.

Bolsonaro, por sua vez, seria questionado pela tragédia moral, social, ambiental, política, econômica e sanitária que é o seu governo, se assim pode ser chamado esse amontoado de ações descoordenadas e a distâncias abissais do melhor interesse público. Sob Bolsonaro, o País viu o Ministério do Meio Ambiente virar cinzas; o Ministério da Saúde virar um balcão de negócios; o Ministério da Educação virar casamata de uma “guerra cultural” que só existe nos delírios persecutórios do presidente e de seus apoiadores mais alucinados. Diante de uma imprensa altiva e compromissada com a sociedade à qual serve, seguramente, Bolsonaro teria de falar de corrupção, golpismo, “orçamento secreto” e rachadinhas, além de explicar seu comportamento debochado ante a mortandade da covid-19.

Ao organizar um debate em pool – por sugestão do próprio Lula da Silva –, os veículos de imprensa fizeram sua parte no esforço coletivo para fortalecer a democracia no País. O interesse público foi sobreposto aos interesses empresariais, pois a exclusividade é um dos principais valores para as empresas jornalísticas. Mas o caráter concorrencial dos veículos de imprensa perde relevância quando há um imperativo – seja o de acompanhar a marcha tétrica da pandemia de covid-19, seja o de oferecer à sociedade condições de conhecer melhor o que pensam aqueles que pretendem governá-la. Lamentavelmente, Lula e Bolsonaro fizeram o movimento diametralmente oposto: colocaram os seus próprios interesses em primeiro lugar.•

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2022-08-13T07:00:00.0000000Z

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