O Estado de S. Paulo

Brexit dificulta reação econômica do Reino Unido em meio à inflação

Afetados pela saída do bloco europeu, pela pandemia e pela guerra na Ucrânia, britânicos enfrentam mais dificuldades para reagir do que seus vizinhos europeus

CAROLINA MARINS

Afetados pela saída do bloco europeu, pandemia e guerra da Ucrânia, britânicos têm mais problemas que vizinhos.

A alta dos preços de alimentos e energia afetou as economias desenvolvidas, especialmente na Europa, onde a dependência do gás russo é grande e o impacto da pandemia foi profundo. De todos os países, o Reino Unido é o que enfrenta mais dificuldade para contornar a crise. Para analistas, a razão é o Brexit, que ampliou os riscos de recessão prolongada.

Enquanto as maiores economias começam a ver sinais de retomada conforme caem as restrições sanitárias, o Reino Unido registra um desempenho comercial tímido, uma moeda instável e exportações travadas.

Dos países do G-7 – as sete maiores economias do Ocidente –, o Reino Unido tem a maior taxa de inflação anual, com 9% em maio, segundo a OCDE. Em seguida vêm Alemanha, com 7,7%, que sofre com o impacto da guerra no setor de energia; e os EUA, com 7,6%.

FUTURO. A diferença, porém, são as projeções de inflação. Enquanto a OCDE projeta uma melhora no poder de compra em quase todos os países do G-7 no próximo trimestre, a inflação do Reino Unido só deve cair no ano que vem, quando o índice já tiver ultrapassado os dois dígitos.

Economistas já temem uma recessão. “O Reino Unido sofreu três pancadas: o Brexit, a pandemia e agora a guerra”, disse Leonardo Paz, analista do Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional da FGV. “Todas as três afetaram muito a economia.”

Alguns já apontam setores que já sentem o impacto da saída da União Europeia, especialmente o comércio e a força de trabalho. “O Brexit é um fator que contribui para o fraco desempenho do Reino Unido”, explica Morten Ravn, economista da University College London. “O comércio com a UE foi atingido, o investimento estagnou, a mão de obra qualificada deixou o país e o setor financeiro começa a sofrer.”

O aumento dos preços não foi acompanhado de incremento salarial. Ao contrário, os britânicos tiveram um crescimento muito tímido no salário real nos últimos meses. Com uma desvalorização da libra frente ao dólar, a situação da economia tem provocado protestos e pressionando o governo já em crise do primeiro-ministro britânico, Boris Johnson.

Há seis anos, durante o referendo, as promessas de quem defendia o Brexit era retomar o

Caldeirão político

Crise econômica aumenta a pressão sobre o governo de Boris Johnson, que salta de crise em crise

controle das decisões econômicas, na época dependente da burocracia do bloco.

RETROCESSOS. No site em favor do Brexit, no ar até hoje, as principais promessas são: economizar 350 milhões de libras (cerca de R$ 2,25 bilhões) por semana, fronteiras mais rígidas e “fazer comércio com o mundo inteiro”. “A UE nos impede de assinar nossos acordos comerciais com aliados importantes, como Austrália e Nova Zelândia, e economias em crescimento, como Índia, China ou Brasil”, argumentava.

A execução, no entanto, não seria tão simples ou rápida quanto prometido. “Nenhuma das promessas foi cumprida, a não ser um pequeno número de acordos comerciais com parceiros menores”, disse Ravn.

De acordo com dados do escritório de estatísticas do Reino Unido (ONS), as importações de bens da UE cresceram desde o Brexit e agora sob tarifas mais altas que antes. As exportações, por outro lado, ficaram estagnadas, tanto para a Europa quanto para outros países. A balança comercial está em déficit desde abril de 2021.

O primeiro acordo de livrecomércio assinado pelo país após a saída da UE foi com a Austrália, em dezembro de 2021. Antes, enquanto ainda negociava os pormenores do Brexit, o Reino Unido fechou um acordo com o Japão.

“O Reino Unido, assim que adotou o Brexit, imaginava que conseguiria substituir o que eles perderiam da União Europeia com outros países do mundo, fazendo um conjunto enorme de acordo de livre-comércio. Só que acordos comerciais levam tempo”, observa Leonardo Paz. •

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2022-06-26T07:00:00.0000000Z

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