O Estado de S. Paulo

De olho no câmbio

José Márcio Camargo

Professor aposentado do departamento de Economia da PUC-RIO, é economista-chefe da Genial Investimentos

Apesar do cenário internacional desafiador e um cenário interno difícil, o real entrou no ano de 2022 em uma trajetória de forte valorização. No cenário internacional, pelo menos dois fatores apontam para a desvalorização do real. Primeiro, a aceleração da taxa de inflação nos Estados Unidos. Os sinais de aperto na política monetária americana – aumento da taxa de juros – e a redução da liquidez internacional – fim da compra de ativos financeiros pelo Sistema de Reserva Federal (Fed) – se intensificaram. O presidente e os diretores da instituição adotaram um discurso advogando uma política monetária fortemente contracionista.

Segundo, a guerra no Leste Europeu. Com a invasão da Ucrânia pela Rússia, as incertezas e a busca por segurança aumentaram, gerando valorização do dólar, principalmente em relação às moedas dos países emergentes. Como a Rússia é um grande exportador de petróleo e gás natural, os preços da energia aumentaram significativamente, gerando forte pressão inflacionária no Brasil e no mundo.

No cenário interno o risco fiscal continua a preocupar. Em 2021, o risco fiscal foi dominado pela discussão em torno da manutenção do teto de gastos. Hoje, a preocupação é qual será o custo fiscal para evitar um repasse integral dos aumentos do preço do petróleo para os preços internos dos combustíveis. O aumento do risco fiscal deverá pressionar a taxa de câmbio. Será suficiente para reverter a trajetória de valorização?

O que mudou nos fundamentos entre 2020 e 2022 que justifica a reversão de trajetória do câmbio, apesar do cenário desafiador? Duas mudanças importantes. Primeiro, o ruído em relação à responsabilidade fiscal. A discussão em torno do custo fiscal para evitar um aumento dos preços dos combustíveis é conjuntural e não tem a dimensão da discussão em torno da manutenção do teto de gastos, que é estrutural e a âncora do regime fiscal brasileiro.

Segundo, o diferencial de juros entre o Brasil e os outros países. Em 2020 e 2021 este diferencial era negativo. Hoje, é altamente positivo. O Brasil tem a maior taxa de juros entre os emergentes (exceto Turquia e Argentina). O diferencial de juros mais que compensa o risco fiscal. Mantendo-se esta relação juros-risco fiscal, a tendência à valorização do real deve persistir. O limite é a dominância fiscal, quando os investidores passam a duvidar da capacidade do país de honrar sua dívida e a política monetária perde a efetividade.l

Mantendo a relação juros-risco fiscal, a tendência à valorização do real deve persistir

ECONOMIA&NEGÓCIOS

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2022-03-12T08:00:00.0000000Z

2022-03-12T08:00:00.0000000Z

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