Musical sobre Michael Jackson evita acusações.
Espetáculo, que tem o espólio do astro como produtor, se passa em 1992, um anos antes de ele ser acusado de molestar crianças
MICHAEL PAULSON
Um musical biográfico sobre Michael Jackson entrou em cartaz na Broadway há duas semanas, com grande orçamento, enorme base de fãs e uma pergunta que não queria calar: como o espetáculo iria tratar as alegações de que o cantor pop molestara crianças? A resposta: não trata. O musical, do qual o espólio de Jackson é um dos principais produtores, se passa em 1992, um ano antes de ele ser publicamente acusado de abuso.
O espetáculo, intitulado MJ, mostra Jackson no auge da carreira – era o Rei do Pop, com dons surpreendentes como cantor e dançarino –, mas também sugere que ele estava enfrentando problemas financeiros (hipotecando Neverland), era excessivamente dependente de analgésicos (começou a tomar Demerol depois de se queimar durante a filmagem de um anúncio publicitário da Pepsi), sofria com uma carga emocional considerável (seu pai aparece no palco batendo nele) e estava cercado de repórteres atentos a tudo menos sua arte (alguém aí se lembra de Bubbles, seu chimpanzé de estimação?).
Assinado por Lynn Nottage, escritora duas vezes vencedora do Prêmio Pulitzer, e com direção do aclamado coreógrafo Christopher Wheeldon, o espetáculo tem um longo período de pré-estreia pela frente: está programado para estrear só em 1.º de fevereiro, e até lá a equipe criativa deve continuar revisando e refinando o musical.
SUCESSOS. Mas, na noite da primeira pré-estreia, há duas semanas, com ingressos esgotados, ofereceu um vislumbre da estrutura do espetáculo e indicou que a equipe optou por seguir seu plano inicial, elaborado anos atrás, para se concentrar no gênio de Jackson e mostrar seu catálogo de canções recheado de sucessos. O musical se passa ao longo de dois dias dentro de um estúdio em Los Angeles, onde Jackson está nos ensaios finais para sua turnê mundial Dangerous.
A produção, que capitalizou até US $ 22,5 milhões, oferece contexto para as escolhas criativas de Jackson por meio de flashbacks de capítulos anteriores de sua carreira, a maioria motivada por perguntas de uma documentarista que diz querer observar o processo de Jackson, mas se mostra mais interessada em sinais de problemas.
Musical foi anunciado na primavera de 2018, com previsão de chegada à Broadway em 2020. Mas, sete meses depois, um documentário chamado Leaving Neverland estreou em Sundance trazendo nova atenção às alegações – negadas por Jackson na época e por seu espólio desde sua morte – de que ele teria abusado sexualmente de crianças. (Por meio de um porta-voz, os homens que aparecem no documentário se recusaram a comentar o musical.)
ESTREIA. Logo depois da estreia do documentário, a produção cancelou uma temporada pré-broadway em Chicago, citando problemas trabalhistas, e mais tarde o nome do musical foi alterado – de um potencialmente problemático Don’t Stop Til You Get Enough (não pare até ficar satisfeito) para o mais simples MJ. Quando a temporada de Chicago foi cancelada, a equipe de produção, dirigida por Lia Vollack, anunciou o plano de levá-la para a Broadway no verão de 2020, mas aí a pandemia fechou a Broadway.
Numa entrevista em abril de 2019, um mês depois de a HBO lançar o documentário, Nottage e Wheeldon disseram que seguiam comprometidos com o projeto, mas ainda estavam processando suas reações ao documentário. Nenhum dos dois disse se acreditava que Jackson era molestador de crianças e ambos disseram que não lhes cabia julgar essa questão.
“É obviamente desafiador – não deixa de trazer complicações, com certeza –, mas parte do que fazemos como artistas é responder à complexidade”, disse Wheeldon. Ele acrescentou: “Somos sensíveis ao que está acontecendo e veremos se funciona no espetáculo ou não. Mas o foco principal do nosso programa sempre esteve no processo criativo de Michael”.
Nottage disse que queria criar “um musical que todos possam assistir, independentemente de como se sintam em relação a Michael Jackson”.
“Vejo a arte que estamos fazendo como uma maneira de entender mais profundamente Michael Jackson e processar os sentimentos”, disse ela, “e, no final das contas, é isso que o teatro pode fazer”.
ÍCONE. Questionado sobre as escolhas narrativas do espetáculo, Rick Miramontez, porta-voz do musical, observou que Jackson continua sendo “um ícone cultural global” e disse: “Os produtores esperam que o trabalho, a performance e a narrativa dos talentosos criadores da Broadway, que vêm colaborando com esta produção desde 2016, venham a ser uma contribuição valiosa para o exame contínuo da arte, da criatividade e da música de um dos artistas mais controversos e importantes da era moderna”.
O musical, que apresenta 37 canções (algumas só em trechos), faz referência à preocupação da proximidade de Jackson com crianças quando um dos empresários do cantor pergunta a outro: “Quem diabos é essa família que ele quer trazer para a turnê?”.
E pouco depois, durante uma coletiva de imprensa, enquanto os repórteres bombardeiam Jackson com perguntas sobre suas cirurgias, sua cor de pele e assim por diante, alguém pergunta: “O que você tem a dizer sobre as recentes alegações de que você...”, sem concluir o pensamento.
A casa lotada – o Neil Simon Theatre, com capacidade para 1.445 pessoas – estava arrebatadora, com o público de pé depois de Wanna Be Startin Somethin e Thriller, aplaudindo ruidosamente as músicas conhecidas – e até mesmo alguns elementos do figurino (a luva!).
Algumas pessoas estavam vestidas com roupas que ficaram famosas com Jackson – havia uns tantos cosplayers de Thriller – ou com camisetas de shows de Jackson. •
TRADUÇÃO RENATO PRELORENTZOU
Desequilíbrio
O espetáculo mostra Jackson com problemas financeiros e dependência de analgésicos
CULTURA & COMPORTAMENTO
pt-br
2021-12-22T08:00:00.0000000Z
2021-12-22T08:00:00.0000000Z
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O Estado
