O Estado de S. Paulo

Plataformas removem live do presidente com mentiras sobre vacinas

Facebook, Instagram e Youtube agiram após Bolsonaro dizer que pessoas que se vacinaram contra a covid no Reino Unido contraíram aids.

• CÁSSIA MIRANDA, BRUNO LUIZ, AUGUSTO DECKER PEPITA ORTEGA e LEVY TELLES

Em uma ação inédita, Facebook, Instagram e Youtube retiraram do ar a live em que o presidente Jair Bolsonaro relacionou vacina contra a covid19 à aids. A declaração, mentirosa, provocou reação de cientistas e da classe política. Deputados apresentaram uma notícia-crime contra Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal, e a CPI deve incluir a fala do presidente no relatório final, que, entre diversos crimes que teriam sidos cometidos pelo presidente, aponta disseminação de fake news. O relator, senador Renan Calheiros, afirmou ontem que pretende incluir no texto um pedido de banimento de Bolsonaro das redes sociais.

Na transmissão, feita na quinta-feira passada, Bolsonaro afirmou que pessoas que tomaram duas doses da vacina contra o novo coronavírus no Reino Unido estão desenvolvendo aids. “Relatórios oficiais do governo do Reino Unido sugerem que os totalmente vacinados estão desenvolvendo a síndrome de imunodeficiência adquirida muito mais rápido do que o previsto”, disse o presidente enquanto lê um texto. “Não vou ler para vocês a matéria porque posso ter problema com a minha live, não quero que caia.”

No verso da página que Bolsonaro lê durante a transmissão, está estampada a marca da página Before Its News, um site que difunde teorias da conspiração e notícias falsas – como, por exemplo, a de que filho do ex-presidente dos EUA John F. Kennedy, John F. Kennedy Jr., morto em 1999, estaria vivo.

Ontem, Bolsonaro disse ter se informado por uma matéria publicada na revista Exame, mas ele distorce o conteúdo e erra a data de publicação. “Na segunda-feira, a revista Exame fez uma matéria sobre vacina e aids, eu repeti essa matéria na minha live. Dois dias depois a revista Exame falou que eu falei fake news. Foi a própria Exame que falou da relação de HIV e vacina. Eu apenas falei sobre matéria”, disse o presidente em entrevista à rádio sul-matogrossense Caçula.

A reportagem a que Bolsonaro se refere foi publicada em outubro de 2020, e não na semana passada. O texto, que foi atualizado ontem, tem o título “Algumas vacinas contra a covid-19 podem aumentar o risco de HIV?” e diz que, até aquele momento, “não se comprovou que alguma vacina contra a covid-19 reduza a imunidade a ponto de facilitar a infecção em caso de exposição ao vírus.”

O presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-al) – a quem cabe acatar pedido de impeachment de Bolsonaro – disse ontem que ele precisará “pagar” se a declaração não tiver comprovação científica. “Se não tiver nenhuma base científica para isso, ele vai pagar pela declaração. Espero que tenha.”

Renan disse que a ideia é incluir, no relatório final a ser votado hoje, um pedido ao STF de medida cautelar contra Bolsonaro. “Vou fazer um registro duro no relatório da CPI e estamos, adicionalmente, entrando com ação cautelar junto ao STF para bani-lo das redes.”

Em nota, o Youtube afirmou que a remoção se deu por violação de “diretrizes de desinformação médica sobre a covid19”. A plataforma informou que Bolsonaro deve ficar suspenso por 7 dias – ele já havia sido alertado por publicar conteúdo que feria as políticas internas em julho. Assim, não conseguirá realizar sua live semanal na plataforma nesta quinta-feira.

Segundo o Facebook, apoia “o trabalho da comunidade global de saúde pública para manter as pessoas seguras e informadas durante esta crise” e que o vídeo de Bolsonaro infringiu a política da empresa em relação à vacina da covid-19. Esta é a primeira vez que a companhia tira do ar uma live de Bolsonaro. “Nosso objetivo é garantir que todos tenham acesso a informações precisas, removendo conteúdo prejudicial e apoiando pesquisadores de saúde com dados e ferramentas”, diz a companhia.

Dona do Instagram, o Facebook afirma que ambas as redes sociais têm como política a responsabilidade de “reduzir a disseminação de notícias falsas” e “criar uma comunidade mais bem informada e em reduzir a disseminação de notícias falsas”. O Instagram diz trabalhar “com verificadores de fatos independentes no mundo todo que analisam conteúdo em mais de 60 idiomas”.

A fake news que relaciona vacinas com o desenvolvimento da aids já era conhecida a ponto de a Organização Mundial de Saúde (OMS) ter reforçado a importância de portadores de HIV serem imunizados contra a covid-19. Em nota, o Comitê de Hiv/aids da Sociedade Brasileira de Infectologia afirmou que não se conhece nenhuma relação entre qualquer vacina contra a covid-19 e o desenvolvimento de síndrome da imunodeficiência adquirida, e repudiou “toda e qualquer notícia falsa que circule e faça menção a esta associação inexistente”.

O Facebook já removeu post em que Bolsonaro defendia cloroquina e fim do isolamento social

“Vou fazer um registro duro no relatório da CPI e estamos, adicionalmente, entrando com ação cautelar junto ao STF para bani-lo das redes.”

Renan Calheiros (MDB-AL)

Relator da CPI da Covid

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2021-10-26T07:00:00.0000000Z

2021-10-26T07:00:00.0000000Z

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