O Estado de S. Paulo

Atriz vive botânica em filme

‘O Jardim Secreto de Mariana’, de Sérgio Rezende, põe em foco uma mulher que não mede esforços para ser mãe

Luiz Carlos Merten ESPECIAL PARA O ESTADÃO

Sérgio Rezende havia recémlançado Salve Geral quando escreveu O Jardim Secreto de Mariana. Em geral, ele compartilha a escrita com roteiristas, mas, de vez em quando, escreve sozinho filmes que lhe são caros. No caso de Jardim Secreto, terminou compartilhando o roteiro com a filha montadora, Maria. “Ela deu uma contribuição importante para a parte final do filme. A maternidade, o parto. Assuntos muito femininos.” Isso não significa que Rezende talvez não pudesse escrever sozinho. “Como artista, diretor de cinema, tenho de ter a capacidade de entender o outro, a outra. Estamos vivendo um tempo meio estranho em que as narrativas estão sendo colocadas em camisas de força. Só negros podem falar de negros, só gays podem fazer filmes LGBT+. Quero ter o direito de narrar minhas histórias e defender a alteridade, senão qual é a graça?”

O Jardim Secreto de Mariana

estreia nesta quinta, 30. O roteiro original, o que foi escrito há dez anos, previa uma viagem à Europa – à Holanda. Seria um filme caro, foi sendo abandonado, mas, durante todo esse tempo, sempre houve alguém para dizer a Rezende que deveria retomar o projeto. A produtora Erica Iootty insistiu tanto que ele resolveu fazer uma nova versão do roteiro, passada no Brasil. Um casal, Gustavo Vaz e Andréia Horta, rompeu há cinco anos e, durante esse tempo, ele não teve coragem de ler a carta que ela lhe enviou, de despedida. Agora tenta uma retomada. Ela reage: “Você me assusta”.

Na trama do filme, Andréia quer ser mãe, mas o companheiro é estéril. Como botânica, ela diz coisas radicais – a natureza não conhece limites. Não tem restrições morais. Para se reproduzir, as plantas fazem o que for necessário. A confusão é com os humanos. Quando entram os sentimentos, as coisas ficam mais complicadas. Vaz representa uma bela figura de macho. Há cenas calientes com Andréia – ela é um assombro. Quando descobre a própria esterilidade, ele se fragiliza. “Tive amigos que viveram essa situação e, embora esterilidade não signifique impotência, eles se sentiam impotentes para resolver os imbróglios de suas vidas.” Andréia/mariana faz o que é preciso para ser mãe.

Rezende conta que o filme foi rodado rapidamente – três semanas no final de 2019, início de 2020. Mais três semanas de montagem. Em maio, veio a pandemia. O Jardim Secreto só foi finalizado mais de um ano depois, em maio. Para criar o jardim de Mariana – o Éden –, Rezende beneficiou-se de uma parceria rara. Filmou em Inhotim. “Podíamos mostrar os jardins, mas não as obras artísticas, cujos direitos permanecem com os autores”, conta o diretor. Com exceção da filha, Maria, ele trabalhou com uma nova equipe de colaboradores. Fotografia, direção de arte, figurinos, trilha.

Trabalhando rapidamente, e com gente nova, Rezende se sentiu livre como um principiante. Fez o que talvez seja seu filme mais bonito. De cara, Jardim Secreto abre-se com o homem pedalando. Ele chega a Brumadinho. Conhecendo a obra de Rezende, seu desejo de pensar o Brasil, o espectador pode até pensar que seu filme é sobre a tragédia do rompimento da barragem. Ainda não – o próximo será, mas pelo viés de uma história de amor.

Lamarca, Guerra de Canudos, Mauá, O Paciente – O Caso Tancredo Neves tiveram protagonistas masculinos. Mas volta e meia Rezende conta histórias de mulheres – Doida Demais, que talvez seja seu filme que mais tem a ver com O Jardim Secreto, Zuzu Angel. O discurso sobre a brutalidade da natureza pode surpreender ante tantas denúncias sobre a Amazônia e o Pantanal. “O filme abriu o Festival Guarnicê e o público ligado nas questões ambientais entendeu que o filme, como Mariana, respeita a natureza.” Nesse Brasil dos discursos de ódio, da grosseria e da violência, Rezende considera seu filme contra a corrente. “Falar de afeto, de beleza, de delicadeza é resistir.”

Na Quarentena

pt-br

2021-09-30T07:00:00.0000000Z

2021-09-30T07:00:00.0000000Z

https://digital.estadao.com.br/article/282553021396971

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